Muitas instituições de saúde disponibilizam formulários para sugestões, críticas e elogios em suas unidades. Essas comunicações recebidas estão sendo analisadas ou todos os comentários tecidos voluntariamente pelos pacientes acabam sendo pouco utilizados como potenciais indicadores? É comum e recorrente que os sistemas baseiem suas avaliações de qualidade nas métricas internas priorizando, inclusive, a análise dos pontos de falha em detrimento às conquistas positivas.
Estudo conduzido no Reino Unido (1) reuniu 1.267 cartas de elogios enviadas a 54 hospitais e as classificou de forma manual para compreender quais práticas estavam sendo elogiadas e o que levou esses pacientes a redigir esses elogios. Para uma melhor compreensão, o estudo também filtrou para quem essas cartas eram endereçadas. A pesquisa foi motivada pela percepção de que identificar práticas passíveis de elogios pode otimizar uma visão de cuidados de alta qualidade centrados no paciente.
As cartas analisadas foram redigidas entre os anos de 2011 e 2012, ou seja, fora do contexto pandêmico, e devem representar cerca de 2% do montante total de cartas recebidas pelo sistema de saúde. Interessante observar que 80% das cartas foram enviadas em papel, mesmo em um momento de alta digitalização.
Resultados encontrados
Entre as práticas elogiadas, 77% estavam atreladas à qualidade do relacionamento entre o paciente e a equipe. Assim, a maioria dos elogios mencionava profissionais atenciosos, compassivos, gentis, simpáticos e empáticos. Além disso, a boa comunicação e o respeito aos direitos dos pacientes também foram mencionados.
Ainda no contexto de relacionamento, o comportamento amistoso e que ultrapassa as obrigações do profissional foi muito citado. Isso é observado quando, por exemplo, o profissional permanece além do horário, sai do seu contexto e faz tudo o que pode inclusive para trazer maior segurança emocional e reduzir a ansiedade dos pacientes.
Paralelamente, 50% das cartas abordavam a vertente clínica. Grande parte relatava ótimo tratamento, boa capacidade, profissionalismo e habilidade técnica das equipes. Também surgiram menções à segurança, diagnósticos precisos, prescrição adequada de medicamentos, rápida resposta em casos de emergências e qualidade geral como, por exemplo, aqueles que citaram os bons protocolos de higiene adotados. Em menor quantidade, mas ainda importante, o estudo identificou elogios relativos a cuidados personalizados e testes extras.
Partindo para as cartas que elogiavam a gestão, que eram 30% do total, os apontamentos eram muito mais aprofundados e se referiam principalmente aos processos institucionais, como tempo de espera, custo, eficiência dos prontuários, facilidade para marcação das consultas e procedimentos, integração de serviços e análise de reclamações. Apareceram, também, menções ao ambiente como, por exemplo, instalações bem iluminadas, ofertando televisão e boa alimentação, e apontamentos relativos à entrega de serviços considerados não essenciais como, por exemplo, aconselhamentos diversos.
Por que os pacientes dedicam tempo a elogiar?
As cartas são enviadas de forma voluntária e, normalmente, sem qualquer tipo de incentivo. Por qual motivo, então, os pacientes se sentem interessados em dedicar tempo a redigir e encaminhar esses comunicados?
O estudo evidenciou que 80% das cartas tinham, como foco, reconhecer o empenho das equipes; 44% estavam dedicadas a recompensá-las e 59% buscavam promover aquele tema, estimulando, por exemplo, a adoção do mesmo comportamento em outros setores, especialidades ou locais de atendimento
Das cartas classificadas na categoria “reconhecimento”, 28% estavam focadas em agradecer, sendo que o elogio era estimulado pela recuperação do paciente, seu retorno ao trabalho ou migração para outro serviço. Eram mensagens curtas relatando um desfecho bem-sucedido como no exemplo: “senti que não poderia deixar passar mais um dia sem escrever para agradecer e para contar a grande diferença que você fez na minha vida”. Foram observadas, também, cartas enviadas após a morte do paciente com o intuito de agradecer o cuidado e encerrar a intensa relação que foi criada com a equipe.
Entre os elogios classificados como “recompensa”, o mais comum visava recompensar socialmente o trabalhador e, para isso, eram encaminhadas cópias para o CEO da instituição. Poucas cartas envolviam presentes materiais ou recompensas financeiras.
Além disso, as comunicações encaixadas na categoria “promoção” estavam focadas nas recomendações de práticas adotada por profissionais específicos como, por exemplo, apontamentos que nomeavam o trabalhador e indicavam sua benfeitoria como “o profissional identificou o problema rapidamente”.
Para quem os elogios eram destinados?
Do montante analisado, 53% das cartas foram direcionadas às equipes, às unidades ou aos departamentos; 31% à alta administração e 17% aos profissionais da linha de frente. Os elogios diretos ao pessoal da linha de frente reconheciam práticas excepcionais e relacionamentos afetuosos. Já os direcionados à alta administração buscavam incentivar o reconhecimento público dos profissionais
Assim, a pesquisa inglesa sugere que analisar essas cartas pode ser uma boa intervenção para qualidade e segurança principalmente em um momento de alta associação entre burnout da equipe e insatisfação dos pacientes. Os elogios podem ser um bom gatilho à motivação dos trabalhadores e, por consequência, ao aumento de resiliência dos sistemas.
No Brasil, em julho de 2020 (2) foi realizada uma campanha com o intuito de valorizar a atuação dos profissionais de saúde frente à pandemia de COVID-19. Na ocasião, os brasileiros foram incentivados a mandar elogios por meio da FalaBR, plataforma integrada de ouvidoria e acesso à informação da Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo divulgado pelo portal do Governo Federal, os cidadãos elogiaram a excelência, o amor, a dedicação, a prontidão, o carinho e a paciência das equipes de atendimento, além de enfatizar o cuidado, o esforço, o profissionalismo e a educação desses trabalhadores que, com humanidade e competência, colocam suas próprias vidas em risco a fim de ofertar a melhor assistência.
“Estou parabenizando a todos vocês, profissionais da saúde, pela cura de pacientes que estavam com o novo coronavírus. Gostaria muito de abraçar vocês, mas nós não podemos, então estou enviando esta carta. Nós vamos crescer com vida e saúde. Graças a vocês tudo vai voltar ao normal”, dizia um dos depoimentos, cuja autoria foi mantida em sigilo.
Por fim, recolher todos os apontamentos feitos pelos pacientes seja em formato físico, seja por meios digitais é um bom caminho para entender quais as práticas que merecem elogios, ampliando assim a importância da participação do paciente no ciclo de cuidados como um todo, e melhorar o engajamento e a motivação das equipes.
Referências:
(2) CGU destaca hospitais da Rede Ebserh por elogios recebidos pela atuação frente à pandemia
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