O mundo está se recuperando das mazelas deixadas pela pandemia de covid-19, que revelou diversas falhas de segurança nos sistemas de saúde. Para melhor compreender a magnitude tanto dos riscos desvendados nesse período quanto dos danos evitáveis computados, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento intitulado “Implications of the COVID-19 pandemic for patient safety”. Bastante completo e reunindo as principais evidências globais, o material merece atenção.
O relatório enfatiza que os sistemas de saúde de todo o mundo perceberam que, ao se desdobrar para atender à alta demanda gerada pelo grande número de infectados pelo novo coronavírus, a segurança ficou em segundo plano. Nos países com mais fragilidades, essa situação foi ainda mais grave, mostrando que segurança e equidades caminham de mãos dadas.
Na Inglaterra, por exemplo, entre abril de 2020 e março de 2021, foi notada uma redução de 6,1% na notificação de incidentes quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Enquanto isso, ocorreu aumento de 47,7% dos incidentes relatados como mortes.
Já nos Estados Unidos, mais especificamente no estado da Pensilvânia, entre 1º de janeiro e 15 de abril de 2020, os incidentes de segurança identificados com mais frequência foram relacionados a testes de laboratório, com desfechos como a exposição de pacientes que positivaram e atrasos nos resultados dos exames. O país também sugere que muitos progressos de prevenção às infecções foram perdidos. Isso porque a nação notou aumento de 35% nas infecções associadas à ventilação mecânica e 24% nas infecções de corrente sanguínea associadas a cateter venoso central.
O isolamento (necessário para a redução da disseminação do vírus) também foi fator de risco para eventos adversos como lesões por pressão, eventos relacionados a medicamentos e quedas que, na China, aumentaram três vezes entre janeiro e maio de 2020 no comparativo com o mesmo período de 2019.
Quanto a erros de medicação, poucos estudos estavam disponíveis, mas é importante enfatizar como a pandemia potencialmente afetou a resistência antimicrobiana pelo uso indevido de antibióticos no tratamento de uma doença viral. Análises mostraram que apenas 8% dos pacientes hospitalizados com covid-19 sofreram infecções bacterianas ou fúngicas, mas 72% desses pacientes receberam medicamentos antibióticos durante seus tratamentos. Somado a isso, temos o aumento das internações hospitalares (que aumentam o risco de transmissão de microorganismos multirresistentes) e interrupção de tratamentos de doenças como tuberculose e HIV.
Outro ponto que merece ser enfatizado é que os trabalhadores de saúde – setor que já sofria com escassez de profissionais – ficaram ainda mais sobrecarregados, com impactos diversos, inclusive na saúde mental.
Depois de muitas análises bastante aprofundadas, a revisão mostra a necessidade de desenvolvimento de um sistema de saúde mais resiliente, com maior capacidade de adaptação aos desafios e às mudanças que tendem a permanecer acontecendo.
Repercussões positivas
É difícil pensar em extrair pontos positivos de uma crise que levou mais de 6,5 milhões de pessoas à morte, mas aprender com erros e elencar lições é importante. Inclusive, esses aprendizados terão papel decisivo na implementação de ações sugeridas pelo Plano de Ação Global de Segurança do Paciente 2021 – 2030, que recomenda a incorporação da cultura de segurança em emergências e em situações extremas e adversas.
Durante a crise, por exemplo, algumas lideranças despontaram tomando a frente da situação e garantindo uma comunicação eficiente no compartilhamento de informações clínicas, envolvendo tecnologias e ambientes virtuais para otimizar o treinamento das equipes e garantir a adoção de melhores práticas baseadas em evidências. Paralelamente, a comunidade científica global apresentou um excelente desempenho no rápido desenvolvimento de soluções diagnósticas e vacinas e a indústria se movimentou para ampliar sua capacidade produtiva e seu portfólio de produtos e serviços.
Outro ponto relevante foi que a pandemia elevou a conscientização populacional sobre saúde e autocuidado e a percepção de todos sobre a importância da saúde mental, inclusive entre os profissionais de saúde e seus gestores. Tanto que ⅓ dos países investiram no desenvolvimento de regulamentações e políticas para garantir a segurança dos trabalhadores da saúde durante a pandemia.
No ambiente digital e tecnológico, as evoluções foram notórias. Além da telemedicina – destravada em muitos países, incluindo o Brasil – muitas novidades surgiram para auxiliar o diagnóstico e a assistência, principalmente daqueles pacientes com doenças crônicas e deficiências físicas.
Referências:
(1) Implications of COVID-19 pandemic for patient safety
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