O Instituto ECRI – que há 50 anos avalia a eficiência de dispositivos médicos em território norte-americano – divulgou, pela 14ª vez, os 10 maiores riscos tecnológicos em saúde (1), ou seja, inovações e adesões que merecem a atenção das lideranças de saúde que trabalham para proteger os pacientes em diferentes vertentes da assistência. Para elaborar esse documento, o ECRI investiu em uma rigorosa revisão de incidentes, observou os apontamentos de bancos de dados públicos e privados, e analisou testes de dispositivos médicos diversos.
Importante destacar que toda essa análise foi feita em um cenário de pandemia de COVID-19, quando profissionais da saúde, engenheiros, executivos, especialistas em TI e muitas outras profissões que indiretamente contribuem com a complexa cadeia de atendimento, tiveram de se desdobrar para que os sistemas mundiais seguissem atendendo a população com qualidade mesmo diante de um crescimento expressivo da demanda.
Confira a lista de riscos divulgada:
1. Autorização emergencial de uso de dispositivos diversos – O relatório enfatiza que os Estados Unidos tiveram de autorizar, de forma emergencial, a utilização de diferentes dispositivos médicos a fim de atender a população. Porém, quando esses dispositivos não passam pelos rigorosos processos habituais de regulação da Food and Drug Administration (FDA), eles podem representar riscos por não serem tão seguros ou eficazes.
No Brasil, o órgão responsável pelas aprovações é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre os dispositivos que receberam autorização para uso emergencial estão os testes rápidos de COVID-19. O produto entrou no mercado nacional, porém as entidades representativas do setor de diagnóstico seguiram investindo em avaliação para comprovar a sensibilidade e a especificidade desses exames durante todo o período de execução. Houve, inclusive, uma força tarefa (2) reunindo laboratórios e associações focadas em avaliar os testes e divulgar os resultados para a sociedade.
A recomendação do Instituto ECRI é justamente a de que as instituições de saúde devem monitorar o desempenho desses dispositivos para avaliar sua eficiência.
2. Recurso autocompletar para definição de medicamentos – Um recurso simples e bastante conhecido por todos – já que está disponível até mesmo nos smartphones – pode colocar a segurança do paciente em risco. O segundo tópico do relatório de 2021 do Instituto ECRI diz respeito ao autocompletar. Segundo o documento, permitir que o sistema complete sozinho o nome do medicamento após a inserção das letras iniciais pode levar ao erro, já que existem muitos medicamentos com nomes similares. A indicação do Instituto é que sejam exigidas ao menos as cinco primeiras letras antes do preenchimento automático. Isso é absolutamente necessário para aumentar a segurança tanto nos setores de solicitação e armazenamento dos medicamentos quanto na área de distribuição.
3. Telessaúde exige cuidado – Da noite para o dia muitos atendimentos médicos passaram a ser realizados remotamente. Em diversos países a telemedicina já era uma modalidade autorizada, porém, no Brasil, foi permitida no início de 2020 justamente para sanar os efeitos de impedimento de acesso às consultas durante a pandemia de COVID-19. Porém, a adesão rápida e sem muito preparo a esses sistemas pode causar riscos aos pacientes, pois os protocolos de atendimento podem estar mal desenhados ou, ainda, os profissionais podem não ter sido preparados corretamente. Para os pacientes, podem surgir barreiras, dado que não estão educados e acostumados a manter esse tipo de contato. O relatório indica que muitos cuidados devem ser tomados para que a assistência prestada via telessaúde não seja um risco.
4. Máscaras N95 precisam de confiabilidade – No início da pandemia houve uma escassez dos equipamentos de proteção individual, o que inclui as máscaras faciais. Muitos profissionais de saúde se viram sem acesso justamente a uma das principais proteções contra doenças infecciosas como a COVID-19. Com o passar dos meses, a produção mundial foi normalizada, porém um alerta se fez quanto à qualidade dessas máscaras.
O relatório do Instituto ECRI reforça que alguns equipamentos podem não proteger devidamente os profissionais de saúde. No Brasil, vivenciamos esse cenário no primeiro semestre de 2020. Na ocasião, a Anvisa interditou algumas fabricantes chinesas de máscaras N95 por ineficiência. Após monitoramento de desempenho, esses equipamentos não demonstraram a eficiência mínima de filtragem de partículas de 95%. Assim, a Agência determinou a interdição cautelar do uso desses produtos. A recomendação é que essa vigilância seja constante a fim de proteger o corpo de trabalho em saúde.
5. Tomada de decisão clínica com base em equipamentos sem aprovação – Com a pandemia, muitos equipamentos passaram a ser usados sem a devida aprovação e reconhecimento de qualidade da FDA nos Estados Unidos. Entre os itens citados pelo relatório estão oxímetros, medidores de pressão sanguínea e monitores de glicose. A preocupação está no fato de que o corpo clínico não deve basear todas as suas decisões clínicas nesses equipamentos que podem não ser absolutamente confiáveis. Essa recomendação, na verdade, deve ser constante. No Brasil, conforme já comentado anteriormente, quem cuida dessas avaliações, regulações e aprovações é a Anvisa e todos os equipamentos devem ser validados pela Agência para que possam ser confiáveis a ponto de basear a tomada de decisão médica.
6. Luz ultravioleta para desinfecção de superfícies merece cautela – Principalmente durante a pandemia de COVID-19, novas técnicas para desinfecção de ambientes surgiram e a luz ultravioleta (UVC) tem sido um dos recursos propostos pelo mercado. Mesmo considerando que essa é uma estratégia eficiente, o relatório do Instituto ECRI reforça que o procedimento precisa ser feito seguindo todas as recomendações. Entre os erros que podem ocorrer durante esse processo estão a baixa dosagem dos raios e o direcionamento inapropriado deles, o que expõe as pessoas ao risco de contaminação após elas acreditarem que o ambiente está livre de micro-organismos.
No Brasil, o Centro de Vigilância Sanitária (3) do Ministério da Saúde chegou a publicar um comunicado com esclarecimentos sobre o uso de cabines de luz ultravioleta para desinfecção de compras em supermercados e estabelecimentos congêneres. Além disso, recomendou que os órgãos de vigilância sanitária e de regulação em geral ficassem atentos às demandas da sociedade quanto ao uso da luz ultravioleta a fim de informar sobre benefícios e riscos.
7. Vulnerabilidade cibernética – Segurança cibernética foi um dos desafios de tecnologia em saúde apontados como geradores de potenciais riscos pelo relatório do Instituto ECRI. No caso, o documento reforça que o uso de softwares diversos aliados a dispositivos médicos podem colocar em risco a segurança das informações. No Brasil, a segurança digital tem se mostrado, de fato, um problema a ser gerenciado. Recentemente, o site do Ministério da Saúde foi hackeado e notícias sequenciais divulgaram o vazamento de dados de pacientes por todo o país.
8. Inteligência artificial aplicada ao diagnóstico por imagem – A aplicação de inteligência artificial para otimizar a leitura e o diagnóstico por imagem é realidade. Porém, como sempre foi muito reforçado, essa inteligência ainda não substitui a inteligência humana. No relatório do Instituto ECRI, o oitavo item enfatiza que é preciso cuidar da qualidade dos dados utilizados para treinar os algoritmos de inteligência artificial a fim de evitar qualquer viés que torne o resultado equivocado. Há necessidade de que a seleção de dados seja suficiente para representar as populações de pacientes que se utilizarão daquela ferramenta.
Durante a pandemia, o Brasil apostou na inteligência artificial aliada ao diagnóstico por imagem para trazer suporte aos profissionais de saúde que avaliavam tomografias computadorizadas de tórax para comprovar o diagnóstico de COVID-19. Disponível gratuitamente para todo o país, o algoritmo (4) foi desenvolvido na Universidade de São Paulo e ajuda o médico ao indicar qual a probabilidade daquela tomografia ser de uma pessoa infectada pelo novo coronavírus.
9. Operação remota de equipamentos pode ser fator de risco – Operar equipamentos remotamente já é realidade. A telerradiologia, por exemplo, garante que máquinas de ressonância magnética sejam operadas à distância. Na pandemia, algumas instituições norte-americanas investiram na operação remota de ventiladores e bombas de infusão como forma de evitar a exposição dos profissionais aos riscos de estar próximo a uma pessoa contaminada em um cenário de escassez dos equipamentos de proteção individual. Porém, o relatório do Instituto ECRI reforça que riscos podem surgir, entre eles a falta de avaliação visual dos pacientes com frequência, ineficiências do equipamento que podem ocorrer pelo maior comprimento das cânulas e tubulações, riscos para a circulação das equipes quando esses maquinários são alocados fora dos quartos, entre outros. Assim, a recomendação do Instituto é de que a operação remota somente deve ser utilizada durante as emergências de saúde.
10. Impressão 3D – Dispositivos e produtos impressos em 3D precisam ser avaliados individualmente e validados para evitar riscos. Além disso, as instalações de saúde que fazem uso dessa tecnologia devem investir em uma política para avaliar esses dispositivos antes que sejam disponibilizados para uso. Em alguns locais do mundo, impressoras 3D foram utilizadas para confecção de válvulas para respiradores que estavam em falta durante os primeiros meses da pandemia. No Brasil, essa tecnologia ainda está incipiente.
Referências:
(1) Top 10 Health Technology Hazards for 2021
(2) Programa de Avaliação de Kits de Diagnóstico para Sars-Cov-2
(3) Comunicado CVS-SAMA/DVST/DITEP 29
(4) Sistema que identifica covid-19 em tomografias é selecionado em desafio internacional
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