As vacinas para COVID-19 foram desenvolvidas a uma velocidade sem precedentes na história. Entretanto, a maioria das vacinas recebeu aprovação para uso com base em dados de ensaios clínicos que não foram isentos de limitações. O fato de haver algum grau de incerteza sobre a segurança das vacinas traz a necessidade de uma farmacovigilância intensa para garantir o uso seguro e apropriado dos imunizantes, valendo-se do monitoramento e notificação de eventos adversos.
Na vigilância da segurança de vacinas, o uso do método de comparação de taxas históricas é um dos mais indicados e é amplamente recomendado por sociedades especializadas. Nesse método, é importante conhecer as taxas de incidência base na população quanto aos eventos de interesse, conseguindo uma estimativa do que seria o número esperado desses eventos na população em geral. A partir desses dados é possível comparar novas incidências entendendo o real papel das novas vacinas nesses eventos.
Eventos Adversos de Interesse Especial
Cada nova vacina tem potenciais eventos adversos de interesse especial (EAIE) que justificam uma avaliação focada, com base no que se sabe sobre vacinas anteriores e no desenvolvimento das novas vacinas. Foram listados 15 EAIE que poderiam necessitar de avaliação na vacinação para COVID-19: acidente vascular cerebral (hemorrágico e não hemorrágico), infarto agudo do miocárdio, trombose venosa profunda, embolia pulmonar, anafilaxia, paralisia de Bell, miocardite ou pericardite, narcolepsia, apendicite, plaquetopenia autoimune, coagulação intravascular disseminada (CIVD), encefalomielite (incluindo encefalomielite disseminada aguda), síndrome de Guillain-Barré e mielite transversa.
Para contextualizar as taxas de incidência desses potenciais EAIE associados à imunização contra a COVID-19, um estudo de coorte avaliou o histórico de incidência desses eventos clínicos em anos pré-pandemia. Isso foi feito a partir de registros eletrônicos de oito países: Alemanha, Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Japão e Reino Unido. Essas bases continham dados de 126 milhões de pessoas observadas entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2019.
A maioria das bases de dados incluía mais pacientes do sexo feminino e pacientes entre 35 e 54 anos representavam a maior proporção na maioria dos bancos de dados. Dentro desse cenário, foram observados:
- As taxas de incidência de trombose venosa profunda aumentaram com a idade. Em um dos bancos, a taxa de incidência passou de 20 a cada 100 mil pessoas por ano entre meninos de 6 a 17 anos para 2.030 a cada 100 mil pessoas por ano entre homens de 75 a 84 anos.
- As taxas de infarto do miocárdio aumentaram de 28 a cada 100 mil pessoas por ano nos homens entre 18 e 34 anos para 1.400 a cada 100 mil pessoas por ano naqueles com mais de 85 anos.
- As taxas de incidência de acidente vascular cerebral (hemorrágico e não hemorrágico), bem como de embolia pulmonar, paralisia de Bell, trombocitopenia imune, síndrome de Guillain-Barré e coagulação intravascular disseminada, também aumentaram com a idade.
- As taxas de acidente vascular cerebral hemorrágico foram maiores em participantes do sexo masculino na maioria das faixas etárias. A incidência nos pacientes entre 65 e 74 anos foi de 251 a cada 100 mil pessoas por ano entre os homens enquanto, entre as mulheres, foi de 170 a cada 100 mil pessoas por ano.
- As taxas de incidência de infarto agudo do miocárdio, miocardite ou pericardite, trombocitopenia imune e síndrome de Guillain-Barré também foram maiores em pacientes do sexo masculino do que nas mulheres.
Paralelamente, outras definições foram extraídas do estudo para as taxas de incidência combinadas dos 15 EAIE estabelecidos, estratificadas por idade e sexo. Como a incidência variou substancialmente por idade, a classificação foi diferente para cada faixa. A trombose venosa profunda, por exemplo, era rara em meninos e meninas até 18 anos, incomum em pessoas entre 35 e 84 anos e comum naquelas com mais de 84 anos.
Já o infarto agudo do miocárdio foi muito raro em mulheres com menos de 35 anos, raro em mulheres entre 35 e 54 anos, incomum em homens e mulheres entre 55 e 84 anos e comum em homens e mulheres com 85 anos ou mais.
Quanto à trombose venosa profunda, em mulheres entre 65 e 74 anos, a incidência variava de 387 a cada 100 mil pessoas por ano a 1.443 a cada 100 mil pessoas por ano. Já entre mulheres com idade entre 75 e 84 anos, a taxa mais baixa foi de 585 a cada 100 mil pessoas por ano e a mais alta de 2.167 a cada 100 mil pessoas por ano. O estudo não apontou nenhum padrão consistente que explicasse a variação.
Importância
Sempre que possível, as taxas de eventos adversos que podem ser associados às vacinas para COVID-19 devem ser comparadas com as taxas históricas desses fenômenos clínicos na população. Um bom exemplo são as situações de trombose venosa profunda e embolia pulmonar, eventos muito relacionados ao coronavírus por conta da relação com hipercoagulabilidade. É preciso entender qual a incidência desses eventos clínicos na população em uma fase anterior à vacinação para interpretar o real papel da vacina em casos pós-vacinação.
O estudo listado conclui que há uma variabilidade considerável das taxas desses EAIE conforme a idade e o sexo, o que indica a necessidade de padronização ou estratificação desses índices quando o intuito for a vigilância e a segurança vacinal. Assim, também é importante que as estimativas de estudos individuais sejam interpretadas com cautela e que, sempre que possível, seja utilizada a mesma fonte de dados para comparar as taxas de eventos adversos com a vacinação pós-COVID-19.
Farmacovigilância em Vacinas
Para conhecer mais sobre a farmacovigilância em vacinas, acesse o Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação do Ministério da Saúde (4ª edição, 2020). Importante também destacar a Nota Técnica do Observatório COVID-19 da Fundação Oswaldo Cruz, que traz uma discussão específica sobre a vacinação para o coronavírus.
Referência:
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