Por Maria Manuela Alves dos Santos*
9.632. Esse é o número de notificações de eventos adversos relatados por hospitais norte-americanos à Joint Commission, de 2005 até o primeiro semestre deste ano. No Brasil, há poucos registros oficiais sobre esses eventos. No entanto, dados mais recentes do Notivisa, ferramenta de monitoramento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mostram que a situação é preocupante: foram 8.400 incidentes relacionados à assistência em saúde, ocorridos somente entre 25 de fevereiro e 31 de dezembro de 2014.
Entre as instituições brasileiras acreditadas pela Joint Commission International (JCI), os registros do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) mostram que ocorreram 35 notificações no ano passado, entre eventos sentinela, eventos adversos, queixas e reclamações, que foram encaminhadas para a JCI para as devidas análises e sugestões de melhorias, ou para o descredenciamento da instituição, ou seja, a perda do selo de acreditado. Mas esse baixo número significa que erramos pouco?
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Se nos Estados Unidos, onde a cultura de segurança está mais latente entre profissionais de saúde, houve, somente no primeiro semestre desse ano, 439 relatos de eventos relativos, principalmente, à queda de paciente, procedimento errado ou paciente errado, suicídio, atraso no tratamento e complicações cirúrgicas, no Brasil, todos os gestores da área têm ciência que há subnotificação para casos similares, que ganham relevância na imprensa.
Casos de morte de paciente por erros de assistência, danos ao paciente, seja por troca de medicamentos, quedas, cirurgias em membros errados, retenção de objeto estranho no corpo humano após cirurgia, ou ainda, o uso indevido de materiais cirúrgicos e comportamentos antiéticos de profissionais de saúde, comumente, viram notícia. Mas será isso suficiente para que situações como essas deixem de acontecer?
É certo que noticiar faz com que se fale sobre o assunto. Porém, o que precisamos todos – médicos, profissionais da área de saúde, pacientes, familiares e sociedade – é desenvolver uma cultura de segurança.
Propagar a segurança significa reduzir riscos de danos ao paciente e ao profissional de saúde. Para se chegar a ela, uma instituição de saúde não pode jamais esquecer dois princípios básicos: a qualidade do atendimento assistencial na prestação do serviço e o nível de segurança que deseja proporcionar a seus pacientes e também à sua equipe.
Sabemos que a área de saúde é tão complexa quanto pilotar um avião. Aliás, foram os procedimentos de segurança da aviação que inspiraram os padrões de segurança em saúde. Construir a cultura de segurança é um desafio para todas as unidades de saúde do país, públicas ou privadas. Afinal, é preciso semear e compartilhar práticas, atitudes e comportamentos voltados ao cuidado seguro.
Tão importante quanto ter padrões seguros, o que é apregoado pela metodologia de acreditação – é não ter uma cultura punitiva quando erros ou falhas acontecem. Se eventos adversos acontecem são frutos de processos e sistemas falhos recorrentes, até então adotados na área da saúde. Substituir a culpa pela oportunidade de se aprender com as falhas significa melhorar a atenção à saúde. É isso que faz a JCI ao criarem o Escritório de Monitoramento das queixas,responsável por manter o alto padrão de qualidade e segurança e por analisar as denúncias e relatos de eventos adversos.
A saída para se chegar a um modelo de excelência passa implantação da cultura de segurança, em que o relato de erros seja incentivado assertiva e transparentemente. Um bom exemplo de aprendizado para a melhoria da qualidade e segurança ocorreu no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Uma paciente internada devido a fortes dores na coluna teve complicações durante o tratamento e veio a falecer. Unidos, família e o hospital criaram um conselho formado por pacientes, familiares e equipe hospitalar, para tornar a comunicação mais efetiva. A experiência fez com que pacientes ajudassem a criar novos protocolos de segurança. A adoção do Código H, para reduzir riscos no tratamento de pessoas com sangramentos e hemorragias, por exemplo, auxiliou diretamente para o sucesso de três complexos casos.
Para se alcançar essa maturidade, é necessário mudar o paradigma existente. A começar pelo propósito maior: o paciente. O cuidado precisa deixar de ser centrado no médico e passar a ser voltado para o paciente. É ele a razão do trabalho de todos os profissionais da saúde, que têm como foco universal o bem estar e a vida humana. Passa também pelo descrédito de uma cultura voltada para o desempenho individual e pela promoção de uma cultura colaborativa que valoriza a equipe multiprofissional. Nesse novo modelo do cuidado, a comunicação entre os personagens é fundamental e o paciente deve ter voz e participar ativamente do seu plano de cuidado. As decisões precisam ser evidenciadas, debatidas e tomadas conjuntamente. Só assim, de forma transparente e madura, debatendo sobre erros e acertos é que teremos uma saúde melhor.
*Maria Manuela Alves dos Santos é médica especialista em Saúde Pública e Administração Pública e Mestre em Acreditação; superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação, parceiro brasileiro associado à Joint Commission International, maior agência avaliadora da qualidade de serviço de saúde do mundo.
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