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Na enfermagem, excesso de trabalho entre profissionais aumenta em 40% o risco de morte de pacientes

Na enfermagem, excesso de trabalho entre profissionais aumenta em 40% o risco de morte de pacientes
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Enfermeira em serviço: excesso de trabalho é atribuído ao dimensionamento insuficiente de profissionais e à falta de recursos (Dolgachov/Bigstock)
Enfermeira em serviço: excesso de trabalho é atribuído ao dimensionamento insuficiente de profissionais e à falta de recursos (Dolgachov/Bigstock)

Marcela Buscato

A NOVIDADE – Cargas de trabalho de profissionais da enfermagem acima do nível considerado adequado podem aumentar em 40% o risco de um paciente morrer. A conclusão é de um novo estudo, realizado em quatro hospitais da Finlândia e publicado em abril na revista científica BMJ Open. As chances da ocorrência de incidentes de segurança e eventos adversos também crescem, entre 8% e 34%. No Brasil, um resultado semelhante foi coletado em 2009 em unidades de terapia intensiva (UTIs) paulistanas (4). Em 399 internações, 98,75%  registraram incidentes de segurança e eventos adversos. Quase 80% estavam relacionados à esfera da enfermagem – e a sobrecarga era um fator em comum.

O CONTEXTO – A sobrecarga de trabalho da enfermagem não acontece exclusivamente pelo excesso de horas de trabalho. Um levantamento realizado no interior de São Paulo aponta que 57% dos profissionais atribuem seu estresse às condições de trabalho (carga horária excessiva, falta de funcionários e de recursos materiais e falta de suporte profissional e emocional). Também é preciso considerar que as atividades exigem intensamente habilidades emocionais e cognitivas, que contribuem para o desgaste dos profissionais.

A PRÁTICA – No Brasil, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) regulamenta o dimensionamento da enfermagem. No ano passado, as diretrizes foram atualizadas e preveem o número de profissionais – entre técnicos e enfermeiros – necessários por paciente, de acordo com a intensidade e o tipo de cuidados exigidos. O documento do Cofen demonstra como fazer o cálculo. Mas nem sempre essas regras são respeitadas. É possível estimar o tamanho da sobrecarga de trabalho, especialmente para profissionais que atuam em UTI, usando uma ferramenta científica, chamada Nursing Activities Score (NAS). Uma pontuação é atribuída a atividades que fazem parte do cotidiano dos profissionais de enfermagem (conheça a tabela do NAS). O somatório dos pontos atribuídos a cada item expressa em porcentagem o tempo gasto por enfermeiro, por turno, na assistência direta ao paciente.

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Leia mais detalhes na reportagem a seguir:

Um novo estudo aponta uma ligação direta entre a sobrecarga de trabalho da enfermagem e a ocorrência de eventos adversos. O levantamento de pesquisadores finlandeses mostrou que cargas de trabalho acima do nível considerado adequado podem elevar entre 8% e 34% a ocorrência de incidentes. As chances de um paciente morrer sobem para 40%. Quando a carga de trabalho é reduzida, o risco de incidentes e mortes é até 27% menor (1). “Isso significa que os profissionais têm mais tempo para observar e cuidar de cada paciente, o que pode reduzir o risco de eventos adversos e prevenir a deterioração das condições de saúde”, escreveram os autores do estudo, publicado na revista científica BMJ Open e conduzido pela pesquisadora Lisbeth Fagerström, atual reitora da Abo Akademi, uma universidade na cidade de Turku, na Finlândia.

A relação entre sobrecarga de trabalho de enfermeiros e a ocorrência de eventos adversos é por vezes controversa. No estudo atual, para aumentar a confiabilidade dos resultados, a equipe de Lisbeth analisou diariamente, por um ano, as tarefas que cabiam à enfermagem de 36 departamentos de quatro hospitais finlandeses, além do nível de atenção e cuidados que exigiam. Então, chegaram à carga de trabalho diária e cruzaram com os incidentes de segurança reportados no sistema nacional de segurança do paciente. Esse tipo de análise é mais preciso do que cruzar os incidentes com a razão entre o número de pacientes e o de profissionais de enfermagem.

O novo estudo não é o primeiro a encontrar esse tipo de ligação. Outra pesquisa, da qual Lisbeth também participou, publicada em 2016, mostrou que a mortalidade era 13 vezes maior quando a carga de trabalho diária estava acima do ideal do que quando estava abaixo (2). Nos Estados Unidos, o médico e pesquisador americano Joel S. Weissman, do Instituto de Políticas de Saúde do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, constatou que um aumento de 0,1% na razão paciente/enfermeiro levou a um crescimento de 28% na taxa de eventos adversos (3).  O levantamento foi publicado em 2007.

No Brasil, um resultado semelhante foi coletado em 2009 em unidades de terapia intensiva (UTIs) paulistanas (4). Em 399 internações, 98,75% sofreram incidentes (sem danos) e/ou com eventos adversos (quando há um dano). Quase 80% estavam relacionados à esfera da enfermagem. “Essas ocorrências foram atribuídas à sobrecarga de trabalho, aumentaram o número de dias de internação e o risco de óbito dos pacientes estudados”, escreveram os autores do estudo, realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e no Hospital Universitário, ambos da Universidade de São Paulo (USP), entre maio e agosto de 2009. Os pacientes que passaram por eventos adversos eram atendidos por equipes que tinham a sobrecarga de trabalho mais elevada do que aquelas que cuidavam dos pacientes que não sofreram eventos adversos. “É fundamental que os gerentes de enfermagem atuem no processo de gestão de pessoas no âmbito hospitalar, evitando a sobrecarga de trabalho e proporcionando, consequentemente, aumento da segurança do paciente”, afirmaram os autores do levantamento, então alunos do programa de pós-graduação em Gestão em Sistemas de Saúde da Universidade Nove de Julho, em São Paulo.

A sobrecarga de trabalho da enfermagem não acontece exclusivamente pelo excesso de horas de trabalho. Este é um fator importante, mas também é preciso considerar que as atividades exigem intensamente habilidades emocionais e cognitivas, que contribuem para o estresse entre os profissionais. Foi esse cenário que pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da USP, encontraram entre 310 profissionais de um hospital de grande porte do interior do Estado de São Paulo, no segundo semestre de 2012 (5). A maioria (57%) afirmou que a maior fonte de estresse vinha das condições de trabalho (carga horária excessiva, falta de funcionários e de recursos materiais e falta de suporte profissional e emocional); 27% atribuíram a dificuldades de relacionamento no ambiente de trabalho. “Como há muitos profissionais no mercado, alguns precisam se submeter a ambientes de trabalho que favorecem eventos adversos”, afirma a enfermeira Carla Teixeira, uma das autoras do estudo, atualmente professora dos cursos de medicina e enfermagem da Universidade Ceuma, em Imperatriz (MA). “Não é só a carga de trabalho, hoje maior porque se somam demandas da tecnologia, mas também as condições do ambiente.”

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) atualizou no ano passado, pela resolução 543, o dimensionamento de pessoal necessário por cada paciente, de acordo com o tipo de atendimento(6):

    • Assistência mínima ou autocuidado – cuidados a pacientes estáveis sob o ponto de vista clínico e de enfermagem, mas fisicamente autosuficientes quanto às necessidades humanas básicas
      Dimensionamento – 4 horas de enfermagem por paciente e 1 profissional para cada 6 pacientes
    • Assistência intermediária – cuidados a pacientes estáveis sob o ponto de vista clínico e de enfermagem, com parcial dependência de ações de enfermagem para o atendimento das necessidades humanas básicas
      Dimensionamento – 6 horas por paciente e 1 profissional para cada 4 pacientes
    • Assistência de alta dependência – paciente crônico, incluindo o de cuidado paliativo, estável sob o ponto de vista clínico, porém, com total dependência das ações de enfermagem para o atendimento das necessidades humanas básicas
      Dimensionamento – 10 horas por paciente e 1 profissional para cada 2,4 pacientes
    • Assistência semi-intensiva – cuidados a pacientes crônicos, estáveis sob o ponto de vista clínico, porém, com total dependência de ações de enfermagem quanto ao atendimento das necessidades humanas básicas
      Dimensionamento – 10 horas por paciente e 1 profissional para cada 2,4 pacientes
    • Assistência intensiva – pacientes graves, com risco iminente de vida, sujeitos à instabilidade de sinais, que requeiram assistência de enfermagem permanente e especializada
      Dimensionamento – 18 horas para cada paciente e 1 profissional para cada 1,33 pacientes

    No dia a dia, nem sempre essa distribuição de trabalho é respeitada. “Há hospitais que seguem suas próprias diretrizes”, afirma a enfermeira Heloísa Helena Oliveira da Silva, integrante do Cofen em Natal (RN). “Além disso, há a falta de investimento dos hospitais em recursos de gestão, em insumos, o que contribuiu para o estresse no trabalho”, afirma Heloísa. “O Cofen faz fiscalizações para garantir que os padrões de dimensionamento de enfermagem, definidos pela entidade, sejam respeitados.” Na resolução 543 há em detalhes os parâmetros para diferentes contextos. O documento do Cofen ensina como fazer o cálculo.

    Um estudo com 40 pacientes feito em Natal (RN), em 2014, sugere que mesmo em instituições com menos leitos, em um breve espaço de tempo, é possível observar a sobrecarga na enfermagem. O levantamento analisou a carga de trabalho dos profissionais de uma UTI para adultos, com oito leitos, durante três meses. Para cada paciente, cada enfermeiro gastava cerca de 70% do seu tempo. “Conclui-se que um profissional poderia cuidar integralmente apenas de um único paciente”, escrevem os autores do estudo, publicado no ano passado (7).

    Definir o nível ideal de trabalho para um enfermeiro é um desafio que já foi estudado por diversos pesquisadores. No Brasil, o instrumento mais usado para calcular a carga de trabalho, especialmente nas UTIs, é o Nursing Activities Score (NAS), traduzido e validado para a realidade brasileira em 2009 (8). Ele pode ser um bom parâmetro para descobrir, cientificamente, se há sobrecarga de trabalho – e o tamanho dela. O NAS calcula a porcentagem de tempo que cada profissional de enfermagem gasta para cuidar de um paciente em 24 horas. A somatória de pontos atribuídos a diferentes atividades e contextos expressa, em porcentagem, o tempo gasto por enfermeiro, por turno, na assistência direta ao paciente. A tabela com o score das atividades pode ser encontrada no estudo de validação para o português.

    SAIBA MAIS

    (1) Fagerström L, Kinnunen M, Saarela J. Nursing workload, patient safety incidents and mortality: an observational study from Finland. BMJ Open. 2018;8:e016367. doi: 10.1136/bmjopen-2017-016367

    (2) Junttila JK, Koivu A, Fagerström L, et al. Hospital mortality and optimality of nursing workload: A study on the predictive validity of the RAFAELA Nursing Intensity and Staffing system. Int J Nurs Stud. 2016;60:46–53

    (3) Weissman JS, Rothschild JM, Bendavid E, Sprivulis P, Cook EF, Evans RS, et al. Hospital workload and adverse events. Med Care. 2007;45(5):448-55.

    (4) Novaretti, Marcia Cristina Zago, Santos, Edzangela de Vasconcelos, Quitério, Ligia Maria, & Daud-Gallotti, Renata Mahfuz. Sobrecarga de trabalho da Enfermagem e incidentes e eventos adversos em pacientes internados em UTI. Revista Brasileira de Enfermagem. 2014.67(5), 692-699. https://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670504

    (5) Pereira, Sandra de Souza, Teixeira, Carla Araujo Bastos, Reisdorfer, Emilene, Vieira, Mariana Verderoce, Gherardi-Donato, Edilaine Cristina da Silva, & Cardoso, Lucilene. (2016). A relação entre estressores ocupacionais e estratégias de enfrentamento em profissionais de nível técnico de enfermagem. Texto & Contexto – Enfermagem, 25(4), e2920014. Epub December 22, 2016.

    (6) Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução n. 543 de 2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o dimensionamento do quadro de profissionais de enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem.

    (7) Ferreira PC, Machado RC, Martins QCS, Sampaio SF. Classificação de pacientes e carga de trabalho de enfermagem em terapia intensiva: comparação entre instrumentos. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(2):e62782.

    (8) Queijo, Alda Ferreira, & Padilha, Kátia Grillo. (2009). Nursing Activities Score (NAS): adaptação transcultural e validação para a língua portuguesa. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 43(spe), 1018-1025.

 

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