Uma das ações que auxilia a análise de falhas latentes no sistema de saúde é a notificação voluntária dos erros, atividade também atribuída às equipes de enfermagem. Porém, mesmo que a importância desses relatos seja altamente percebida, ainda há muita dificuldade em garantir uma boa adesão e a subnotificação é realidade. Tanto que alguns estudos sugerem que de 50% a 96% das falhas deixam de ser declaradas.
A fim de compreender melhor esse cenário, uma revisão integrativa da literatura (1) observou as experiências dos enfermeiros quanto à notificação voluntária de erros. Para isso, utilizou quatro bancos de dados avaliando publicações de uma década. Ao final de todo o processo de seleção, foram elencados 31 estudos e as experiências dos enfermeiros foram segmentadas em três temas principais:
- Crenças, comportamento e sentimento
- Fatores facilitadores
- Fatores inibidores
Entre os achados, destacamos nove pontos:
- Quatro estudos compararam a frequência da notificação entre enfermeiros e médicos, observando que os enfermeiros geralmente notificavam mais erros.
- Aproximadamente metade dos nove estudos quantitativos indicaram que mais de 50% dos enfermeiros não relatavam erros.
- Em muitos casos, as equipes de enfermagem enxergam o relato de erros como uma responsabilidade de sua profissão atrelada à segurança do paciente.
- Alguns estudos indicaram que a sobrecarga de trabalho tanto pela alta demanda assistencial quanto pelos deveres administrativos colocava o relato de erros em segundo plano na lista de afazeres da enfermagem.
- A gravidade do erro influencia a decisão da enfermagem sobre relatar ou não, sendo que aqueles mais graves têm mais chances de serem notificados.
- Estudos mostraram que, ao optar por notificar um erro, enfermeiros sentiam arrependimento, medo e inquietação; porém a decisão de não relatar também gerava ansiedade.
- Há certa relutância dos enfermeiros em relatar erros cometidos pelos colegas de trabalho por acharem que esses colegas enxergariam a notificação como uma sabotagem.
- Entre os fatores que facilitariam a notificação estavam: conhecimento sobre o tema, recursos para o relato, apoio das lideranças, oportunidade de debater o assunto com o time, ambiente de trabalho seguro, cultura justa e não punitiva, sensação de responsabilização pelos seus atos, confiança na organização e possibilidade de aprender com os erros.
- Entre os fatores inibidores estavam: processos complicados para a notificação, falta de garantia quanto ao anonimato da notificação, falta de feedback da supervisão, falta de ação com base nos erros relatados, medo de ser culpado pelos colegas e medo de repercussões punitivas.
Por fim, a revisão traz uma discussão de que, no geral, a experiência dos enfermeiros quanto à notificação voluntária de erros está aquém da ideal. Processo vital para a construção de uma assistência segura, a compreensão de onde estão ocorrendo as falhas depende prioritariamente desses relatos. Porém, fatores que influenciam as atitudes, percepções, emoções e práticas dos enfermeiros levam à uma experiência negativa desencorajadora. E esses fatores são sustentados também por questões relativas aos sistemas administrativo e organizacional que, muitas vezes, se concentram em atribuir o erro ao profissional.
“Os dados trazidos por esta publicação são comuns à maioria das organizações de saúde, onde já há sistema de notificação implementado, mas ainda não há um ambiente de segurança psicológica consolidado. Isso mostra que a liderança ainda não é capaz de manejar essas situações de forma a consolidar uma cultura justa restaurativa”, afirma o diretor científico do IBSP, Lucas Zambon.
Dessa forma, o estudo sugere a necessidade de melhorar a percepção das equipes de enfermagem quanto a notificação voluntária ao modificar a forma de atuação das lideranças para que elas possam investir na cultura de segurança do paciente agindo com transparência, dando tranquilidade e incentivando as equipes a fazerem seus relatos de forma rotineira.
Referências:
(1) Nurses’ experiences in voluntary error reporting: An integrative literature review
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