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Nova definição de sepse pode prejudicar diagnóstico no Brasil

Nova definição de sepse pode prejudicar diagnóstico no Brasil
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Entenda como funcionam os novos critérios que definem inflamação, sepse e choque séptico

 

Polêmica na nova definição

Desenvolvido pela Society of Critical Care Medicine e a European Society of Intensive Care Medicine, o “Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3)” é o mais novo consenso internacional sobre critérios diagnósticos para sepse e choque séptico. A medida foi tomada para reorganizar os conceitos de inflamação, sepse e choque séptico, seguidos desde 1992 sem atualização.

No entanto, a medida dividiu opiniões e, principalmente em países menos desenvolvidos, tem causado preocupação de especialistas. Em entrevista exclusiva ao IBSP, o Dr. Reinaldo Salomão, professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), explica que mudanças foram feitas e qual impacto deve ter na rotina do profissional envolvido em diagnóstico de sepse.

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IBSP – Como eram as determinações de diagnóstico antes da mudança?
Reinaldo Salomão – Tínhamos até agora o diagnóstico de infecção, sepse, sepse grave e choque séptico. E para definir sepse, a gente teria uma situação com presença de infecção e alguns sinais de resposta inflamatória sistêmica. Na verdade, sepse seria essa resposta inflamatória sistêmica, ou síndrome da resposta inflamatória sistêmica, desencadeada por infecção.

Esse conceito foi estabelecido em 1992 pelas mesmas sociedades científicas que reviram esses conceitos. Nós tínhamos uma noção, naquela ocasião, muito clara de que a gravidade do paciente dependia muito da própria resposta imune dele diante da infecção. Como a mortalidade da sepse era muito alta, fez-se uma opção de caracterizar a sepse com alguns sinais, algumas manifestações, que permitissem o diagnóstico e, portanto, o tratamento, logo no início do processo. Então, o que a gente tinha como conceito de sepse ficou um conceito bastante sensível para diagnosticar esse doente potencialmente difícil.

IBSP – Por que a mudança foi necessária?
Reinaldo – A crítica que se fez ao longo desses últimos anos é que a diferença entre infecção e sepse praticamente não existia. Efetivamente, um paciente com infecção renal, uma pneumonia, uma celulite, ele praticamente preencheria esses critérios que nós adotamos como sepse. Então, isso vem causando ao longo dos últimos anos uma certa confusão entre o que é infecção e o que é sepse. Nesse conceito que nós tínhamos até agora, o objetivo era criar o alerta com sepse para que, particularmente, os doentes que tinham ou evoluíssem para sepse grave tivessem uma intervenção precoce, disponibilidade de leitos etc.

A sepse grave seria um doente com sepse e que tivesse alguma manifestação de disfunção orgânica. Com isso, a própria sepse tinha uma gravidade muito intermediária. O objetivo era diagnosticar precocemente, intervir e salvar vidas. Mas o efeito não desejado que acabou acontecendo é que, efetivamente, a distinção com infecção era relativamente difícil, os dois conceitos se superpunham.
Funcionou durante todos esses anos, mas a crítica que se fazia é que nós acabávamos, de uma certa forma, ao querer esse diagnóstico precoce, induzindo uma supervalorização do diagnóstico. Então, ao chamar os pacientes com uma infecção órgão-específica de pacientes sépticos, acabava muitas vezes desencadeando uma série de ações que, efetivamente, estavam mais adequadas ao doente com sepse grave. Isso dava essa margem de confusão e de supervalorização de diagnóstico de sepse principalmente em países com mais sistemas mais avançados de diagnósticos e acesso.

IBSP – Quais mudanças o novo conceito traz efetivamente?
Reinaldo – Essa mudança atual de conceito atende duas demandas. Na primeira, aquele conceito inicial como síndrome da resposta inflamatória sistêmica desencadeado por infecção, como o próprio nome está dizendo, ele atribui à inflamação o dano que acontece com o paciente séptico. E hoje nós sabemos que, nesse paciente, pode haver inflamação, comprometimento da inflamação, pode até estar em estado de imunossupressão do paciente séptico. Então, a primeira atualização do conceito é considerar que sepse seria uma manifestação grave da infecção com risco de vida para o paciente levado por uma resposta imunológica desregulada. Isso atualiza para a situação de que não é só a inflamação que pode levar ao dano que está acontecendo ao paciente.

O segundo conceito que muda é que o termo sepse deveria realmente reconhecer indivíduos que tivessem uma gravidade muito maior, um risco muito maior de morrer do que um indivíduo só com infecção órgão-específica. Eles colocaram que para um indivíduo ter sepse ele já teria de apresentar disfunção orgânica. Então, praticamente avança no que antes era o conceito de sepse grave. Com isso, a sepse acaba cobrindo o que antes era restrito à sepse grave. Agora, passamos a ter a infecção, a sepse e o choque séptico. O objetivo seria criar uma definição que o termo sepse já indique uma gravidade, uma necessidade de intervenção de uma forma mais objetiva do que anteriormente.

IBSP – Quais são os prós e contras da mudança?
Reinaldo – É uma atualização bastante necessária do ponto de vista do conceito, de ter foco no doente com maior risco e as intervenções serem mais facilmente planejadas do ponto de vista institucional.
O problema que nós vemos é que no Brasil há situações que são muitos distintas de países mais desenvolvidos. Para eles, nós acreditamos que essas definições e as consequências possam ser muito adequadas. Eles, hoje, lidam com uma mortalidade por sepse relativamente baixa e que diminuiu nas últimas décadas. Aqui, ainda temos uma mortalidade alta. Um estudo conduzido pelo ILAS (Instituto Latino Americano para Estudos da Sepse) no ano passado, mostrava que um terço dos leitos de UTI no País estavam ocupados por pacientes com sepse e desses pacientes cerca de metade morreu.

Ou seja, enquanto os países desenvolvidos estão falando de cerca de 20% de mortalidade, nós estamos com mortalidade maior do que 50%. E uma das principais causas de aumento da nossa mortalidade é o retardo no diagnóstico do paciente. É como se nós demorássemos mais para reconhecer a síndrome e para tomar as medidas de intervenção. A nossa preocupação com esse novo conceito é que o que se coloca hoje como sinal de reconhecimento da sepse são menos sensíveis do que o que tínhamos na sepse grave anteriormente. A nossa preocupação é que, ao não se utilizar alguns critérios de disfunção orgânica ou mesmo da resposta inflamatória para o diagnóstico de sepse, nós, que já temos um problema de demora, de diagnóstico e prevenção, tenhamos um problema ainda maior.

IBSP – Isso significa que as novas definições podem dificultar o diagnóstico?
Reinaldo – Acho que existe, sim, essa preocupação. Tínhamos uma definição que era muito sensível e acabava detectando até o que não era sepse. Esse é o risco de uma definição muito sensível. A nova definição é mais precisa nesse sentido de que o doente que tem todos os critérios é um doente séptico com risco de morrer. Nesse sentido, ela torna-se mais específica.
A preocupação do ILAS é que como muitas vezes esses eventos ocorrem de forma sequencial que a gente possa, por não ter o critério de sepse, não desencadear as intervenções por uma falta de sensibilidade do critério. Até então, se o indivíduo tinha uma disfunção orgânica, nós caracterizávamos como sepse grave. Hoje precisa ter pelo menos duas pontuações no SOFA.

IBSP – Quais cuidados os profissionais devem ter no cuidado com o paciente diante das novas definições?
Reinaldo – Em todo paciente com infecção, nós médicos e equipe multiprofissional vamos ter que estar muito atentos aos sinais de resposta inflamatória sistêmica, que antes definiam sepse, para compormos diagnóstico de infecção e observamos muito atentamente se esse paciente com infecção exibe manifestações clínicas ou laboratoriais de disfunção orgânica. Isso é fundamental de ser feito.

Certamente, alguns protocolos vão ser desencadeados à medida que o diagnóstico de sepse se estabeleça adequadamente. O outro lado também é verdade: se eu estou com um indivíduo que tem qualquer manifestação de disfunção orgânica e isso não se explica pela doença de base, pelo que o trouxe ao hospital, a busca por um foco infeccioso também deve ser feita. Porque pode ser uma infecção que, até então, passou despercebida. Temos que continuar alertas para o diagnóstico de infecção e presença de disfunção orgânica mesmo que ainda não preencha o critério de sepse da nova definição. Pode ser que em poucas horas ou minutos passe a preencher. Redobrar a atenção e educação nesse sentido.

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