Preveníveis por meio de ações que identificam falhas em processos e fortalecem a segurança dos pacientes nos estabelecimentos de saúde, os “never events” são aqueles eventos adversos que jamais deveriam ocorrer por gerarem dano grave ou mesmo levarem o cidadão à óbito.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebe, desde a publicação da RDC nº 36/2013, notificações sobre todos os eventos adversos ocorridos no território brasileiro. Essas notificações são feitas pelo sistema Notivisa e são fundamentais para que o país consiga observar quais falhas devem ser priorizadas na atuação pela maior segurança do paciente em seus hospitais e clínicas.
Segundo relatório disponibilizado pela Anvisa com as notificações de 2019 (1), os dois eventos adversos graves mais recorrentes no país neste ano, somando 3.123 notificações, estão relacionados a lesões por pressão. Em 2019, foram reconhecidos pelo sistema da agência 2.397 lesões estágio 3 (2), ou seja, quando há perda da pele em sua espessura total na qual a gordura é visível; e 796 lesões estágio 4, quando há perda da pele em sua espessura total e perda tissular com exposição ou palpação direta da fáscia, músculo, tendão, ligamento, cartilagem ou osso.
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Visando reduzir a incidência de lesões por pressão nos estabelecimentos de saúde do Brasil, a Anvisa conta com a nota técnica GVIMS/GGTES nº 03 (3) que, publicada em 2017, orienta as práticas seguras para prevenção destes eventos adversos. Segundo a publicação, entre janeiro de 2014 e julho de 2017, 17,6% dos incidentes notificados corresponderam a lesões por pressão.
Na sequência, ocupando a terceira posição na lista de “never events” notificados em 2019 está a retenção não intencional de corpo estranho em um paciente após a cirurgia. Para esse evento a Anvisa disponibiliza a nota técnica GVIMS/GGTES nº 04 (4), também publicada em 2017, listando as práticas seguras para prevenção deste incidente.
Estudo (5) realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) afirma que a retenção inadvertida de corpos estranhos leva à reoperações em 70% das vezes, chegando a atingir 80% de morbidade e 35% de letalidade, desencadeando, inclusive, altos custos evitáveis para o sistema de saúde.
Entre março e julho de 2012, o estudo avaliou a experiência de cirurgiões brasileiros quanto a esse evento adverso. Ao analisar 2.872 questionários respondidos no experimento, concluiu que 43% dos profissionais já teriam deixado algum corpo estranho no paciente em cirurgias e 73% já teriam removido um corpo estranho em uma ou mais ocasiões. Entre os casos avaliados na pesquisa, 90% dos materiais esquecidos eram têxteis, 78% foram descobertos dentro do primeiro ano e 14% eram assintomáticos.
O quarto evento adverso grave apontado pela Anvisa está diretamente relacionado à suicídio de paciente, tentativa de suicídio ou dano autoinfligido que resulte em lesão séria durante a assistência dentro do serviço de saúde. Este evento adverso tem, inclusive, forte impacto nos profissionais de saúde.
Segundo artigo (6) publicado pela Revista Portuguesa de Saúde Pública, de 242 médicos entrevistados, 64 tiveram pelo menos um paciente que se suicidou, o que resultou em sentimentos como sofrimento emocional, preocupações, dúvidas, medo, frustração, choque e surpresa. Como reflexo do ocorrido, 28% dos profissionais de saúde relataram aumento da insegurança e ansiedade.
Notificações – Todas as instruções sobre o preenchimento de relatórios de eventos adversos, bem como as listas de “never events” consideradas no país, estão descritas no documento Orientações gerais para a notificação de eventos adversos relacionados à assistência à saúde (7), disponibilizado pela Anvisa.
Outros “never events” – A lista de eventos adversos graves notificados em 2019 ainda conta com incidentes como:
- Óbito ou lesão grave de paciente resultante de falha no seguimento ou na comunicação de resultados de exame de radiologia;
- Óbito intra-operatório ou imediatamente pós-operatório / pós-procedimento em paciente ASA Classe 1;
- Procedimento cirúrgico realizado no lado errado do corpo;
- Alta ou liberação de paciente de qualquer idade que seja incapaz de tomar decisões, para outra pessoa não autorizada;
- Realização de cirurgia errada em um paciente;
- Óbito ou lesão grave de paciente associados à queimadura decorrente de qualquer fonte durante a assistência dentro do serviço de saúde;
- Óbito ou lesão grave de paciente associados ao uso de contenção física ou grades da cama durante a assistência dentro do serviço de saúde;
- Procedimento cirúrgico realizado no paciente errado;
- Procedimento cirúrgico realizado em local errado;
- Óbito ou lesão grave de paciente associados a choque elétrico durante a assistência dentro do serviço de saúde;
- Óbito ou lesão grave de paciente associado à fuga do paciente;
- Óbito ou lesão grave de paciente resultante de perda irrecuperável de amostra biológica insubstituível;
- Óbito ou lesão grave materna associados ao trabalho de parto ou parto em gestação de baixo risco;
- Gás errado;
- Inseminação artificial com o esperma do doador errado ou com o óvulo errado.
Referências:
(3) Nota técnica GVIMS/GGTES nº 03
(4) Nota técnica GVIMS/GGTES nº 04
(5) Retenção inadvertida de corpos estranhos após intervenções cirúrgicas. Análise de 4547 casos
(6) Suicídio de um paciente: a experiência de médicos e psicólogos portugueses
(7) Orientações gerais para a notificação de eventos adversos relacionados à assistência à saúde
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