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Critérios para admissão na UTI: falta consenso entre os médicos

Critérios para admissão na UTI: falta consenso entre os médicos
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Em um cenário em que existem poucas vagas em unidades de terapia intensiva (UTIs) – uma realidade comum em muitas cidades brasileiras – saber recomendar com precisão quais pacientes devem ser admitidos é um conhecimento precioso. Mas, a considerar os resultados de um novo estudo, os critérios para admissão de pacientes em UTIs estão longe de ser um consenso entre os médicos (continua).

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Leito de UTI: critérios para admissão, baseados em prioridade, são maneira mais objetiva para decidir elegibilidade (Bigstock)
Leito de UTI: critérios para admissão, baseados em prioridade, são maneira mais objetiva para decidir elegibilidade (Bigstock)

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Pesquisadores americanos, em colaboração com canadenses, descobriram que os médicos não concordam entre si sobre quais critérios para admissão ou quadros clínicos são mais importantes para determinar a necessidade de internação em UTI. Em outras palavras, constataram que a decisão é mais subjetiva do que objetiva. “As estimativas sobre os benefícios dos cuidados em unidade intensiva são amplamente diferentes e influenciadas por fatores não associados à severidade da doença”, escreveram os autores do estudo publicado na Critical Care Medicine, a revista científica da Sociedade de Medicina Intensiva dos Estados Unidos (1). “Isso potencialmente pode resultar em inconsistência na alocação de cuidados intensivos.”

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No estudo, realizado com 1.200 integrantes médicos da associação, os voluntários deveriam responder se encaminhariam o paciente à UTI ou o manteriam na enfermaria em oito situações fictícias. Cada um desses oito quadros tinham variáveis que mudavam aleatoriamente entre participantes. Em um cenário, era uma mulher de 24/45/65/85 anos de idade com pneumonia. Ou um homem de 62 anos, com pnenumonia, internado em um hospital com apenas 1 vaga de UTI / 5 vagas de UTI.

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Ao mudar apenas um dos aspectos da cada situação entre os voluntários da pesquisa, os pesquisadores conseguiram avaliar se eles eram suficientes para impactar a decisão dos médicos – e se os médicos concordavam entre si com a importância do critério para admissão. Em quatro situações, o fator em análise era associado à gravidade do caso (frequência respiratória, necessidade de oxigênio, pressão e nível de consciência) e nas outras quatro não (disponibilidade de leitos na UTI, presença da família, idade, raça).

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O resultado é que houve muita discordância entre as avaliações dos especialistas. Por exemplo, ao considerar o caso hipotético de uma paciente de 80 anos com pneumonia, frequência respiratória de 30, que requeria 6 LPM de oxigênio, 18% dos médicos afirmaram que, certamente, ela se beneficiaria da UTI enquanto um número praticamente idêntico – 17% – considerou que certamente seria o caso de ela ficar internada na enfermaria.

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Algumas tendências nos resultados: aumento de frequência respiratória e pressão eram associadas a maior benefício da UTI, assim como pacientes com confusão mental em vez de pacientes sãos. Os médicos também se impressionavam mais com a disponibilidade de uma vaga na UTI do que cinco: recomendavam mais a internação sempre em que a situação citava a existência de apenas uma única vaga (parece mais o caso de algum gatilho cognitivo/emocional frente à escassez). Contrariando o pensamento inicial dos pesquisadores, os médicos não se deixaram pressionar pela presença de familiares. Indicavam mais UTI quando não havia ninguém da família presente. “Talvez, os médicos pensem que ter um familiar por perto pode fornecer cuidado extra”, escreveram os pesquisadores. Outra tendência dos resultados vai na contramão das vertentes mais atualizadas. Os médicos eram mais propensos a indicar UTI quando os pacientes eram mais velhos do que jovens, sendo que muitas diretrizes sugerem prioridade a pacientes com mais chances de recuperar a qualidade de vida anterior à internação.

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A falta de consenso sobre critérios para admissão em UTI foi atribuída pelos pesquisadores à ausência de métodos e estudos que permitam estimar os benefícios dos cuidados intensivos. No Brasil, a dificuldade de escolher quem deve ocupar os poucos leitos existentes assume contornos dramáticos. Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgado em junho, mostra que, no Brasil, há 45 mil leitos em unidades intensivas: 51% alocados na rede privada, que atende a 23% da população. Os outros 49%, destinados à maior parte da população, ficam no Sistema Único de Saúde (SUS) (2)

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Para criar critérios para admissão objetivos, o Ministério da Saúde publicou em 31 de março do ano passado a portaria Nº 895 que institui parâmetros de elegibilidade para admissão e alta de UTIs dentro do SUS (3). Em 2016, o CFM já havia seguido por caminho semelhante, ao publicar a resolução Nº 2.156, que determina critérios para admissão e alta que devem ser seguidos por médicos de todo o país (4). A resolução do CFM destaca seis níveis de prioridade de internação em UTI:

  • Prioridade 1 – Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico;
  • Prioridade 2 – Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico;
  • Prioridade 3 – Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica;
  • Prioridade 4 – Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica;
  • Prioridade 5 – Pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. Em geral, esses pacientes não são apropriados para admissão na UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos). No entanto, seu ingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista.

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Na ausência de metodologias que consigam medir os benefícios dos cuidados intensivos, sistemas baseados em prioridade parecem até agora fornecer os melhores critérios para admissão na UTI. Em um estudo feito em São Paulo, em 2010, antes da publicação de critérios pelo CFM e pelo Ministério da Saúde, a atribuição de critérios de prioridade aos pacientes pelos pesquisadores coincidiu com o desfecho clínico dos casos (5).

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Os autores, residentes e funcionários do Hospital do Servidor Público Estadual, classificaram os pacientes segundo critérios de admissão elaborados pela Sociedade Americana de Terapia Intensiva (SCCM) (6). No grupo 1, estavam pacientes gravemente doentes, instáveis, necessitando de monitorização e tratamento intensivo, com chances significativas de recuperação; no grupo 2 foram, os pacientes sem instabilidade, mas que necessitassem de monitorização intensiva pela possibilidade de descompensação; no grupo 3 os pacientes estavam instáveis, com baixa probabilidade de recuperação por conta da gravidade da doença aguda ou presença de comorbidades; no grupo, os pacientes apresentavam antecipadamente pouco ou nenhum benefício com a internação na UTI.

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Os pesquisadores perceberam que os pacientes dos grupos 3 e 4 eram os que tinham maior mortalidade quando eram internados na UTI. E os pacientes do grupo 1 e 2 eram os que mostravam mais ter se beneficiado dos cuidados intensivos. “Os pacientes recusados para admissão na UTI apresentam taxa de mortalidade elevada e esta taxa permanece alta entre pacientes prioridades 3 e 4, mesmo quando estes são admitidos na UTI”, escreveram os autores. “Critérios objetivos, pautados em níveis de prioridades, parecem ser eficientes na triagem de pacientes que terão maiores benefícios do suporte de terapia intensiva, melhorando a utilização dos recursos disponíveis.”

SAIBA MAIS

(1) Valley TS et al. Estimating ICU Benefit: A Randomized Study of Physicians. Crit Care Med. 2018 Oct 9. doi: 10.1097/CCM.0000000000003473.

(2) Brasil. Conselho Federal de Medicina. Serviço só existe em 10% das cidades. Jornal Medicina. Ed 280. Jun/2018

(3) Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 895 de 31 de março de 2017. Institui o cuidado progressivo ao paciente crítico ou grave com os critérios de elegibilidade para admissão e alta, de classificação e de habilitação de leitos de Terapia Intensiva Adulto, Pediátrico, Unidade Coronariana, Queimados e Cuidados Intermediários Adulto e Pediátrico no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

(4) Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução Nº 2.156/2016. Estabelece os critérios de admissão e alta em unidade de terapia intensiva (2016)

(5) Caldeira, Vanessa Maria Horta, Silva Júnior, João Manoel, Oliveira, Amanda Maria Ribas Rosa de, Rezende, Seyna, Araújo, Leonardo Atem Golçalves de, Santana, Marcus Ribeiro de Oliveira, Amendola, Cristina Prata, & Rezende, Ederlon. (2010). Critérios para admissão de pacientes na unidade de terapia intensiva e mortalidade. Revista da Associação Médica Brasileira, 56(5), 528-534. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302010000500012

(6) Task Force of the American Colllege of Critical Care Medcine. Guidelines for intensive care unit admission, discharge, and triage. Crit Care Med, 1999; 27:633-8.

 

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