A médica do ICESP e do Hospital Santa Catarina Maria Perez Soares acredita que conviver com pacientes em cuidados paliativos muda o jeito de encarar a própria vida
Tudo pode começar com a comunicação de uma má notícia. E comunicar uma má notícia nunca é fácil. “Com estudo, treinamento e prática fica menos difícil, mas nunca é algo agradável”, diz a média Maria Perez Soares, que atua no ICESP e no Hospital Santa Catarina. Segundo ela, uma má notícia é irá mudar como a vida da pessoa irá se desenrolar dali em diante, sendo algo de grande impacto.
“Ter isso em mente é um dos pontos para se caminhar em direção a uma comunicação mais adequada. Ao percebermos o impacto do diagnóstico que iremos revelar, iniciamos o processo de empatia tão fundamental à comunicação e ao cuidado”, diz a especialista em cuidados paliativos.
Confira, a seguir, a entrevista exclusiva de Maria Perez Soares ao Portal IBSP.
IBSP – Qual o impacto na vida do médico de lidar diariamente com o sofrimento do paciente, principalmente em cuidados paliativos?
Maria Perez Soares – Conviver com pacientes em cuidados paliativos mudou o meu jeito de encarar a minha própria vida. Ao cuidarmos de pacientes com doenças avançadas, escutamos os seus arrependimentos, seus orgulhos, percebemos as perdas que tiveram ao longo da trajetória de adoecimento e isso nos faz pensar sobre a nossa própria vida. Passei a perceber de maneira mais consciente e a valorizar coisas simples, como o prazer de tomar um banho no chuveiro, de comer algo gostoso, a me preocupar em reservar momentos para estar com a minha família. Guimarães Rosa disse que “felicidade se acha é em horinhas de descuido”, acredito que cuidar de pacientes em fim de vida me fez tomar consciência desses momentos e desfrutá-los de maneira mais presente.
IBSP – Mas como você faz para se manter forte para atender estes pacientes?
Maria Perez Soares – Outro ponto importante para ter em mente neste contexto é o que profissional precisa reservar momentos para recarregar a sua própria bateria. Ao cuidar de pacientes em sofrimento, escutamos e convivemos com muita tristeza e, diversas vezes, emprestamos força. Perceber o que nos faz bem e reservar momentos para este autocuidado é fundamental para que o profissional não entre em burnout.
IBSP – Comunicar más notícias não está no rol das coisas simples da medicina. Como o médico deve proceder?
Maria Perez Soares – Um dos pontos fundamentais para ter em mente ao comunicar uma má notícia é o tempo do outro. Uma primeira preocupação deve ser se aquele é um momento adequado para esta comunicação e se o paciente gostaria de ter alguém junto dele. No momento seguinte em que a comunicação da má notícia acontece, devemos ficar em silêncio e esperar para ver como o paciente vai reagir, quais as preocupações e dúvidas que ele terá, qual a emoção que aquela notícia despertará para podermos acolhê-lo de maneira adequada, pare respondermos às suas demandas e não despejarmos uma pauta que é nossa e não dele. Uma atitude empática não faz com que a emoção desencadeada desapareça, mas dá uma dimensão humana à conversa e permite que o paciente se sinta mais seguro de que o profissional está ali realmente para cuidar dele e não apenas da sua doença.
IBSP – ‘Quanto tempo de vida eu tenho?’ pode ser uma das perguntas mais complicadas de responder ao paciente. Quais suas dicas para discutir o prognóstico de um paciente terminal?
Maria Perez Soares – Uma das premissas para o compartilhamento de informações sobre prognóstico é entender o que e como o paciente quer saber. Alguns pacientes querem saber as informações em detalhes, outros preferem saber pontos fundamentais e alguns preferem que se converse com a família. Perguntar ao paciente como ele gostaria de lidar com as informações é um primeiro ponto. Outra questão fundamental a ser levada em conta é o que o paciente quer saber.
A pergunta ‘quanto tempo de vida eu tenho?’, muitas vezes, é um pedido de socorro e não necessariamente um questionamento de quantidade de tempo. Ao ouvirmos uma pergunta como esta é sempre interessante perguntar para o paciente por que ele está perguntado isso, o que está lhe preocupando. Ao fazermos isso, descobrimos que a preocupação do paciente é outra e devemos responder as demandas que ele apresenta.
No entanto, alguns pacientes que fazem essa pergunta realmente querem saber quanto tempo de vida tem para poderem tomar providencias tanto do ponto de vista emocional quanto de ordem logística, como organização de testamentos, venda de bens e afins. Para estes pacientes, acredito ser importante termos uma conversa franca sobre o tempo de sobrevida.
Costumo deixar claro que qualquer previsão que seja dada pode errar tanto para mais quanto para menos, que não conseguimos dizer um número preciso, pois existem muitas variáveis envolvidas. No entanto, é possível passar para o paciente uma noção de tempo dizendo se estamos falando em dias, em semanas ou em meses.
IBSP – Em tratamentos oncológicos, como incluir os desejos e valores do paciente nas decisões terapêuticas?
Maria Perez Soares – A escuta é um ponto fundamental para conhecermos o paciente. Devemos perguntar sobre sua história de vida, sobre os seus valores, conhecer a pessoa e sua biografia. Explicar as opções terapêuticas de forma que o paciente realmente compreenda os riscos e benefícios envolvidos em cada uma delas. A meu ver, conhecer o paciente e comunicar de forma clara e compassiva é o caminho para que as tomadas de decisão sejam feitas realmente de maneira compartilhada.
IBSP – Neste II Simpósio do IBSP, você irá abordar o tema “Empatia”, passando por seu significado, desenvolvimento e prática. Conte-nos um pouco sobre este trabalho.
Maria Perez Soares – Ao ser empático, o profissional pode perceber questões além do puramente técnico envolvidas no cuidado ao doente. Ao entrar em contato com o sofrimento do paciente, temos mais condições de auxiliá-lo. No entanto, conviver com o sofrimento tem impacto na vida pessoal do profissional. Caso seja possível lidar com isso de maneira “saudável” podemos nos tornar melhores pessoas e não apenas melhores profissionais.
Entretanto, lidar com sofrimento também pode ter um impacto negativo na vida profissional, gerando desgaste emocional e, eventualmente, burnout. Durante o II Simpósio IBSP & ONA, planejo aprofundar essa reflexão sobre empatia, o sofrimento do outro e o nosso.
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