A enfermagem brasileira tem papel fundamental na prevenção da ocorrência de hipotermia perioperatória
Em entrevista exclusiva ao Portal IBSP, a professora doutora Vanessa de Brito Poveda da EEUSP, que é formada em enfermagem, aborda temas relacionados ao papel da enfermagem durante o processo operatório.
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IBSP – A equipe de enfermagem tem papel fundamental na prevenção da hipotermia no paciente cirúrgico para o controle e a prevenção de complicações? Por quê?
Vanessa de Brito Poveda – Sim. A enfermagem brasileira precisa assumir seu papel fundamental na prevenção da ocorrência de hipotermia perioperatória. O enfermeiro acompanha o paciente em todo o período perioperatório, podendo com antecipação determinar os fatores de risco individuais apresentados pelo paciente, quais as melhores medidas preventivas e formas de acompanhamento do paciente. Com isso, poderá prevenir ou reduzir a gravidade da hipotermia perioperatória, reduzindo a morbidade associada à ocorrência da hipotermia e também aumentando a satisfação do paciente em relação ao cuidado recebido.
IBSP – A infecção de sítio cirúrgico (ISC) é uma das complicações mais importantes de ser evitada? Qual a relação do controle da hipotermia para a prevenção da infecção de sítio cirúrgico?
Vanessa – A hipotermia gera diversas complicações orgânicas para o paciente cirúrgico como arritmias, tremores, sangramento, aumento da necessidade de transfusão, ISC e etc. A ocorrência destas complicações acaba por retardar a recuperação do paciente, o que impacta em aumento dos custos de cuidado à saúde, além de afastá-lo por maior tempo de sua família, trabalho e sociedade, gerando, assim, impactos econômicos e emocionais muito importantes. Portanto, é difícil afirmar qual complicação será mais importante, pois isso dependerá do estado clínico do paciente. No entanto, cabe destacar também que devemos pensar na percepção que o paciente tem de sua complicação, sentir tremores e frio no pós-operatório é considerado por muitos pacientes como uma das coisas mais desagradáveis de toda a experiência cirúrgica.
Mas, falando sobre a ISC e hipotermia especificamente, diversos estudos afirmam que manter a normotermia do paciente, ou seja, a temperatura entre 35ºC – 36ºC reduz a ocorrência de casos de infecção do sítio cirúrgico. Dessa forma, é válido afirmar que a hipotermia aumenta o risco do paciente desenvolver ISC, quanto mais severa mais grave a infecção. Por isso, diversos guias internacionais atuais indicam que a prevenção de hipotermia, com manutenção da normotermia, deve ser uma meta dentre as medidas preventivas de ISC.
IBSP – Principalmente na cirurgia demorada, a hipotermia ocorre por causa da exposição do paciente a baixa temperatura da sala de cirurgia?
Vanessa – A ocorrência da hipotermia é multifatorial, entre eles a idade do paciente, o sexo, índice de massa corporal e doenças pré-existentes, por exemplo, podem interferir na maior susceptibilidade do paciente para a ocorrência de hipotermia, mas podemos afirmar que um dos fatores mais importantes para que o paciente desenvolva hipotermia é realmente sua exposição ao frio por um longo período de tempo. É válido relembrar que o paciente cirúrgico fica exposto à baixa temperatura do ambiente cirúrgico, sem roupas, por um período prolongado de tempo e não apenas durante o procedimento anestésico-cirúrgico propriamente dito, ou seja, sua exposição ao frio começa na recepção do Centro cirúrgico, continua na sala cirúrgica, onde frequentemente o ar condicionado fica ajustado entre 18º e 23ºC e só começa a ser corrigida na Sala de recuperação Pós-anestésica.
IBSP – O tipo de anestesia também contribui para a ocorrência de hipotermia?
Vanessa – Tanto a anestesia geral quanto as anestesias regionais (raqui e peridural) contribuem para a ocorrência de hipotermia. Isso porque não são apenas os medicamentos responsáveis pela ocorrência da hipotermia, mas a imobilidade causada pelo efeito dos anestésicos faz o paciente perder sua capacidade de resposta comportamental ao frio. Ou seja, quando o corpo detecta o frio, nós começamos a tremer, temos piloereção e vasoconstrição periférica, por exemplo. Estes são mecanismos para aumentar a produção de calor ou para reduzir a perda de calor para o ambiente, sendo que todos podem estar abolidos durante a anestesia, mesmo nas regionais, onde apenas as pernas estão imobilizadas, pois os membros inferiores representam uma grande massa corporal que não consegue ajudar o organismo nestes mecanismos.
IBSP – Quais métodos podem ser implementados para proteger o paciente da hipotermia e garantir sua segurança durante a operação? Quais estratégias de aquecimento ativas ou passivas devem ser utilizadas?
Vanessa – Com a exposição ao frio, o paciente perde calor para o meio ambiente e precisamos minimizar esta perda e, se possível, fornecer-lhe calor, já que seus reflexos de produção, como o calafrio, por exemplo, estarão abolidos pelo efeito dos anestésicos. Dessa forma, os métodos de aquecimento podem ser divididos em passivos, como o uso de cobertores, que apenas impedem que o calor produzido pelo paciente seja perdido para o ambiente e ativos, ou seja, aqueles que minimizam a perda de calor ao ambiente, mas também fornecem calor para o paciente, entre eles a manta térmica e o colchão de água aquecida.
Atualmente recomendam-se a utilização de métodos ativos de aquecimento, e o mais estudado e que tem obtido melhores resultados nesta manutenção, com maior segurança é a manta térmica ou sistema de ar forçado aquecido. Os métodos passivos podem ser usados apenas como adjuvantes no tratamento. Da mesma forma, que apenas infundir líquidos aquecidos e usá-los na irrigação de cavidades como medida isolada não é capaz de impedir a ocorrência de hipotermia, mas ajuda juntamente as demais medidas que ela não ocorra.
IBSP – A atuação da enfermagem no período perioperatório deve ser baseada em um processo sistemático e planejada com uma série de passos integrados?
Vanessa – Sim, conforme discutimos até aqui, a prevenção de hipotermia é, na verdade, um pacote integrado de medidas para que sua implementação tenha sucesso. Com isso, o enfermeiro deve avaliar quais são os fatores de risco que o paciente apresenta para hipotermia para se preparar adequadamente em relação aos insumos que serão necessários. O aquecimento ativo do paciente deve ser iniciado no pré-operatório, pelo menos 5 minutos antes da cirurgia, mantido no intra e no pós-operatório. Em todas as etapas, o enfermeiro verificará a temperatura do paciente e avaliará no pré e pós-operatório as medidas comportamentais do paciente, como presença de tremores, relato de calor e etc., para determinar continuamente se as medidas estão sendo bem sucedidas ou não e se seu planejamento de enfermagem está adequado para aquele caso.
IBSP – Como identificar outras possíveis complicações, como disfunção cardíaca, coagulopatia, metabolismo de drogas alteradas, recuperação retardada e até mortalidade?
Vanessa – Todas estas são importantes complicações relacionadas à hipotermia, mas que, muitas vezes, podem passar despercebidas durante a internação, uma vez que muitas se manifestarão no pós-operatório, mascaradas por outras comorbidades do paciente. A única forma de manter o controle destas complicações é o acompanhamento contínuo dos pacientes, a implementação de protocolos e o acompanhamento de sua adequada realização, comparando os resultados dos pacientes segundo sua realização. Todas estas medidas precisam ser realizadas e compreendidas por toda a equipe multiprofissional, em especial a equipe de enfermagem, que deve sempre objetivar o sucesso no tratamento do paciente e sua satisfação com o processo anestésico-cirúrgico.
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