O ideal é que o planejamento familiar e a prevenção da gravidez na adolescência passem a fazer parte da política pública de saúde, sendo um método de garantir a segurança da paciente do sexo feminino
Preocupada com o elevado índice de adolescentes grávidas, atendidas no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studard, em São João de Meriti, Baixada Fluminense, a diretora clínica da unidade, Ana Teresa Derraik Barbosa, criou um projeto de conscientização que, ao mesmo tempo, esclarece as meninas sobre sexualidade de maneira franca e previne a gravidez precoce. Da média mensal de 400 partos feitos no hospital, 80 pacientes têm menos de 18 anos.
A iniciativa da médica é apoiada pelo Hospital da Mulher, que é administrado pela OSS Hospital Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) do Rio de Janeiro.
A ginecologista Ana Teresa Derraik Barbosa disse que o planejamento familiar na adolescência seria atribuição das unidades básicas da rede municipal. Diante, porém, do número elevado de gestantes menores de 18 anos atendidas no Hospital da Mulher, ela decidiu tomar providências. Procurou a diretoria do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Lima Barreto, vizinho do hospital, e constatou que a preocupação era comum. O projeto foi implantado no local, no ano passado, e teve, na quinta-feira (23/03), o primeiro encontro em 2017.
“Comecei a perceber que esse número, que sempre teve uma prevalência alta, começou a aumentar nos últimos três ou quatro anos, a ponto de ter todo mês, invariavelmente, 80 das minhas pacientes na faixa etária de 12 a 18 anos. Isso começou a me incomodar muito, pessoalmente e como gestora”, disse a médica. “O que chega para mim já é a adolescente grávida. Eu teria que pegá-la antes”, acrescentou.
Por isso, mesmo sabendo que o hospital não tem um serviço de planejamento familiar específico para adolescência, Ana Teresa resolveu agir, conversando diretamente com as estudantes no colégio, que tem dois mil alunos, dos quais metade do sexo feminino.
Confira entrevista exclusiva com a ginecologista Ana Teresa Derraik Barbosa ao Portal IBSP.
IBSP – Com esta iniciativa, acredita que se possa prevenir de doenças à gravidez?
Ana Teresa Derraik Barbosa – Sim. O grande diferencial dessa iniciativa é a articulação de diversas ações que cobrem variadas naturezas de atenção em saúde. Em um primeiro momento, as alunas são recebidas para um bate papo animado, no qual a sexualidade e seu respectivo exercício são tratados de forma franca em todas as suas implicações. As situações de violência são abordadas e diversas possibilidades de estratégias de enfrentamento são tratadas de forma pragmática.
As dificuldades de ordem prática no uso sistemático de preservativo são expostas para que deixem de existir. A importância de cuidar bem do corpo como um valor que será determinante em outras conquistas é uma ideia que fica clara ao fim da exposição. Todos os métodos contraceptivos são apresentados e aqueles que têm maior eficácia na adolescência ganham um espaço maior. Ao término desse encontro, é oferecida marcação de consulta ginecológica, na qual as jovens serão atendidas individualmente e, se houver indicação, terão o método contraceptivo inserido (DIU e implante) ou prescrito.
IBSP – Atender a adolescente e ajudá-la no planejamento familiar e consequente prevenção da gravidez precoce é uma questão de saúde pública no Brasil?
Ana Teresa – Sim. É uma questão grave de saúde pública. De cada cinco mulheres que engravidam no País, uma tem menos de 18 anos. Por conta disso, essas jovens respondem pela maior taxa de evasão escolar. Sem capacitação, têm mais dificuldade para a conquista de lugares nobres no mercado de trabalho e, por fim, acabam mais dependentes de seus parceiros e reféns de situações de violência insidiosa. É um ciclo vicioso que precisa ser quebrado.
IBSP – Captar as adolescentes na escola é dar a elas informação. Pode se dizer que esse trabalho preventivo tem como objetivo garantir a segurança das adolescentes como pacientes do sexo feminino?
Ana Teresa – É mais do que dar informação. É abrir um espaço de descoberta de um corpo saudável com todas as vantagens que isso traz. A sexualidade tratada de forma franca representa um alicerce importante na formação do adolescente. A paciente do sexo feminino está mais vulnerável, porque é no corpo dela que incide a gravidez e, por conta disso, os riscos têm consequências mais graves.
Entenda o projeto em detalhes
Em 2015, 37 alunas do Ciep, na faixa de 12 a 17 anos, ficaram grávidas. “Essa era a faixa etária que eu gostaria de trabalhar”, indicou a médica. A palestra, ou bate-papo, como ela prefere falar, é alicerçada em três focos: prevenção de exposição à situação de violência; prevenção a doenças sexualmente transmissíveis; e métodos contraceptivos indicados na adolescência.
“Na dinâmica que faço, tento mostrar para elas como é possível, via rede social, via WhatsApp, elas montarem uma rede de proteção entre elas”. O tom da conversa é coloquial e as meninas participam fazendo perguntas e tirando dúvidas. No primeiro tempo da palestra, já se consegue deixar alinhavada uma rede de solidariedade entre as estudantes, que tem efeito multiplicador.
Num segundo momento, fala-se sobre doenças sexualmente transmissíveis (sífilis, AIDS e hepatite B), que têm maior prevalência na região onde está localizado o Hospital da Mulher do Rio de Janeiro. Ana Teresa mostra um vibrador e ensina como colocar uma camisinha no órgão genital masculino, “sem historinha, sem nada formal. O papo é muito franco, elas ficam à vontade e aprendem a colocar a camisinha”. Não há nenhum tema tabu. No encontro, é abordada também a camisinha feminina, pouco divulgada no País.
Os métodos contraceptivos constituem a terceira etapa do bate-papo. “Mostrando para elas que uma gravidez na hora errada mina um sonho, mina uma possibilidade, diminui a autoestima; que gravidez é uma coisa muito legal, mas que tem hora para acontecer, e as mulheres inteligentes vão engravidar quando quiserem. Que o nosso corpo é uma fonte incrível de prazer, e é para ser usado dessa forma, desde que a gente saiba usar”.
A diretora clínica deixa claro que para o corpo proporcionar prazer, é necessário tomar alguns cuidados e cumprir alguns quesitos que podem parecer “chatos ou caretas”, em um primeiro momento, mas que são fundamentais para a mulher administrar sua própria vida.
Ela reiterou que cuidar da saúde e do corpo acertadamente faz parte da forma de as mulheres se relacionarem com o mundo. “Mulher que tem sexualidade bem resolvida é bem-sucedida. O começo é isso”. A conversa, segundo Ana Teresa, tem dado certo, porque a maioria das estudantes sai do encontro já com uma consulta ginecológica marcada, focada em contracepção. Elas são atendidas individualmente. Algumas vão com as mães, outras com os namorados. E o método contraceptivo que elas escolhem é instituído.
Resultados – menos adolescentes grávidas
O resultado, segundo Ana Teresa, é rápido. O número de alunas grávidas caiu de 37, em 2015, para apenas sete, no ano passado. A diretora clínica do Hospital da Mulher atendeu, nos encontros, 200 estudantes. As sete que engravidaram não participaram das reuniões, informou. A meta para 2017 é expandir essa conscientização, de modo a zerar a questão no Ciep.
No final de abril, será promovido novo encontro, com mais uma turma de adolescentes do CIEP. O objetivo de Ana Teresa é disseminar o projeto para outras escolas estaduais. Para isso, é preciso aumentar o número de implantes de braço disponíveis. “A grande força dessa ação é que ela associa a informação ao acesso ao contraceptivo. Não adianta só ir à palestra. É preciso ter as duas coisas”, apontou. O ideal é tornar isso uma política pública de saúde, completou.
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