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Sepse: hospitais lotados e falta de profissionais dificultam tratamento precoce

Sepse: hospitais lotados e falta de profissionais dificultam tratamento precoce
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Diagnóstico de sepse: sinais ocultos de infecção e disfunções orgânicas dificultam identificação precoce (Bigstock)
Diagnóstico de sepse: sinais ocultos de infecção e disfunções orgânicas dificultam identificação precoce (Bigstock)

Marcela Buscato

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A NOVIDADE – Um dos mais célebres especialistas em saúde pública da Inglaterra, Brian Jarman, afirmou na semana passada que as mortes em decorrência de sepse aumentaram 40% nos últimos anos. Os motivos seriam os hospitais lotados e a escassez de enfermagem e médicos, em razão de cortes de custos. O NHS, o sistema público inglês, afirmou que o aumento é resultado da melhor identificação da condição.

O CONTEXTO – A controvérsia inglesa revela dois problemas relacionados à sepse que também afetam o Brasil – e o prognóstico dos pacientes com sepse. Reconhecer os casos ainda é um desafio e a superlotação de hospitais e emergências e a falta de profissionais estão diretamente relacionadas à demora em iniciar o tratamento. Mesmo entre os serviços brasileiros que fazem parte do programa de melhoria da qualidade do Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas) e, portanto, já são um grupo especial de hospitais, há diferenças. Nos públicos, o tempo que leva até o paciente começar a terapia antimicrobiana é de 2 horas em média, enquanto nos hospitais privados a média é de 1 hora. A mortalidade nos serviços públicos também é maior: 44,8% versus 22,3% nos privados. Uma outra pesquisa que abarcou uma realidade mais abrangente de serviços de saúde revela um resultador pior: nos hospitais públicos, 56% morrem; nos privados, 55%.

A PRÁTICA – Ferramentas de triagem podem ajudar na identificação mais rápida dos casos. “A importância da enfermagem é crítica porque é ela que está com o paciente o tempo”, afirma o médico intensivista Alexandre Biasi Cavalcanti, diretor do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. É preciso estar atento aos sinais. “Os primeiros sinais são produzidos pela própria infecção, como tosse associada a pneumonia, dor abdominal se a pessoa tiver apendicite ou dor para urinar, numa infecção urinária”,  “Os pacientes também podem ter alterações como febre, aumento da frequência cardíaca e respiratória e aumento dos leucócitos no hemograma. Como essas alterações podem ocorrer em infecções, mesmo que não complicadas, também é preciso notar sinais de disfunção em órgãos vitais.” Sinais comuns de disfunção de órgãos são falta de ar, alterações do estado mental com confusão, agitação ou sonolência, redução da produção de urina e hipotensão. O Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas) fornece também um roteiro para implantação de um protocolo de sepse.

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Leia a reportagem completa a seguir:

O médico Brian Jarman, ou melhor, Sir Brian Jarman, é um dos cavaleiros da Ordem do Império Britânico, a mais alta honraria concedida pela rainha da Inglaterra aos cidadãos por suas contribuições à sociedade. Agora, aos 85 anos, ele parece ter decidido deixar formalidades de lado para comprar uma boa briga com o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra, o NHS, na sigla em inglês. Jarman, professor emérito do Imperial College London, integra uma unidade que faz o monitoramento da taxa de mortalidade dos serviços para o sistema de saúde. Na semana passada, Jarman afirmou que o número de mortes por sepse nos hospitais ingleses aumentou 40% nos últimos anos. E que a falta de médicos, enfermagem e leitos está por trás do crescimento alarmante. As mortes passaram de 11,3 mil entre 2014 e 2015 para 15,7 mil entre 2016 e 2017. Porta-vozes do NHS rebateram a afirmação e justificaram o aumento como reflexo do maior reconhecimento da sepse e, consequentemente, do seu registro adequado nos sistemas (1).

Independentemente de quem tenha razão neste caso, a controvérsia inglesa revela dois problemas relacionados à sepse que costumam não fazer distinção de nacionalidade. O primeiro: reconhecer os casos ainda é um desafio para muitos serviços de saúde. O segundo: a superlotação de hospitais e emergências está diretamente relacionada à demora em iniciar o tratamento. Os dois problemas guardam entre si uma triste semelhança: pioram de maneira dramática o prognóstico dos pacientes. “O reconhecimento precoce é importantíssimo, porque a mortalidade de pacientes com sepse é muito alta”, afirma o médico intensivista Alexandre Biasi Cavalcanti, diretor do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo.

A sepse, a resposta de inflamação exagerada do organismo a uma infecção, é um grave problema de saúde pública. Segundo dados do Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas), 25% dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) no Brasil são ocupados por pacientes com a condição (2). O relatório de 2017 do Ilas, que compila dados de serviços que já integram um programa de melhoria de qualidade, mostra que 44,8% dos pacientes internados com sepse em hospitais públicos brasileiros morrem. Nos privados, o índice é de 22,3%. Nos hospitais públicos, o tempo que leva até o paciente começar a terapia antimicrobiana também é maior: são 2 horas em média, enquanto nos hospitais privados a média é de 1 hora. Uma outra pesquisa que abarcou uma realidade mais abrangente de serviços de saúde revela um resultado pior: nos hospitais públicos, 56% morrem; nos privados, 55% (3). A demora no início do antibiótico pode ser decisiva sobre o prognóstico. Cada hora de atraso no início do tratamento aumenta em 4% o risco de morte (4).

Entre as razões que levam à demora está a dificuldade de reconhecer os casos, principalmente os que chegam pela emergência do hospital – cerca de 60%, segundo dados do Ilas. Se o diagnóstico fica mais fácil quando há uma infecção já localizada, o mesmo não ocorre quando ela está oculta porque os sintomas podem variar de paciente para paciente. Ainda que existam protocolos orientando sobre os exames que devem ser feitos para fechar o diagnóstico, é comum que ele não seja iniciado rapidamente porque a equipe demora a desconfiar da possibilidade de sepse.  

Uma iniciativa interessante do Jewish General Hospital, no Canadá, avaliou o desempenho de uma ferramenta para fazer triagem de casos de sepse (5). Ela diminuiu em 21% o tempo médio que levava até que os pacientes iniciassem a antibioticoterapia, beneficiando principalmente os casos em que os sintomas não eram tão visíveis. A ferramenta de rastreamento era simples: além de temperatura menor que 36ºC ou maior que 38ºC, se o paciente apresentasse três ou mais dos sintomas a seguir, deveria ser monitorado: estado de consciência alterado; frequência cardíaca menor que 90 batimentos por minutos, saturação de oxigênio menor que 90% em condições ambientes, mais que 20 respirações por minuto, hiperglicemia (maior que 126mg/dL, sem diabetes), pele manchada. Em caso de ter três ou mais desses sintomas e ainda hipotensão, o protocolo de sepse era iniciado o mais cedo possível. O Ilas também disponiliza uma ferramenta de triagem para a enfermagem e para os médicos, para encaminhar o início do protocolo de sepse (imagem abaixo).

Cartela com instruções sobre sinais de sepse para a enfermagem durante a triagem

A demora em reconhecer a sepse e iniciar o tratamento não se deve apenas às dificuldades de perceber o quadro, mas também à superlotação dos serviços de saúde e à baixa proporção entre pacientes e profissionais de saúde. “Estes contextos podem aumentar a mortalidade de pacientes que tem sepse”, afirma Cavalcanti, do HCor.  Em uma análise apresentada durante a conferência internacional da American Thoracic Society do ano passado, os pacientes que chegaram à emergência quando ela estava lotada (havia menos leitos do que pacientes) demoraram 47 minutos a mais para começar o tratamento de sepse do que aqueles que chegaram quando existiam mais leitos do que pacientes (6). O levantamento com 945 pacientes foi feito pela Universidade de Utah.

Outro estudo feito nos Estados Unidos apontou que, mesmo que existam protocolos de sepse, eles demoram a ser acionados quando há superlotação (7). Ao cruzar a disponibilidade de leitos na emergência à execução do protocolo, os pesquisadores concluíram que a abertura do protocolo caiu 21% do período em que a emergência estava mais cheia para o período em que estava mais vazia. Com isso, demorou mais para os pacientes receberem fluidos intravenosos e antibióticos. Só que, na sepse, não há tempo a perder.

SAIBA MAIS

(1) Hospital overcrowding blamed for rise in recorded sepsis deaths. The Guardian 03/08/2018.

(2) Relatório Nacional Protocolos Gerenciados de Sepse 2017. Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas)

(3) Machado, Flavia RZajac, S RZajac, S R et al. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. The Lancet Infectious Diseases , Volume 17 , Issue 11 , 1180 – 1189

(4) Seymour CW et al. Time to treatment and mortality during mandated emergency care for sepsis. N Engl J Med 2017 May 21; [e-pub]. (http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1703058)

(5)  Patocka C, Turner J, Xue X, Segal E. Evaluation of an emergency department triage screening tool for suspected severe sepsis and septic shock. J Healthc Qual. 2014; 36: 52–61. doi: 10.1111/jhq.12055

(6) Increasing ED Workload Is Associated with Delayed Antibiotic Initiation for Sepsis. Estudo apresentado por Ithan Peltan, do Intermountain Medical Center and the University of Utah School of Medicine, Salt Lake City, no 2017 American Thoracic Society International Conference. 

(7) Gaieski D.F., Agarwal A.K., Mikkelsen M.E., Drumheller B., Cham Sante S., Shofer F.S., Goyal M., Pines J.M. The impact of ED crowding on early interventions and mortality in patients with severe sepsis (2017). American Journal of Emergency Medicine,  35 (7) , pp. 953-960.

 

 

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