Teoria do Queijo Suíço
Saiba quais erros podem furar a barreira e causar danos irreparáveis em um paciente
Parecia um caso corriqueiro de uma criança, com sintomas de vômitos, perda de apetite e sonolência. Num primeiro momento, os pais foram à uma clínica, na qual a menor foi medicada e liberada. Um dia depois, foi diagnosticada com desidratação. Foi encaminhada para a UTI de um grande hospital de São Paulo, onde recebeu aplicação concomitante de três sedativos potentes, “em doses muito superiores às recomendadas para crianças de sua idade e peso”. Em consequência da medicação excessiva, sofreu parada cardiorrespiratória, com consequente falta de oxigenação no cérebro, ficando em estado de coma por vários dias. Como resultado, sofreu sequelas físicas, com o desenvolvimento cerebral e locomotor seriamente afetados. Houve uma batalha judicial, em que a família recebeu uma indenização fixada em patamar que representou o tamanho do desastre vivido por eles e a transformação lamentável ocorrida em suas vidas.
Mas o que importa aqui não é o valor da indenização, mas a sequencia de erros que levou a séria lesão na criança. “É necessário entender como eventos que levam a grandes erros ocorrem. Não somente em medicina, mas quando se estuda fenômenos que causaram lesões graves, como queda de aviões, desabamento de construções e outros, frequentemente observamos que não há um único erro responsável pelo evento, mas sim uma sequencia de erros menores. Esses erros menores, isoladamente, não causariam por si a catástrofe, mas sua sequência, sim!”, diz o Dr. Dario Fortes Ferreira, Superintendente médico do Hospital Samaritano de São Paulo e Presidente do IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, dedicado a melhorar a qualidade na assistência à saúde e a segurança do paciente.
Quais as diferenças entre segurança na aviação e segurança do paciente?
Como o profissional de saúde deve lidar com o disclosure?
O Dr. Dario relembra: “Em 1990, James T. Reason propôs o Modelo do Queijo Suíço. Esse modelo consiste-se de múltiplas fatias de queijo suíço colocadas lado a lado como barreiras à ocorrência de erros. Em algumas situações, os buracos do queijo se alinham, permitindo que um erro passe pelas múltiplas barreiras causando o dano”.
A seguir, ele comenta um caso de cirurgia do lado errado e mostra como um erro em sequência pode gerar um evento adverso grave.
Suponha por exemplo, que tenha ocorrido erro no sítio cirúrgico (local da cirurgia), o joelho esquerdo foi operado em vez do direito. Vamos traçar uma sequência de furos que levaram o fato a ocorrer.
- No consultório do ortopedista, paciente e médico combinam a cirurgia eletiva, o médico examina a ressonância magnética do joelho esquerdo, explica ao paciente e faz a solicitação. Por distração, na solicitação anota artroscopia de joelho direito (primeiro furo na barreira).
- O paciente não verifica a anotação, a letra é difícil de entender e afinal é somente um pedido de internação para cirurgia, ele jamais imaginaria que poderia haver erro nessa solicitação.
- A cirurgia é marcada no hospital, todos os registros apontam para artroscopia de joelho direito.
- O paciente é internado e os dados de internação são anotados conforme a solicitação de internação do médico (segundo furo na barreira).
- Como há um curto período de tempo, a enfermagem do andar prepara o paciente para a cirurgia no joelho direito, não há checagem sistemática implantada (terceiro furo na barreira).
- O paciente recebe visita pré-anestésica e recebe medicação pré-anestésica e desce para o centro cirúrgico sedado (quarto furo na barreira).
- Todo equipamento está preparado para cirurgia de joelho direito (quinto furo na barreira).
- O paciente é submetido à cirurgia no joelho incorreto.
Como se pode verificar no exemplo acima, em vários momentos havia a possibilidade de se checar e confirmar o correto sítio cirúrgico, porém em nenhum momento isso aconteceu. Furos nas possíveis barreiras (fatias do queijo) permitiram a ocorrência do erro. Muitos outros exemplos semelhantes podem ser colocados aqui.
É essencial que os hospitais e sistemas de saúde assumam uma política de gerenciamento de risco e instalem efetivas barreiras de proteção contra possíveis erros. Quanto menos furos houver, mais seguro será o hospital para o paciente.
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