Por Sylvia Lemos Hinrichsen (MD/PhD)*
Aedes Aegypti e doenças virais
A saúde tem seus ciclos de riscos de adoecimentos. E vários são os relatos sobre doenças novas e ou antigas, que surgem afetando a segurança das pessoas, nas diversas localidades do mundo.
No Brasil, em 1903, no Rio de Janeiro, várias doenças contagiosas atingiam seus habitantes, o que motivou o sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz a ser convidado pelo então presidente Rodrigues Alves para assumir o cargo que, hoje, corresponderia ao de Ministro da Saúde, para que ele desenvolvesse um plano de combate à febre amarela, uma doença viral (flavivírus) transmitida ao homem por mosquitos, como o Aedes aegypti, que chegara ao País no século 17 em navios que vinham da África. Casos de doenças humanas datam de 1675, no Recife (PE), e de 1692, na cidade de Salvador (BA).
A estratégia de Oswaldo Cruz, aparentemente, era simples, pois ela era focada na identificação de doentes e, assim, acabar os focos da doença. Foi, então, estruturada uma campanha em moldes militares, dividindo a cidade em dez distritos, cada qual chefiado por um delegado de saúde, formando brigadas de mata-mosquitos que, uniformizados, tinham o poder de entrar nas casas. Afinal, eram tempos em que não existia rádio ou TV.
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Além da febre amarela, existia a peste bubônica, transmitida por pulgas que infestam ratos. E, Oswaldo Cruz, adotou um modelo polêmico, pois oferecia 300 réis por cada roedor morto. Mas, apesar de algumas malandragens, nas quais pessoas passaram a criar ratos em casa e ou traziam ratos estrangeiros dos navios que atracavam na cidade, para ganharem dinheiro, os casos de peste bubônica diminuíram e, em 1909, caíram praticamente à zero.
Depois, foi a vez da varíola, uma doença muito contagiosa, com casos mortais, o que fez, Oswaldo Cruz instituir a obrigatoriedade da vacina para toda a população. Uma medida, cheia de medos e controvérsias, mas, com resultados positivos.
Passados os anos, muitas outras situações de perigo à saúde das pessoas no mundo e no Brasil, foram observadas, o que sempre causa medo, insegurança e até pânico, fazendo com que haja mobilizações institucionais para minimizar os riscos de adoecimentos e de suas sequelas.
Já se vive há algum tempo com a dengue (flavivírus), uma doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti que passou, nos últimos anos, a ser considerada como um problema de saúde cotidiano em várias localidades do País. A sua prevenção tem sido feita de forma sistemática, em campanhas, mas, os resultados, não têm se mostrado eficaz, pois também exige mudanças de hábitos das pessoas, especialmente, mudanças de cultura de toda uma população no País, que faça com que se evite que o mosquito sobreviva, e assim a sua transmissibilidade seja erradicada.
Vírus permanece vivo
Casos de dengue têm sido notificados, acompanhados, mas, continuam, pois, o Aedes agypti permanece vivo, e, susceptível, inclusive a outros vírus, como observado a partir de 2014, depois que houve um grande movimento migratório no Brasil de pessoas que vieram para eventos de massa (Copa do Mundo, em 2014), trazendo consigo outros agentes virais (endêmicos em alguns países da África e Ásia), como o vírus CHIKV, causador da febre chikungunya (família Togaviridae) e o vírus Zika (flavivírus da família Flaviviridae).
Assim, após a introdução desses vírus, no Brasil, com Aedes aegypti, e com casos de dengue surgindo de forma endêmica, observaram-se pessoas relatando sinais e sintomas semelhantes a dengue, mas, que tinham características diferentes, o que causou estranheza nos diagnósticos clínicos, mas, sem confirmações laboratoriais que pudessem dar respostas ao que poderia estar acontecendo e ou acontecer a partir de então.
Assim, um surto do vírus Zika fora da África e da Ásia foi confirmado em abril de 2015, no Brasil, na cidade de Salvador (BA), considerada como uma doença até então desconhecida que afetou cerca de 500 pessoas com sintomas semelhantes aos da gripe, seguido de exantema e artralgia confirmado pela técnica de RT-PCR por pesquisadores da Universidade da Bahia, sendo relacionado ao vetor Aedes aegypti e Aedes albopictus, habitantes da região, seguindo o mesmo padrão de outro surto semelhante pelo vírus chikungunya, também desconhecido à população local.
O vírus Zika foi primeiramente identificado em 1947 em macacos rhesus na floresta de Zika, perto de Entebbe, na Uganda. Ao longo dos anos, há relatos da ocorrência esporádica de casos de Zika na África e Sudeste da Ásia.
Entretanto, talvez devido à combinação de viagens aéreas e locais com alta densidade do mosquito Aedes aegypti garantiu a transmissão rápida do vírus nos últimos anos, quando observadas epidemias da doença Zika na Ilha Yap, na Micronésia (2007); Polinésia Francesa (2013); Nova Caledónia (2014); Ilhas Cook (2014); Vanuatu (2015); Ilha de Páscoa, Chile (2014); Colômbia (2015); Suriname(2015); e no Brasil (2015). Através de relatos de casos de Zika Vírus, também se observou relações desse vírus s com alterações neurológicas (malformações) e a Síndrome de Guillain-Barré (surto na Polinésia Francesa) e de microcefalia em recém-nascidos, estes identificados especialmente na região Nordeste do Brasil, particularmente no estado de Pernambuco.
Há relatos de outras formas de transmissão do Zika Vírus, como a sexual (sêmen), sanguínea e da mãe para o feto, o que leva a se pensar que ainda se sabe muito pouco sobre este vírus e suas consequências na saúde das pessoas e segurança de pacientes, principalmente pelo seu possível tropismo neurológico.
Portanto, estamos diante de um fato novo, uma doença nova, com várias perguntas sem respostas e com potencialidades de disseminação entre pessoas que se movimentam através de viagens para áreas onde existem mosquitos, sem esquecer outras formas de transmissão que já foram relatadas.
Há necessidade de sistematizar diagnósticos etiológicos não só para Zika Vírus, mas para chikungunya, quando feitas hipóteses diferenciais com sinais e ou sintomas sugestivos de dengue, o que viabilizará um melhor acompanhamento epidemiológico dos doentes e suas possíveis evoluções e ou complicações. Assim, é como voltar ao passado e seguir as experiências de Oswaldo Cruz para, definitivamente, conseguir erradicar o mosquito Aedes aegypti, a grande fonte de doenças no nosso País.
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