Não era exatamente um robô, como os de desenho animado. Mas era algo semelhante que informou ao americano Ernest Quintana, de 78 anos, que não havia mais o que fazer sobre sua condição de saúde. O equipamento que entrou deslizando sobre rodas no quarto, parecido com um totem com uma tela, transmita um vídeo ao vivo de um médico, munido de um headphone. Era um recurso da telemedicina. Ele informou ao paciente que seus pulmões tinham danos irreversíveis e que mais nada poderia ser feito. Quintana morreu dois dias depois da “conversa”, deixando a família entristecida, claro, mas também inconformada com a falta de tato da instituição de saúde, um dos hospitais de um grande sistema de saúde americano.
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A telemedicina certamente trouxe grandes avanços, mas a sua aplicação na interação com os pacientes ainda é controversa, como deixa entrever o problema enfrentado pela família de Quintana e o recuo recente no Brasil sobre a possibilidade de teleconsultas. Se por um lado a tecnologia permite que patologistas analisem à distância lâminas de pacientes oncológicos, acessem arquivos de instituições estrangeiras e contem com a opinião de outros profissionais para fazer um laudo mais completo e correto, também permite deslizes como o do hospital americano que informou um prognóstico ruim ao paciente sem sensibilidade alguma.
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É certo que a elaboração de algumas normas de conduta, dentro do próprio hospital, e o treinamento da equipe para cumpri-las, poderiam evitar que o recurso tecnológico fosse usado na contramão dos princípios que ditam o modelo de cuidado que deveria ser perseguido por todas as instituições de saúde: centrado no paciente, voltado para atender valores caros a cada uma das pessoas sob sua assistência. Mas o episódio americano sugere que não se trata apenas de uma questão de educar os profissionais sobre como usar os novos recursos tecnológicos. Talvez, falte a muitas instituições, de fato, incorporar a assistência baseada em valor à sua prática, além de no discurso.
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Alguns detalhes da história de Quintana revelam que o problema não é a tecnologia. O “robô” entrou no quarto quando a esposa e a filha do paciente tinham saído para dar trocar de roupas, em casa. Quem fazia companhia a Quintana era sua neta. Será que, se o médico do vídeo estivesse em carne e osso no quarto, para dar a notícia, ele teria recuado e percebido que não era o momento ideal? Ele teria esperado a companheira de mais de 60 anos de vida do paciente, assim como sua filha, para explicar o quadro, entender o que era importante para o paciente e sua família e assim discutir as opções de como prosseguir com o cuidado? Não parece que o anteparo da tela seja o obstáculo, mas, sim, a antiga dificuldade de desacelerar e se colocar no lugar do paciente.
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Além disso, a tela falante que deu a notícia a Quintana estava posicionada ao lado do ouvido em que o paciente tinha dificuldade de audição. Ele não conseguia entender o que o médico falava e sua neta tinha que repetir as notícias que ela tentava absorver. Será que a dificuldade de audição estava sinalizada nos documentos do paciente para que a equipe de cuidados a levasse em consideração nos momentos de se comunicar com ele? Se estava, será que o médico teve tempo de conferir esses detalhes antes de começar a conversa? Em muitas situações, atribuir a falha à tecnologia não é construtivo. Os verdadeiros motivos precedem a invenção e são eles que precisam ser analisados – para serem resolvidos.
Valorizar o treinamento para a comunicação de más notícias ajuda a remediar lacunas de formação ou ainda as causadas por falhas no sistema de saúde – estas maiores e mais difíceis de resolver. O protocolo SPIKES (1), desenvolvido por oncologistas americanos no início dos anos 2000, é uma abordagem bastante completa para estruturar a transmissão de notícias ruins de maneira clara e, acima de tudo, respeitosa.
Comunicação de más notícias
Um protocolo para ser direto e claro, mas também empático
Sistematize a conversa – planeje a interação com o paciente antes de ela acontecer. Escolha um lugar calmo, pense em quem o paciente gostaria que estivesse junto, faça um ensaio mental das palavras que usará e mantenha o celular desligado
Perceba o nível de compreensão – com perguntas, acesse como o paciente entende sua condição, sobre o que ele já foi informado e como interpretou esses dados e fatos. Assim, é possível usar a mesma linguagem dele e também corrigir falsas expectativas
Indique sua disponibilidade – se o paciente não se mostrar interessado em saber todos os detalhes ou resistente às informações, respeite esse momento e coloque-se à disposição para esclarecer dúvidas em outra oportunidade
Keyphrases – frases que alertam para o teor da informação, como “hoje as notícias não são boas”, ajudam a minimizar o choque. Elas também facilitam a compreensão, ao dividir a conversa em tópicos, como “vamos falar do resultado dos exames”, “agora, vamos discutir as opções que temos”.
Encare as emoções – Nomeie para si a emoção que o paciente aparenta estar sentindo. Deixe claro que você entende que as notícias que você trouxe a causaram e mostre empatia, como “eu gostaria que as notícias fossem diferentes”. Se for adequado, você pode tocar no paciente como um sinal de apoio ou oferecer um lenço. Se o paciente ficar calado, é possível perguntar como ele está se sentindo, para ajudá-lo na elaboração dos sentimentos.
Sinalize caminhos – converse sobre o que paciente valoriza, para, juntos, pensar em opções de tratamento ou paliativas. Neste caso, deixe claro que o objetivo é qualidade de vida, não cura ou postergar a evolução da doença. Nem todos os pacientes estão prontos para essa discussão imediatamente. Respeite e volte ao tópico em outra oportunidade.
SAIBA MAIS
(1) Baile, W. F. SPIKES–A Six-Step Protocol for Delivering Bad News: Application to the Patient with Cancer. The Oncologist (2000), 5(4), 302–311. doi:10.1634/theoncologist.5-4-302
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