A busca de benchmarking é uma excelente forma de aprendizado para instituições. Analisar como outros países se portam diante de situações comuns contribui para a adoção de estratégias já testadas e validadas em outras populações. Considerando que os australianos têm um sistema de saúde extremamente eficiente, além de profissionais muito qualificados levando a desfechos predominantemente positivos dos pacientes, compreender como o país lida com as questões de qualidade e segurança é interessante.
Para isso, podemos analisar um relatório que foi publicado recentemente. Intitulado The State of Patient Safety and Quality in Australian Hospitals 2019, o documento traz dados muito relevantes e que merecem ser analisados. Demonstrando ser impossível trabalhar dentro do conceito de dano zero, o material relata que apesar de todo o empenho, a nação ainda enfrenta eventos adversos que consomem até 16,5% dos gastos hospitalares ao ano.
Porém, a Austrália é um excelente exemplo de como agir de forma consistente e contínua para melhorar o cenário. Para isso, prioriza a parceria entre pacientes, cuidadores, médicos, sistemas de saúde, gestores e organizações para que, juntos, todos esses atores consigam alcançar um sistema de saúde seguro, de alta qualidade e sustentável.
Para isso, são divulgados padrões nacionais de segurança e qualidade (padrões NSQHS) que auxiliam na identificação de riscos sistêmicos. Ao melhorar o gerenciamento de riscos – utilizando dados e métricas confiáveis –, melhora-se a qualidade da assistência.
Atualmente, o país dedica seus esforços a cinco áreas principais:
- Foco nas pessoas
- Medir e relatar incidentes de segurança e qualidade
- Utilizar orientações e políticas baseadas em evidências
- Fortalecer a governança clínica
- Incorporar a segurança e a qualidade nos sistemas nacionais
Oito padrões NSQHS
- Governança clínica necessária para melhorar a confiabilidade, a segurança e a qualidade dos cuidados de saúde melhorando, também, os desfechos dos pacientes.
- Parceria com os consumidores por meio de estratégias centradas no paciente que permitam seu envolvimento diretor na tomada de decisão e no autocuidado.
- Prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) de forma eficaz, com uso racional de antibióticos para evitar a resistência antimicrobiana.
- Segurança medicamentosa para prescrição, distribuição e administração dos fármacos apropriados.
- Cuidado integral com triagem e identificação de riscos para desenvolvimento de plano de cuidados individualizado que minimize as chances de danos.
- Comunicação eficaz entre todos os atores da cadeia de saúde.
- Gerenciamento de hemoderivados para cuidado seguro, apropriado e eficiente.
- Reconhecimento e resposta rápida à deterioração das condições físicas, mentais ou cognitivas dos pacientes.
Eventos sentinelas apontados pelo sistema de saúde australiano que resultam em ferimento, lesão, dano grave ou até mesmo óbito:
- Procedimentos cirúrgicos ou invasivos realizados no local errado
- Procedimentos cirúrgicos ou invasivos realizados no paciente errado
- Procedimentos cirúrgicos ou invasivos realizados de forma errada
- Retenção não intencional de objeto estranho em um paciente após procedimento cirúrgico ou invasivo
- Reação hemolítica transfusional devido à incompatibilidade do tipo sanguíneo
- Suspeita de suicídio de paciente em unidade psiquiátrica
- Erro de medicação
- Uso de contenção física ou mecânica
- Alta ou liberação pediátrica para pessoas não autorizadas
- Uso incorreto de tubo oro ou nasogástrico
Mais informações úteis e interessantes do relatório australiano
O documento também traz as metas nacionais para melhorar os desfechos dos pacientes quanto a complicações cardíacas, cirúrgicas, respiratórias e relacionadas a medicamentos, bem como lesões por pressão, delirium, incontinência, desnutrição, laceração perineal durante o parto, traumas no nascimento, quedas, infecções relacionadas à assistência à saúde, tromboembolismo venoso, insuficiência renal e sangramento gastrointestinal.
Principais marcos da linha do tempo da segurança do paciente na Austrália e no Brasil
Ainda em 1995, foi feito o primeiro estudo australiano de qualidade em saúde. Posteriormente, logo após a publicação do relatório “Errar é Humano” pelo Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM), o conselho australiano para segurança do paciente e qualidade dos cuidados em saúde foi estabelecido. Apenas um ano depois, foi publicado o primeiro Relatório de Inquérito Hospitalar do país. A partir daí, as melhorias se tornaram ainda mais efetivas.
Em 2004 os hospitais passaram a ser obrigados a notificar eventos sentinela; em 2006 foi estabelecida a Comissão de Segurança e Qualidade nos Cuidados de Saúde; entre 2008 e 2011 foi endossada a Carta Australiana de Diretos de Saúde; em 2018 foi publicada a primeira edição dos Padrões NSQHS para hospitais e serviços de saúde que avaliou mais de 1.330 instituições; em 2019 foi publicada a segunda edição para nova acreditação e; em 2020, foi concretizado um conjunto de métricas de segurança e qualidade, além da consolidação de relatórios públicos de dados.
No Brasil, desde a publicação do “Errar é Humano” muitos avanços também foram conquistados, mas ainda há bastante a ser feito. Um dos grandes marcos ocorreu em 2013, mais precisamente em 1º de abril, quando foi publicado, pelo Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Segurança do Paciente que traz a necessidade de as organizações de saúde implementarem Núcleos de Segurança do Paciente (NSP). Esse cenário é regulamentado pela RDC nº 36/2013.
A partir daí, o desenvolvimento da temática ganhou força, angariando mais atenção por parte dos gestores de saúde e do setor educacional. Sempre muito baseado no que dita a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sistema de saúde brasileiro cria suas estratégias para reduzir riscos e aumentar a qualidade da assistência, mas ainda sofre com a subnotificação que impede a análise de dados e estatísticas reais.
Dentro desse contexto, é impossível dissociar a melhoria da segurança do paciente no país dos avanços da educação. Ampliar o conhecimento dos profissionais de saúde é indispensável para que o cenário possa progredir. Tanto que a OMS publicou o Global Patient Safety Action Plan 2021–2030, que coloca a educação profissional como um dos pilares para a garantia de cuidados seguros e o IBSP vem desenvolvendo cursos e estratégias totalmente voltadas à ampliação da qualificação multiprofissional.
Referências:
(1) The State of Patient Safety and Quality in Australian Hospitals 2019
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