A prática do disclosure demonstra uma grande maturidade da organização de saúde em termos de cultura de segurança do paciente
À medida que hospitais e outras organizações de saúde se voltam para promover uma melhor qualidade assistencial, os desafios apenas crescem. Quando falamos de segurança do paciente, o principal pilar da qualidade, podemos dizer que os desafios começam com a identificação dos eventos adversos e demais incidentes, culminando nas ações reativas e preventivas que precisam ser tomadas frente aos achados.
Quando o grau de maturidade da organização é maior, práticas mais elaboradas começam a ser necessárias dentro do contexto de promoção de segurança do paciente. E uma destas práticas é a do disclosure. O “disclosure”, termo da língua inglesa difícil de ser traduzido ao pé da letra, não é nada mais do que a divulgação aberta do erro para quem sofreu um incidente relacionado a este erro. Algo que parece um tanto quanto controverso para qualquer um que pensa no assunto, mas que vem se demonstrando cada vez mais como uma prática que demonstra transparência e comprometimento da organização com a qualidade da assistência prestada. A base do disclosure é reaproximar os profissionais que estão prestando a assistência, e mesmo a organização de saúde, do paciente e sua família, expondo de forma clara a situação ocorrida. É um ótimo remendo à quebra de confiança que se instala após um evento adverso que poderia ter sido evitado.
Entretanto esta prática sofre várias críticas, baseadas em um medo justificável de que a exposição dos fatos pode estimular os processos jurídicos. E devido ao medo de processos, é natural que os médicos, demais profissionais da área da saúde, e mesmo as organizações de saúde não encarem o disclosure como parte da sua rotina de tratativa de eventos adversos. Obviamente não se deve fazer disclosure sem um amplo preparo técnico e psicológico da equipe assistencial, atrelado ao envolvimento da alta direção. E isto deve acontecer em algum momento na organização, pois os benefícios são reais.
Para tentar eliminar um pouco o medo que muitos têm da realização do disclosure resolvi trazer à tona um estudo que já tem um tempo de publicação, mas é um ótimo direcionador para a dúvida: disclosure aumenta a chance de processo jurídico?
Desde 2001, o hospital escola da Universidade de Michigan – EUA (UMHS – University of Michigan Health System) vem encorajando seus profissionais de saúde a discutir abertamente seus erros com os pacientes. Em paralelo, a instituição passou a informar seus pacientes que erros acontecem e a explicar como eles acontecem. Ou seja, um incentivo ao disclosure de forma institucional. Atrelado a este incentivo, a instituição passou a oferecer compensações financeiras para os casos que tivessem sido impactados por erros na assistência. E foi com este cenário posto que a Universidade de Michigan procurou estudar os impactos deste programa de “disclosure”.
Este foi um estudo experimental cuja intervenção ocorreu no formato “antes-e-depois”. Foram comparados dados de antes e depois da criação do programa de disclosure. E contrariando as expectativas mais conservadoras, os resultados foram os seguintes:
- A taxa média de novos pedidos de indenização caiu de 7,03 para 4,52 por 100 mil pacientes (RR 0,64; IC95% 0,44-0,95);
- A taxa média mensal de processos caiu de 2,13 para 0,75 por 100 mil pacientes (RR 0,35; IC95% 0,22-0,58);
- O tempo médio para resolução dos casos onde ocorreu processo caiu de 1,36 para 0,95 anos;
- O custo médio total dos pedidos teve queda (RR 0,41; IC95% 0,26-0,66);
- O custo médio total para compensação do paciente teve queda (RR 0,41; IC95% 0,26-0,67);
- E o custo médio total não relacionado à indenização teve queda (RR 0,39; IC95% 0,22-0,67).
Fica claro que o Hospital da Universidade de Michigan conseguiu excelentes resultados jurídicos e financeiros com a instituição do programa de disclosure, desmistificando o preconceito com a abertura e divulgação de erros na assistência. Ao contrário do que seria esperado, que seria aumento de custos e processos jurídicos, o disclosure foi bom para a instituição. E sem dúvida, com a publicação deste estudo temos base científica para justificar uma cultura de transparência quanto aos erros na assistência em saúde.
Sei que não é fácil saber por onde começar quando pensamos em iniciar um programa de disclosure em nosso hospital. Mas sabendo que há resultados positivos que podem justificar à alta direção o apoio a esta iniciativa, temos um campo aberto para colocar nossos esforços em busca da transparência e da recuperação da confiança dos pacientes e familiares na assistência que prestamos.
Referência
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