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Na ponta do lápis: número atual de mortes por eventos adversos no Brasil

Na ponta do lápis: número atual de mortes por eventos adversos no Brasil
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Eventos Adversos no Brasil: Número de Mortes

Lucas Santos Zambon

 

Em 2013, John James (PhD em patologia pela Universidade de Maryland – EUA) publicou no Journal of Patient Safety uma perspectiva atualizada sobre a realidade dos eventos adversos que levam a mortes nos EUA (A New, Evidence-based Estimate of Patient Harms Associated with Hospital Care). Nesta publicação, o Dr. James demonstra que a ocorrência de mortes por eventos adversos evitáveis tem uma realidade ainda pior do que quando o famoso relatório “Errar é Humano” de 1999 do Institute of Medicine foi publicado.

No “Errar é Humano”, foi feita uma estimativa de 98 mil mortes evitáveis por ano causadas por eventos adversos, o que significava a oitava causa de morte nos EUA na época, superando AIDS, câncer de mama e acidentes de carro. Essa estimativa foi baseada no estudo de referência intitulado “Harvard Medical Practice Study” realizado em 1984 e publicado no New England Journal of Medicine em 1991. Nesse estudo os pesquisadores revisaram 30 mil prontuários e verificaram que eventos adversos graves ocorreram em 3,7% das internações, sendo que em 13,6% dessa fração resultou em morte. Destes eventos, 58% poderia ter sido evitado. No relatório do Institute of Medicine, extrapolou-se esse achado para 33,6 milhões de internações que ocorreram nos EUA em 1997. A  equação foi: internações X frequência de eventos adversos X frequência de eventos que levaram a morte X frequência de eventos evitáveis (33.600.000 × 0,037 × 0,136 × 0,58 = 98.000 mortes por ano).

Porém, o Dr. James utilizou-se de estudos mais recentes e com metodologia mais moderna, realizados entre 2008 e 2011. Nestes estudos, a grade característica em comum foi o uso da ferramenta “Global Trigger Tools” que é divulgada pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI), e que tem se mostrado muito mais sensível na detecção de eventos adversos que outros métodos. Não é à toa que nos 4 estudos a frequência de pacientes acometidos por eventos adversos graves foi muito maior do que a encontrada em Harvard, variando de 14% a 21%, ao invés dos parcos 3,7% verificados anteriormente (há outras nuances aqui sobre as metodologias que trataremos em outra publicação). Então o  pesquisador usou o número de internações nos EUA em 2007, que foram cerca de 34 milhões, e multiplicou pela mortalidade por eventos adversos estimada pelos estudos (0,89%), e pela média de eventos adversos evitáveis encontrados nas internações (69%). A conta ficou assim: 34.000.000 X 0,0089 x 0,69. O resultado mostra que a estimativa  anual nos EUA é de 210 mil. Mais do que dobro do que foi estimado pelo relatório  “Errar é Humano” em 1999.

Mas os números podem ir ainda mais longe. O “Global Trigger Tools” não é capaz, por exemplo, de detectar erros de diagnóstico (estima-se nos EUA que sejam de 40 a 80 mil erros diagnósticos fatais por ano). Além disso, sabemos que prontuários não contêm toda informação do que ocorre com o paciente e a estimativa é que para cada evento adverso encontrado com base em achados de prontuário, há outros 2 ou 3 ocorridos que não foram contabilizados. Com base nessa premissa, as 210 mil mortes por ano apontado pelo Dr. James podem ser, na verdade, 420 mil. Que a este valor sejam somados apenas 20 mil erros de diagnósticos fatais (da estimativa de  40 a 80 mil erros diagnósticos que ocorrem anualmente nos EUA). Isso significa que, possivelmente,  o correm 440 mil mortes por ano nos EUA por eventos adversos evitáveis. Uma estimativa que faz bastante sentido, e que coloca eventos adversos como terceira causa de morte no país, perdendo apenas de doenças cardiovasculares e da somatória de todos os cânceres.

Morrem mais de 220 mil pessoas por ano no Brasil por falhas na assistência hospitalar

No Brasil, podemos tomar como base o volume de internações do SUS e da ANAPH (Associação Nacional dos Hospitais Privados) do ano de 2014 e assumir que não há motivo para sermos melhores do que os EUA em termos de realidade na assistência em saúde  Se pegarmos os dados do DATASUS de 2014, ocorreram 11.316.029 internações no Brasil (leitos SUS). Pelos dados do “Observatório da ANAPH” foram 879.115 internações nos hospitais privados ligados a essa associação (OBS: cerca de 70 hospitais privados são vinculados à ANAPH, onde incluem-se Einstein, Rede D’or, entre outros e isso só equivale a 13,8% dos leitos privados do Brasil). Extrapolando para o que seria a totalidade de leitos privados no Brasil, foram 6.370.398 internações em 2014. Vamos então fazer a mesma conta do Dr. James: (11.316.029 + 6.370.398) X  0,0089 x 0,69 = 108.612 mortes/ano. Agora vamos dobrar a estimativa (considerando o que não se encontra em registros), chegando a 217.224 mortes/ano. E por fim, como temos metade das internações anuais dos EUA, vamos adicionar 10 mil mortes por erros diagnósticos (metade do valor de  20 mil usado no relatório do Dr. James), concluindo que ocorrem 227.225 mortes por ano no Brasil por eventos adversos evitáveis.

Também segundo dados de mortalidade do DATASUS de 2013, com base  no cálculo acima, mortes por eventos adversos evitáveis ficariam como segunda causa de morte no Brasil, perdendo apenas para a somatória de doenças do aparelho circulatório (Capítulo IX do CID-10: 339.672 mortes em 2013), mas superando todos os tipos de câncer (Capítulo II do CID-10: 196.954 mortes em 2013), e todas as causas externas (Capítulo XX do CID-10: 151.683 mortes em 2013). Um cenário até pior do que aquele estimado na grande potência econômica do mundo.

Para mudar esses números é preciso dar prioridade para a segurança do paciente na assistência à saúde. Não há outra saída. É uma realidade que precisa ser mudada.

Desde 2008 Dr. James está tentando fazer sua parte e fundou o movimento “Patient Safety America” em 2008 – motivado pela morte de seu filho de 19 anos por conta de uma falha de assistência. Tratar desse assunto o quanto antes significa evitar que outro caso trágico, como o do filho do médico, aconteça para servir de estopim de mudança.

 

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