Segurança na aviação deve ser modelo para hospitais
por Lucas Santos Zambon
Quem trabalha com segurança do paciente gostaria muito que a segurança nos hospitais fosse igual à segurança na aviação. Mas tem muita gente com medo de avião, e quase ninguém sabe que deveria mesmo é ter medo de ser hospitalizado.
Já mostramos o cálculo feito para o possível número de mortes por eventos adversos hospitalares no Brasil. Estima-se que ocorram 227.225 mortes por eventos adversos evitáveis ao ano em nosso país.
Vamos comparar isso à realidade da aviação? Você verá como é surpreendente.
No site da Aviation Safety Network (organização privada que monitora acidentes aéreos com dados desde 1942), consta que em 2015 ocorreram 178 ocorrências gerais com vôos, sendo 16 acidentes fatais, gerando 560 fatalidades. Se considerarmos apenas os vôos de passageiros, os acidentes fatais foram apenas 7, com 493 fatalidades. Um dos acidentes marcantes de 2015 foi o do Airbus A320 que caiu na França em 25 de março e que foi atribuído ao suicídio do piloto.
Esses números demonstram que 2015 foi o ano mais seguro da história da aviação quanto ao número de acidentes fatais e o quinto ano mais seguro em termos de número de mortos. Só para comparar, a média dos últimos 10 anos para vôos com passageiros é de 605 fatalidades/ano. O pior ano foi o de 1972 com 2429 mortes, seguido de 1985 quando ocorreram 2391 fatalidades (vide figura abaixo).
Para ver a importância relativa desses números, vamos comparar com o surto de Ebola no noroeste da África durante o ano de 2014. Segundo relatório da OMS do final de dezembro de 2014, foram registradas 7693 mortes pela doença naquele ano. Vamos comparar com outra estatística mais próxima, que são as mortes por dengue em nosso país. Em 2015, até a semana epidemiológica 48 (05/12/2015) foram 839 mortes por dengue confirmadas. Isso é quase o dobro das fatalidades na aviação do mundo inteiro em 2015.
Risco de morte em vôos e nas internações
Segundo estimativas da International Civil Aviation Organization, ocorreram em 2015 cerca de 34 milhões de vôos comerciais por ano com mais de 3,3 bilhões de passageiros. O risco é de um acidente fatal com vôo de passageiros a cada 4.857.000 decolagens (foram apenas 7 em 2015). Simplesmente algo ULTRA-SEGURO. Já na nossa realidade de assistência em saúde, já vimos que no Brasil o número de mortes por eventos adversos evitáveis supera a casa de 227 mil por ano. Só para fazer uma comparação grosseira, como em nosso país ocorrem cerca de 18 milhões de internações/ano, o risco é de uma morte por evento adverso evitável a cada 79 internações (as internações são nossas “decolagens” no sistema de saúde). Transporte essa estimativa para o hospital onde você trabalha e ficará fácil saber quantos pacientes morrem por ano desnecessariamente em sua instituição.
Se assim como na aviação, toda grande fatalidade na área de assistência em saúde virasse notícia, a imprensa não teria espaço para divulgar tudo que ocorre. E a verdade é que continuamos muito distantes do que a aviação já conseguiu fazer em termos de segurança. Não conseguimos decolar.
Se estivéssemos na aviação, seríamos como pilotos cegos colocados em aviões com peças faltando, pressionados para decolar em uma pista esburacada e sob uma tempestade cataclísmica. E com tudo isso teríamos que conseguir levantar vôo e pousar em segurança no nosso destino. Falta muito ainda para voarmos com segurança em um “Céu de Brigadeiro”, não acham? Apenas desejo que ninguém perca a esperança de conseguir modificar esse cenário, de conseguir promover qualidade na assistência em saúde, de atingir níveis de segurança do paciente igualáveis a outras atividades humanas.
Boa sorte para todos nós.
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