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Avaliação de dor: patologia psíquica tem face nova?

Avaliação de dor: patologia psíquica tem face nova?
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Quando percorro caminhos da avaliação de dor, condição inerente da existência humana, compreendo-a como função importante da comunicação, da avaliação da pessoa com base em seu comportamento ou sinais de expressão.

 

Por Fátima Faleiros Sousa*

Fazem-se imprescindíveis a empatia (como se estivesse no lugar do outro), o interesse, o acolhimento, a sensibilidade de escuta qualitativa, que respeita o significado da dor do outro e, assim, o outro, em sua dignidade de ser no mundo, na sua essência. Mundo este de ambivalências, de dor e de prazer, de tristezas e de alegrias, de satisfações e de não satisfações, cuja maturidade e desenvolvimento possibilitam suportar esses encontros e desencontros e limites que há dentro de nós mesmos.

Demarco aqui o fato de que nós nos fazemos por meio da palavra – com seu inerente poder criativo e destrutivo – e, no entanto, não somos educados para escutar o que dizemos. Assim, poucos são capazes de escutar-se e esta pode ser a maior causa de conflitos entre as pessoas e os povos.

Dificilmente uso de verdades absolutas. Permito-me utilizar agora o sempre, pois a dor física tem mesmo sempre sofrimento psíquico importante. E é sobre ele que gostaria de falar.
Sobretudo, a função da dor é de alertar sobre nosso estado, nossa possibilidade de dano até a efetividade do mesmo. Acredito que haja uma linha tênue entre a possibilidade de loucura e a incapacidade de suportar dor, frustrações, enfim, a dor de existir em mundo ambivalente, de paradoxos.

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E fico pensando neste momento histórico, no qual a adolescência, fase do ciclo vital, parece ser compreendida com tanta importância, neste contemporâneo caracterizado pela pornografia agressiva ao corpo em detrimento do erotismo, pelo sexo em detrimento da sexualidade, cuja prática é de alteridade, de respeito ao outro, filtra a significação pessoal e coletiva, variáveis estas que deveriam estar na ordem do dia. A cultura dos adolescentes, cujo hedônico é emergente, a felicidade e o prazer entendidos só como direito, mas distantes da satisfação (alienação), leva-me a perguntar: qual a capacidade desses jovens em desenvolver-se nas ambivalências do prazer e da dor, sendo a dor mais intensa quanto maior o dano que suportamos?

Nossa mente evolui em consequência, fundamentalmente, das experiências emocionais, dos diálogos que sensibilizam o outro, dos limites transmitidos pelos pais, pela disciplina, pela gentileza, pelo ensino permeado pela afetividade, pelas gerações, pela historicidade, pelas histórias contadas, pelos presentes, que são embalagens do amor que vem dentro, cujas referências estamos perdendo pela falta de tempo, pelas estratégias de um capitalismo que modula cérebro e mente a se desviarem do que é importante: o afeto, a construção de vínculos, o desenvolvimento de projetos de vida, a lição de humanidade, de sentido de vida, o processo de amar, cuja profunda relação de confiança e de liberdade só a competência faz permanecer, mesmo que a dor tenha que ser enfrentada, pois ela se demarca na busca do outro, desse amor, da autenticidade na relação com o outro. A incompetência, muitas vezes, permanece nas relações pelos jogos de interesse, pelo dinheiro, pelo poder que não seja para servir, pelo medo da solidão, pela banalização da sexualidade.

Alguns colegas falam hoje de uma patologia psíquica nova. Não a entendo nova, mas com face nova: com características de um tempo capitalista, acometendo os acumuladores, cujos impulsos de vida foram reduzidos a tais impulsos somente. São pobres de experiências emocionais, da capacidade de enfrentar a dor de relacionar-se com o outro no amor, de enfrentar o imprevisível, da capacidade de controlar os impulsos, da capacidade de tolerar frustrações.

Sua busca traduz-se no nada por meio da expressão dolorosa de acumular dinheiro, animais, coisas diversas, sujeiras, cuja avareza (alguns são inclusive usurpadores e projetam-se no mundo, onde todos querem roubá-lo) reflete-se também na incapacidade criativa, na ruminação de ideias, no isolamento social. Mais triste ainda é perceber a capacidade de manipulação, muitas vezes de perversão sexual e/ou de desamor ao humano, justificado pela dita compaixão ao animal.

Não conseguem tomar consciência sobre os motivos que os obrigam a acumular, causando danos ao seu hábitat, aos relacionamentos familiares, sociais e a si próprios. Há aqueles que também acumulam sexo. Eu os incluiria nessa patologia também, se a intenção for exibir o número de relações, seja qual for a justificativa, mentirosa ou não.

Trata-se não de necessidade física ou real do compulsivo, mas de desejo de ter, que como tal jamais será satisfeito, pois é a busca do nada. Esta é, para mim, uma importante expressão de dor. Cumpre mencionar que tudo o que aqui citei refere-se à patologia que, de maneira gritante, impede o funcionamento saudável do humano, e não àqueles que têm o cuidado natural às plantas, aos animais e à natureza em si, com o propósito de preservá-los, o que significa o cuidado e a preservação do próprio homem, pois tudo está no mundo interligado por uma teia única e complexa.

Finalmente, cito outras expressões de dor. Na arte, o quadro O grito, pintado por Munch, simbolizando a angústia, e Guernica, por Picasso, simbolizando, no horror destrutivo da guerra, principalmente a dor da perda do filho, a mais severa das dores do existir; o filme Os miseráveis, inspirado em clássica obra do escritor Victor Hugo, as inúmeras músicas e poesias.  Cito o alcoolismo, o tabagismo, o uso de drogas ilícitas, as parafilias, a inveja, a violência, a calúnia, a corrupção, o assédio moral, a trama, o preconceito, a discriminação, a não aceitação das diferenças, o abuso da verdade absoluta, a destrutividade, a ignorância, o medo da morte, o arrependimento, a injustiça, a perda de saúde, o amor não correspondido, o abandono de filhos, a resistência, as catástrofes, as posturas antiéticas, dentre outras.

Agora digo, há uma dor que permanece: a da cadeira vazia. Então, que sejamos capazes de pensar sobre o que estamos fazendo daquilo que é nosso bem maior: a vida.

Encerro parafraseando Sócrates: “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”. Afinal, Sócrates, não sabemos o que não sabemos, não é?

*Fátima Faleiros Sousa é Professora Titular da Universidade de São Paulo e líder do Laboratório de Psicofísica Clínica e do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa na linha Avaliação e Mensuração de Dor.

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