Especialista em qualidade e segurança do paciente, Camila Sardenberg traça um panorama atual de como as instituições de saúde devem encarar o tema
Ter foco no paciente dentro de um hospital é o que pode promover uma verdadeira revolução na saúde do Brasil. E para que isso caminhe, faz-se necessário calcar a qualidade e a segurança do paciente em três pilares: acreditação e certificação, melhoria de qualidade e planejamento. “Esta é a trilogia da qualidade ou a trilogia de Juran, um dos maiores e mais profícuos pensadores da gestão da qualidade, que a desenvolveu na década de 1980”, sinaliza Camila Sardenberg, diretora Corporativa de Qualidade e Segurança da Associação Congregação de Santa Catarina, uma instituição que envolve Saúde, Educação e Assistência Social.
Confira a entrevista exclusiva ao IBSP.
IBSP – Quando despertou seu interesse por segurança do paciente?
Camila Sardenberg – Meu interesse pela qualidade e segurança do paciente foi despertado pelos modelos de avaliação externa da qualidade (acreditação hospitalar e certificações) que passaram a ocupar espaço de destaque nas organizações de saúde no Brasil no final dos anos de 1990. Eu já estava na vida profissional, longe da faculdade de medicina. Segurança do paciente, uma das dimensões da qualidade no cuidado, é hoje encarada como uma disciplina com enorme arsenal de conhecimento e capaz, em minha opinião, de revolucionar o cuidado de saúde.
IBSP – Qual o impacto de um hospital ter uma profissional com um cargo de diretoria na área de Segurança do Paciente?
Camila Sardenberg – É claro que a existência de uma Diretoria de Qualidade e Segurança do Paciente indica que a instituição trata o assunto como prioridade. Mas compreender o que a instituição entende como papel desta diretoria é fundamental. Delegar a esta diretoria apenas os processos de acreditação e certificação revela uma visão um pouco míope. É colocar todas as fichas no controle, na inspeção. A gestão da qualidade envolve, além do controle, mais dois processos: a melhoria de qualidade e o planejamento (inovação, desenho de processos e sistemas). Esta é a trilogia da qualidade ou a trilogia de Juran, um dos maiores e mais profícuos pensadores da gestão da qualidade, que a desenvolveu na década de 1980.
Na Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC), decidimos focar nossos esforços, nesse momento, na melhoria da qualidade. Estamos investindo na formação de equipes orientadas para a melhoria e para a segurança do paciente. Precisamos sair do pensamento comum, convencional, que entende que qualidade sai caro, significa mais funcionários, mais inspeção e mais tecnologia.
IBSP – Quais os principais desafios de implementar as políticas de segurança em um hospital?
Camila Sardenberg – O principal desafio e a chave do sucesso estão na liderança. Se a liderança não souber desempenhar o seu papel, nada feito. Nosso objetivo é desenvolver líderes de alto impacto. Segundo o Institute for Healthcare Improvent (IHI), uma liderança de alto impacto tem cinco comportamentos fundamentais: centralidade na pessoa – ser consistente nas palavras e ações; engajamento da linha de frente – ser uma presença regular e autentica na linha de frente e um defensor visível da melhoria; foco incansável – manter-se na direção da visão e da estratégia da organização; transparência sobre os resultados, objetivos, avanços e falhas; e ausência de fronteiras – praticar o pensamento sistêmico e a colaboração entre os diversos setores.
Referência: “High Impact Leadership” escrito por Stephen Swensen, Michael Pugh, Christine McMullan e Andrea Kabcenell e publicado como White Paper do IHI disponível na íntegra em www.ihi.org).
IBSP – Qual o impacto financeiro da segurança do paciente? É um investimento que todo hospital deve fazer?
Camila Sardenberg – Essa é uma questão importante. Repare como as nossas previsões são pouco precisas. Vamos pegar o exemplo da publicação “Errar é Humano”. A conclusão foi de que o sistema de saúde nos EUA era responsável por entre 44.000 e 98.000 mortes por ano. Se eu disser para o meu chefe que o investimento que faremos este ano vai custar algo entre 1 e 2 milhões de reais ele vai me dizer, com razão, para eu voltar para a minha mesa refazer as contas. Tudo bem, estou exagerando. Calcular o custo de um evento médico envolve um número muito maior de variáveis. Além disso, há muitas maneiras de medir o mesmo evento, vários modelos de remuneração. Mas por isso mesmo, precisamos investir no desenvolvimento de métricas mais precisas. As contas que fazemos hoje, ainda que imperfeitas, revelam que o investimento em qualidade e segurança tem retorno: salva vidas e reduz, e muito, o desperdício. Acredita-se, e lá vamos nós de novo com nossas previsões imprecisas, que o desperdício na saúde fique em torno de 35%. Isso inclui uso excessivo e desnecessário de recursos (sobre utilização) como exames e tratamentos, o custo para tratar erros médicos, indenizações, fraudes e o custo de falta de eficiência do sistema que convive ainda com grande variação da prática médica. Então, respondendo a sua pergunta, investir em qualidade e segurança não é apenas uma questão moral, mas uma questão de sustentabilidade para todas as instituições de saúde.
IBSP – Nos anos de dedicação a segurança do paciente, o que aprendeu? Quais lições pode tirar?
Camila Sardenberg – Bem, praticamente todo o conhecimento técnico que utilizo hoje no meu trabalho aprendi fora da faculdade, na vida profissional, em cursos e muito estudo. Ou seja, esta é uma disciplina nova que é capaz de revolucionar o cuidado de saúde. Ainda é um nicho. Somos poucos especialistas e, aqui no Brasil, ainda estamos muito preocupados com o controle da qualidade, com as certificações e acreditações. Para muitos gestores, infelizmente, qualidade e segurança do paciente é isso. Mas sou otimista. Há uma nova geração, principalmente de médicos, que estão se interessando por esta disciplina e que tem se dedicado à divulgação do que fazemos. Digo isso porque nós, médicos, precisamos praticar a medicina de uma maneira totalmente diferente do que fomos ensinados até agora.
IBSP – Como você enxerga o sofrimento do paciente?
Camila Sardenberg – Isso pode parecer piegas, e um tanto óbvio, mas por muito tempo evitamos enfrentar o pior dos inimigos: o sofrimento. Combater doenças pode ser muito difícil, mas combater o sofrimento deveria ser o nosso principal objetivo. E o sofrimento vem em diversas modalidades. Há o sofrimento causado pela doença em si (dor, desconforto, falta de ar, ansiedade), o sofrimento causado pelo tratamento (complicações e efeitos colaterais) e o sofrimento causado pelo sistema de saúde. Longas esperas, atrasos, barulho, informações insuficientes e conflitantes e exames desnecessários também causam sofrimento e deveriam receber a nossa mesma atenção. Trabalhar no sistema de saúde requer esforço físico, intelectual e, principalmente, emocional.
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