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Aspirina na prevenção primária cardiovascular: novos estudos dizem não

Aspirina na prevenção primária cardiovascular: novos estudos dizem não
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Comprimidos de aspirina. Para prevenção secundária, benefícios são bem estabelecidos. Na primária, riscos parecem superar possíveis vantagens (Bigstock)
Comprimidos de aspirina. Para prevenção secundária, benefícios são bem estabelecidos. Na primária, riscos parecem superar possíveis vantagens (Bigstock)

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O uso de aspirina para reduzir riscos de eventos cardiovasculares em pacientes que já sofreram infartos ou acidentes vasculares isquêmicos é bem estabelecido cientificamente. O mesmo não se aplica ao uso da substância para evitar eventos cardiovasculares em pessoas com baixo risco. Nas últimas décadas, a publicação de estudos com resultados desencontrados para esses casos dificultou estimar a relação entre os benefícios trazidos pelo uso preventivo de baixas doses de ácido acetilsalicílico e os possíveis riscos. No último mês, a publicação de uma série de estudos em algumas das mais respeitadas revistas médicas do mundo ajudou a definir com mais precisão o efeito da aspirina na prevenção primária. E os resultados não foram animadores.

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O The Lancet publicou em 22 de setembro as conclusões do ARRIVE, um ensaio clínico que acompanhou por cinco anos mais de 12 mil pacientes, entre homens acima de 55 anos e mulheres acima de 60 anos (1). O estudo foi feito em sete países (Alemanha, Itália, Irlanda, Polônia, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos), e dividiu os voluntários em dois grupos: o que tomava doses diárias de 100 mg de ácido acetilsalicílico e o que tomavam placebo. A divisão foi feita aleatoriamente e nem pesquisadores nem os sujeitos de pesquisa sabiam quem estava em qual grupo (era estudo randomizado duplo cego). A ideia inicial dos pesquisadores era avaliar os efeitos da aspirina em pacientes com risco moderado – um recorte que eles consideram pouco investigado. Mas, ao analisar a incidência de eventos cardiovasculares no grupo que tomou o comprimido placebo e perceber que ela era muito menor do que a esperada, os investigadores concluíram que a amostra representava um grupo de baixo risco.   

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Outras duas pesquisas, integrantes do estudo chamado ASPREE, foram publicadas no The New England Journal of Medicine (NEJM), em 16 de setembro, e se referem a um grupo mais velho de pacientes. Participaram desses ensaios voluntários com mais de 70 anos (ou de 65, no caso de participantes negros e hispânicos), que nunca tivessem sido diagnosticados com um doença cardiovascular e que não tivessem sinais de algum tipo de demência ou limitação física. No total, foram quase 20 mil voluntários dos Estados Unidos e da Espanha. O método usado foi semelhante ao do ensaio ARRIVE: divisão entre o grupo que tomava placebo e o grupo que usava aspirina, sem ninguém saber quem estava em qual. Em média, os idosos foram acompanhados por 4,7 anos.

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Em linhas gerais, o ARRIVE e o ASPREE mostraram que doses diárias de 100 mg de aspirina não resultaram em menos eventos cardiovasculares em adultos com baixa risco para doenças cardiovasculares ou em idosos com mais de 70 anos. Também não fizeram diferença para aumentar o tempo de vida sem limitações entre os idosos (2). Porém, nesses dois grupos, um evento adverso bem conhecido, decorrente do uso do ácido acetilsalicílico, – o risco de sangramentos – foi observado consistentemente. No estudo com adultos de baixo risco, ocorreram 61 sangramentos (na maior parte dos casos, de leve intensidade) contra 29 no grupo do placebo. Na amostra de voluntários mais velhos, a incidência de grandes hemorragias (estomacais e intracranianas) dentro do grupo da aspirina foi de 10,7 eventos para cada 1.000 anos acompanhados (somatória do tempo em que os voluntários passaram no estudo) e de 6,2 eventos no grupo do placebo. O risco não diminuiu com o uso prolongado (3).

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Os resultados sugerem que, no balanço entre benefícios e desvantagens da aspirina como prevenção primária, a margem para benefícios seja muito mais apertada do que se pensava. No caso da população idosa, não restam muitas dúvidas para os pesquisadores de que, apesar de a ocorrência de eventos hemorrágicos não ser alta, o risco preocupa em razão de a prática ser disseminada. “Como esse ensaio recrutou idosos da população em geral, é provável que os resultados sejam extensamente aplicáveis a idosos saudáveis, que são tipicamente considerados para prevenção primária de doenças cardiovasculares”, escreveram os pesquisadores.

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Além do já conhecido risco de sangramento, um novo achado no estudo com a população idosa intrigou os pesquisadores. Ao avaliar a mortalidade, os pesquisadores perceberam que o risco de morte era maior entre os tomavam aspirina do que entre os que usavam placebo. No primeiro grupo, o risco de morte por qualquer causa era de 12,7 eventos para cada 1000 anos acompanhados (somatória do tempo que os voluntários do grupo passaram no estudo), enquanto que no grupo do placebo era  11,1 eventos. A análise das causas de morte revelou a diferença se dava por conta de um fator: mais voluntários que tomaram aspirina morreram de câncer (3,1%) do que os usaram placebo (2,3%). “Câncer foi a principal causa de mortalidade no grupo da aspirina”, escreveram os pesquisadores. “Esse resultado foi inesperado e deve ser interpretado com cautela” (4). Ou seja: são necessários outros estudos, desenhados especificamente para confirmar ou não essa associação – afinal, ela pode ser incidental.

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Os resultados dessa nova leva de estudos foram um pouco mais animadores para a prevenção primária em pessoas com diabetes. Em 26 de agosto, o NEJM publicou uma pesquisa que acompanhou mais de 15 mil pessoas com diabetes, também divididas entre dois grupos: um de uso diário de aspirina e outro de placebo. No ensaio, chamado ASCEND, os voluntários foram acompanhados, em média, por 7,4 anos. Entre os que usaram o ácido acetilsalicílico, a incidência de eventos, como infartos e acidentes vasculares cerebrais foi menor do que no grupo placebo (8,5% versus 9,6%). Porém, a ocorrência de grandes hemorragias também foi maior (4,1% versus 3,2%), impondo uma desvantagem considerável ao uso da aspirina como prevenção primária entre diabéticos. “Os benefícios absolutos foram amplamente contrabalançados pelo risco de sangramento”, escreveram os autores (5).

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A divulgação dos novos dados pode suscitar nos pacientes que se encaixam nessas categorias o ímpeto de suspender por conta própria o uso preventivo da aspirina. Vale lembrar a eles que o acompanhamento médico para tomar a decisão é imprescindível, já que um levantamento do ano passado, publicado na revista Circulation, mostrou que a descontinuação aumentou em 37% a taxa de eventos cardiovasculares. A causa seria o chamado efeito rebote, quando a suspensão das doses de aspirina provocam aumento dos níveis de tromboxano, um tipo de lipídio que favorece a agregação plaquetária (6). A análise foi feita a partir de dados de mais de 600 mil pacientes suecos com mais de 40 anos, que usavam doses diárias de 80 mg de ácido acetilsalicílico.

SAIBA MAIS

(1) Gaziano, J Michael; et al. Use of aspirin to reduce risk of initial vascular events in patients at moderate risk of cardiovascular disease (ARRIVE): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. The Lancet. (2018)  Vol 392, I 10152, P1036-1046, doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31924-X

(2) McNeil JJ, Woods RL, Nelson MR, et al. Effect of aspirin on disability-free survival in the healthy elderly. N Engl J Med. (2018) DOI: 10.1056/NEJMoa1800722.

(3) McNeil JJ, Wolfe R, Woods RL, et al. Effect of aspirin on cardiovascular events and bleeding in the healthy elderly. N Engl J Med. (2018) DOI: 10.1056/NEJMoa1805819.

(4) McNeil JJ, Nelson MR, Woods RL, et al. Effect of aspirin on all-cause mortality in the healthy elderly. N Eng J Med. (2018) DOI: 10.1056/NEJMoa1803955.

(5) The ASCEND Study Collaborative Group. Effects of Aspirin for Primary Prevention in Persons with Diabetes Mellitus.  N Eng J Med. (2018) DOI: 10.1056/NEJMoa1804988

(6) Sundström, Johan; et al. Low-Dose Aspirin Discontinuation and Risk of Cardiovascular Events. Circulation. (2017). Vol, 136, Nº 13. doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.117.028321

 

 

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