A crise desencadeada pela COVID-19 mostrou que o mundo ainda precisa encarar diversas fragilidades na cadeia global de suprimentos de saúde. A escassez de produtos médicos e hospitalares foi um problema para muitos países. No Brasil, todos se lembram da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), das mortes ocasionadas pela escassez de oxigênio e das dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde que tiveram de lidar com estoques baixíssimos de medicamentos, inclusive para sedação e intubação dos pacientes acometidos pelo novo coronavírus.
Essa escassez afeta a segurança de todos os envolvidos na assistência. Se faltam máscaras e luvas, por exemplo, os profissionais de saúde ficam ainda mais expostos à contaminação. Além do risco à saúde desses trabalhadores, o afastamento deles do trabalho impacta a dinâmica dos atendimentos, principalmente quando a demanda está muito acima da média, cenário visto continuamente durante a pandemia.
Paralelamente, a falta de tantos outros suprimentos, dispositivos, produtos e medicamentos atrapalha os tratamentos e os atendimentos gerais. Durante a crise de COVID-19, por exemplo, não foram apenas os pacientes infectados que foram prejudicados pelos baixos estoques. Se faltava oxigênio para a ala COVID-19, também faltava para todo o restante do hospital.
Mas apesar do debate sobre a segurança do paciente estar crescendo e ganhando corpo, a vulnerabilidade da cadeia de suprimentos pouco tem aparecido nas discussões. Erros em medicamentos são alguns dos mais avaliados. Porém, muito se discute sobre erros desencadeados por falhas na rotulagem dos produtos e pouco se discute sobre erros em decorrência da ausência desses produtos.
Dessa forma, o debate sobre a segurança do paciente não pode deixar de envolver as discussões sobre como sanar os problemas relativos a estoques.
Um artigo publicado no BMJ Quality & Safety aborda a resiliência da cadeia de suprimentos e relata que a escassez de produtos de saúde é resultado de uma combinação de erros ativos e latentes já observados em investigações de incidentes de segurança críticos. O artigo considera duas vertentes principais para a vulnerabilidade desse mercado: ameaças à fabricação dos produtos e ameaças à disponibilidade local.
Quando pensamos em problemas relativos à indústria, precisamos lembrar que não somente uma pandemia pode afetar a fabricação de produtos de saúde. Antes da COVID-19, por exemplo, o furacão Maria, ocorrido em 2017 na região do Caribe, transformou uma escassez crônica de soluções salinas estéreis para administração intravenosa em uma escassez aguda quando, por conta do fenômeno natural, a fabricação que estava limitada à Porto Rico foi impactada.
Esse é um exemplo de como a concentração das fabricantes desses produtos em determinadas regiões é prejudicial, porém não é o único gatilho capaz de impactar o consumo. Além disso, quando poucas empresas dominam a produção, os riscos se multiplicam, visto que essas companhias podem inclusive optar por encerrar suas atividades. Isso muitas vezes ocorre no cenário nacional quando se trata de medicamentos mais antigos, com patente já quebrada há muito tempo, e de baixo interesse comercial.
Do outro lado, mesmo com a fabricação organizada e acertada, outros problemas podem surgir impactando a disponibilidade. A logística é um desses pontos. Durante a pandemia, por exemplo, houve uma limitação generalizada de movimento, incluindo a redução das linhas aéreas. Esse fato corrobora com a escassez principalmente dos países que, como o Brasil, são dependentes de importações.
Não podemos deixar de citar também exemplo recente na nossa história. Em 2018 vivenciamos a greve dos caminhoneiros, chamada de “Crise do Diesel”, que impactou sobremaneira a distribuição de diversos produtos, incluindo aqueles da cadeia de saúde.
Como solucionar
Quando a escassez acontece, gestores e profissionais de saúde precisam driblá-la de forma reativa. Na pandemia, isso incluiu mudar algumas rotinas para conseguir economizar os equipamentos de proteção individual, por exemplo. Para isso, muitas organizações passaram a reutilizar esses equipamentos, que antes eram descartáveis, ou prolongar o seu uso. Porém, os riscos dessas atitudes ainda não são bem conhecidos.
Justamente para evitar que esse cenário se repita diante de novas crises que impreterivelmente surgirão ao longo dos anos, é preciso trabalhar a raiz dos problemas. Assim como muitos dos eventos adversos que colocam em risco a segurança dos pacientes, a escassez de produtos de saúde pode ser evitada por muitas frentes. O estudo destaca alguns pontos importantes para serem revistos:
- Sanar questões regulatórias que dificultam a concorrência, limitando a fabricação pulverizada;
- Ampliar o investimento em produtos médicos não descartáveis;
- Aumentar o interesse em hardware de código aberto e gratuito para fabricação local;
- Reduzir a dependência de importações.
Assim, sugere-se que a pandemia ligou alguns holofotes sobre o problema e, agora, é necessário trabalhar para solucionar esses entraves evitando que os mesmos erros possam voltar a atrapalhar as dinâmicas assistenciais.
Referências:
(1) Vulnerability of the medical product supply chain: the wake-up call of COVID-19
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