Um estudo interessante, recém-publicado no BMJ Quality & Safety, oferece uma análise detalhada de quais fatores dentro do centro cirúrgico têm maior impacto em distrações que podem levar a erros (1). Os autores, arquitetos, engenheiros e psicólogos da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, armaram uma espécie de Big Brother em três salas de cirurgia. Eles gravaram 28 operações, usando câmeras em quatro ângulos diferentes, para captar toda a movimentação pelo espaço.
INSCRIÇÕES ABERTAS – IV Simpósio Internacional de Qualidade e Segurança do Paciente
A bisbilhotice, nesse caso, é cientificamente justificável. Estudos anteriores sugerem que a ocorrência de pequenas e grandes interferências aumentam o risco de erros e desfechos desfavoráveis. Em um estudo de 173 operações de defeitos cardíacos congênitos, a ocorrência de interrupções foi relacionada a mortes ou a incidentes que não causaram danos (2). Outros levantamentos também já associaram a maior ocorrência de interferências a erros, aumento do estresse da equipe e do tempo de duração da cirurgia (3-6).
No novo estudo, os pesquisadores flagraram 2.504 de interrupções no fluxo de trabalho ao longo das 28 operações. Elas foram causadas por diferentes tipos de interferências: mau funcionamento de equipamentos, procura por itens, abertura de portas, conversas irrelevantes. A maior parte das interferências (76%) foi classificada como pequena: não causou discussão, mudança de comportamento ou de ação entre membros da equipe. As outras 26% restantes foram consideradas de grande porte: fizeram um ou mais integrantes da equipe se distraírem ou interromperem suas tarefas.
Um achado incidental revelou uma interação curiosa. A chance de uma grande distração ocorrer crescia com o aumento de interrupções menores, ainda que o estudo sugira que essa relação não é perfeitamente linear. É como se os pequenos eventos criassem uma cascata de quebra de concentração, desgaste ou de perturbação no encadeamento das atividades que levassem à ocorrência de uma grande interferência.
As origens da desconcentração
O layout do centro cirúrgico é a razão tanto das grandes (56%) quanto pequenas interferências (69%): os profissionais precisam se adaptar a um espaço inadequado, a visibilidade é ruim ou a posição de conectores, mobiliário, equipamentos e outras estruturas fixas causam transtornos.
O segundo maior fator é diferente para as grandes e as pequenas interrupções. Cerca de 30% das grandes interferências são causadas por dispersão: a equipe cirúrgica se desconcentra por ligações ou por olhar celulares pessoais, por causa de pessoas não necessárias dentro do centro cirúrgico, em razão de trocas de turno, aberturas de portas ou pela procura por instrumentos e equipamentos. Nas pequenas interrupções, a segunda maior causa são obstáculos ambientais: como tropeçar, escorregar, manipular instrumentos corto-perfurantes, colidir com outros membros da equipe ou fazer esforço excessivo para alcançar o paciente, os instrumentos e equipamentos.
A geografia das distrações
Entender a razão das interferências é importante para a adoção de medidas que visem coibir algumas ações e também melhorar a funcionalidade do centro cirúrgico. Mas, para isso, também é necessário analisar em que áreas da sala de operação essas interferências mais acontecem, algo com que o novo estudo também se preocupou.
Cerca de 80% de todas as interrupções estão concentradas na área de trabalho da anestesia, além de nas regiões que os pesquisadores chamaram de zonas de transição (imediatamente após a área da mesa de cirurgia) e na própria região da mesa cirúrgica. Só a área da anestesia corresponde a 30% das ocorrências , apesar de costumeiramente representar menos de 10% da área física do centro cirúrgico.
Uma análise mais profunda das causas das interrupções dentro dessas regiões críticas aponta como responsáveis o layout da estação de trabalho da anestesia, de onde vem 21% das interrupções; o layout do entorno da mesa cirúrgica, responsável por 14,2% das interrupções, e as fontes de desatenção (celulares, conversas etc..) na anestesia (7%), ao redor da mesa (8,5%) e na área de circulação após o pé da mesa (4,5%).
Os resultados do estudo, apesar de terem surgido a partir da observação de diferentes cenários, talvez não se apliquem a todas situações cirúrgicas. “O crescente corpo de literatura indica claramente que os tipos de interferêcnias que afetam o desempenho variam entre os contextos”, escreveram os pesquisadores Douglas A. Wiegmann e Thoralf M. Sundt, em um editorial sobre o novo levantamento (7). “Assim, é provável que não exista uma solução única”. Mas, além de fornecerem pistas sobre o problemas e possíveis medidas, dão ferramentas e métodos para avaliar se as modificações a serem adotadas surtirão efeito.
SAIBA MAIS
(1) Joseph A, Khoshkenar A, Taaffe KM, et al. Minor flow disruptions, traffic related factors and their effect on major flow disruptions in the operating room. BMJ Qual Saf 2018;0:1–8. doi:10.1136/bmjqs-2018-007957.
(2) de Leval MR, Carthey J, Wright DJ, et al. Human factors and cardiac surgery: a multicenter study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2000;119:661–72.
(3) Wiegmann DA, ElBardissi AW, Dearani JA, et al. Disruptions in surgical flow and their relationship to surgical errors: an exploratory investigation. Surgery 2007;142:658–65.
(4) Wheelock A, Suliman A, Wharton R, et al. The impact of operating room distractions on stress, workload, and teamwork. Ann Surg 2015;261:1079–84
(5) Gillespie BM, Chaboyer W, Fairweather N. Factors that influence the expected length of operation: results of a prospective study. BMJ Qual Saf 2012;21:3–12.
(6) 9 Zheng B, Martinec DV, Cassera MA, et al. A quantitative study of disruption in the operating room during laparoscopic antireflux surgery. Surg Endosc 2008;22:2171–7.
(7) Wiegmann DA, Sundt TM. Workflow disruptions and surgical performance: past, present and future. BMJ Qual Saf. Published Online First: 25 January 2019. doi: 10.1136/bmjqs-2018-008670
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