Um ano após a declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil enfrenta um novo pico de casos de COVID-19 e sucessivos recordes de óbitos. Chegamos, definitivamente, ao pior momento da pandemia até agora em nosso país e torna-se impossível não questionar as falhas e identificar os acertos nas estratégias de controle desse cenário.
Para ilustrar como o mundo vem lidando com o novo coronavírus, recentemente, Ian M. Mackay, virologista da University of Queensland, na Austrália, apresentou uma adaptação da Teoria do Queijo Suíço – modelo de causalidade para acidentes criado pelo professor inglês James Reason e que vem sendo amplamente utilizado nas estratégias de ampliação da segurança do paciente – à perspectiva pandêmica.
O infográfico por ele criado já foi traduzido para cerca de 20 idiomas e adaptá-lo à realidade brasileira pode trazer mais clareza quanto às ações que precisam ser criadas ou fortalecidas para que possamos vencer esse novo desafio. Minimizar os erros, fortalecer os acertos.
Na teoria de Reason, fatias de queijo suíço representam as barreiras que evitam a ocorrência de eventos indesejados. Porém, essas barreiras não são perfeitas e, no modelo por ele desenhado, os buracos tradicionais desse tipo de queijo representam erros ativos e condições latentes inseguras inerentes a qualquer ambiente, inclusive aos sistemas de saúde.
Ao enfileirar diversas dessas fatias, ou seja, ao investir em mais de uma barreira à falha, esses buracos isolados não desencadeiam, obrigatoriamente, um resultado ruim. Porém, se ocasionalmente esses buracos se alinham, surge a oportunidade ideal para um desfecho não pretendido. É quando surge um desfecho ruim, que aplicado à pandemia, pode ser traduzido como um novo caso de infecção ou de óbito pelo coronavírus.
Como essa teoria pode explicar o atual cenário nacional?
Vejamos quais são as barreiras para o melhor controle da pandemia de COVID-19. O primeiro conjunto de barreiras são aquelas que exigem uma maior responsabilidade individual, centrada em distanciamento social, uso de máscara, higiene das mãos e isolamento quando os sintomas surgem. O segundo grupo de barreiras, que envolve uma maior responsabilidade sistêmica, é composto por uma testagem ágil e acurada dos pacientes sintomáticos, o rastreamento de seus contatos, medidas de estímulo ao distanciamento social, eventual lockdown, e, agora, a vacinação.
Há, também, um terceiro grupo de barreiras, que é o ecossistema de resposta à pandemia. Aqui estão ações governamentais coordenadas (incluindo aquelas entre países), publicações de ensaios clínicos que tragam respostas quanto a potenciais medidas terapêuticas, além do posicionamento de entidades científicas e a comunicação em massa apoiada pela imprensa. Para fecharmos com um quarto conjunto de barreiras, as últimas “fatias de queijo”, temos a capacidade de resposta ao dano ou, em outras palavras, aquilo que precisa ser feito para que casos infectados não evoluam para óbito. Aqui temos a disponibilização de leitos e insumos hospitalares, garantia de oxigênio e ventilação mecânica, além de profissionais de saúde aptos e treinados para os atendimentos.
Mas, se sabemos quais são as barreiras capazes de evitar desfechos ruins, quais seriam as falhas? No Brasil, os buracos do queijo suíço se diversificam. Podemos apontar problemas em todos os níveis lembrando que o grau de certeza do impacto de cada medida de forma isolada pode variar, mas que o conjunto das medidas é que deve dar robustez ao controle da pandemia.
Individualmente, há comportamentos de risco que inclusive vêm sendo divulgados pela mídia como a promoção de aglomerações mesmo diante do aumento do número de casos ou, ainda, a banalização do uso de máscaras. No sistema, houve inicialmente uma indisponibilidade de exames para testagem em maior escala, além de ausência de uma política de rastreio ativo que impedisse que pessoas potencialmente infectadas circulassem e transmitissem o novo coronavírus. O ecossistema contou com falhas na coordenação de ações governamentais entre os diferentes níveis, mas também vivenciamos fenômenos claros de não valorização da ciência e ampla distribuição de fakenews.
Já no âmbito de resposta ao dano, lacunas surgiram pela falta de leitos, escassez de suprimentos, oxigênio e mesmo de profissionais que foram expostos a condições e rotinas de trabalho que causaram e continuam causando imenso desgaste físico, cognitivo e emocional.
Fundamentados na Teoria do Queijo Suíço, desenhamos a nossa atual realidade, envolvendo medidas que precisam ser tomadas ou fortalecidas e ampliando nossa consciência quanto às falhas ativas e condições latentes que nos levam a erros no desgastante combate à COVID-19. Agora o melhor caminho é fortalecer as barreiras e evitar que os buracos se alinhem. E, para isso, a responsabilidade é coletiva.
>> Confira AQUI vídeo gravado gravado por Lucas Zambon e baixe, AQUI, documento detalhado sobre a aplicação da Teoria do Queijo Suíço à realidade pandêmica
* Lucas Zambon é diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP) e membro do Conselho Científico da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp)
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