NOTÍCIAS

Segurança do Paciente

Como o Direito se relaciona com as questões de segurança do paciente

Como o Direito se relaciona com as questões de segurança do paciente
5
(3)

Incorporar uma cultura de aprendizado sobre as falhas humanas requer das instituições não só a Segurança do Paciente como objetivo organizacional, mas acima de tudo como ação individual, responsabilidade pessoal e profissionalismo

Por Karina Pires

Certamente todos os profissionais que já experimentaram do erro ou falha em sua atividade diária que possa ter ocasionado dano ou lesão persistente no paciente, conhecem a sensação de mal-estar e falta de acolhimento do sistema de saúde atual. Questionamos nossa competência, mas ao mesmo tempo tememos a possibilidade de sermos punidos, visto a imaturidade do contexto “Segurança do Paciente” que permeia a alta direção dos principais estabelecimentos de saúde.

Evitar abreviaturas e medidas não métricas previne erro em prescrição de remédios para crianças

Judicialização da saúde: é preciso saber escolher

“Pacientes em fim de vida precisam de um olhar mais humano”, diz médico

Posso descrever aqui diversas experiências quando ainda fazia parte da investigação de eventos adversos com dano grave e morte em uma rede de hospitais. Lamentavelmente, foram histórias reais marcadas por momentos de preocupação, medo, vergonha, indecisão, angustia, tristeza e dor.

Certa vez, fui chamada para analisar um prontuário de um paciente que evoluiu com desfecho desfavorável, ou seja, óbito. O primeiro passo foi a coleta de dados para identificação do paciente. Deparei-me com a história de um indivíduo do sexo masculino, de 42 anos, que morreu após aproximadamente 15 horas de internação por pneumonia, tendo passado por três vezes no pronto-socorro com a mesma queixa e liberado após atendimento.

De imediato, pensamos em sepse como a principal causa de complicação. Ao analisar as informações, constatamos não ser só sepse, mas sim uma série de eventos que ocasionou muitas falhas potencialmente evitáveis. É verdade que o caso era muito grave, mas tivemos a sensibilidade de entender que esta vida poderia ter sido poupada.

Em conversa informal com os profissionais que participaram do atendimento, ficou claro que tivemos diversas causas que deflagraram o evento adverso. Para a família na ocasião, dissemos que o caso era grave, e até gravíssimo. Para nossa consciência coletiva, o caso poderia ter evoluído com um desfecho muito mais favorável.

Pedido de desculpas

A vítima não é só o paciente e a família. O profissional de saúde, por sua vez responsável pelo resultado negativo do evento, torna-se “a segunda vítima” como descrita pelo autor Albert Wu em seu artigo “Medical error: the second victim”. BMJ, 2000. E quando falamos em “vítima”, também nos referimos às dimensões jurídicas que permeiam estes acontecimentos.

São poucos os profissionais que encaram a possibilidade de causar dano ou morte em outra pessoa com veracidade, embora a chance de isso ocorrer varia muito entre os diferentes níveis de complexidade do paciente e da assistência a ele prestada. Muitos erros não poderiam ser evitados, pois alguns são resultados de verdadeira incerteza do diagnóstico e outros na tomada de decisão que muda o curso da situação.

Por razões intrínsecas, nosso primeiro e imediato pensamento é condenar as pessoas que comentem falhas graves e causam lesões em outras pessoas. O impacto desse dano piora ainda mais quando é seguido por uma reclamação formal ou por um processo judicial.

Chegar nesta etapa torna o curso da situação um pouco mais complexo. O litígio pode ser muito desgastante e até traumático para a instituição, para o paciente, para a família e para os profissionais envolvidos.

Em muitos casos, o processo judicial é motivado principalmente por total falta de comunicação entre instituição e família. Por vezes causamos dano, levamos o paciente à morte por erro e nem ao menos declaramos um pedido de “desculpas” pelo ocorrido.

Quando o processo é iniciado, o objetivo principal é a busca por explicações e pelo nexo causal do evento, pelo reconhecimento do dano e, na minoria das vezes, por objetivos financeiros. Momento que poderia ser amenizado se tivéssemos incorporado antecipadamente uma política de assumir o erro e falar sempre a verdade usando de transparência na comunicação imediata com o paciente e família.

Ser franco sobre o erro, o problema e suas consequências, requer uma maturidade não só de Segurança do Paciente, mas de humildade, de cultura de segurança e de reconhecimento de risco.

Após 17 anos da publicação do “Errar é Humano” pelo Institute of Medicine, mudanças foram evidenciadas, movimentos mundiais fizeram parte desta narrativa, incorporamos medidas de melhoria da assistência, evoluímos para leis que nos obrigam a implementar um Programa Nacional de Segurança do Paciente, mas ainda não temos em nosso País um sistema que regula e nos obriga a relatar verdadeiramente os eventos adversos.

Comunicação direta
Nossas instituições precisam estudar com mais afinco estratégias para lidar com erro, com as lesões e suas consequências. Implantar políticas de revelação franca de problemas definidas antecipadamente pelo mapeamento de riscos e probabilidade dos erros ocorrerem.

Desenvolver também uma política de comunicação direta com o paciente e familiares, a fim de oferecer informação básica sobre a lei e o processo legal, com o objetivo de reduzir a ansiedade quanto a ação legal.

Educar nossos profissionais sobre o erro nas atividades humanas estimularia uma atitude um pouco mais realista e uma abordagem mais positiva e produtiva. Tenho por experiência profissional passada que a franqueza inicial nas discussões de eventos adversos faz com que esta ação seja discutida em novas ocasiões e torna-se uma prática de aprendizado contínuo.

A cultura da culpa será uma constante em nosso dia a dia. Com o passar dos anos, teremos novos profissionais chegando no mercado com o total desconhecimento a despeito do conceito de Segurança do Paciente e Qualidade na Assistência à saúde.
Incorporar uma cultura de aprendizado acerca de falhas dependentes de perfeição humana requer das instituições não só a Segurança do Paciente como objetivo organizacional, mas acima de tudo como ação individual, responsabilidade pessoal e profissionalismo.

Veja mais

Avalie esse conteúdo

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 3

Outros conteúdos do Acervo de Segurança do Paciente

Tudo
materiais-cientificos-icon-mini Materiais Científicos
noticias-icon Notícias
eventos-icon-2 Eventos

AVISO IMPORTANTE!

A partir do dia 1º de julho, todos os cursos do IBSP farão parte do IBSP Conecta, o primeiro streaming do Brasil dedicado à qualidade e segurança do paciente.

NÃO PERCA ESSA OPORTUNIDADE E CONHEÇA AGORA MESMO O IBSP CONECTA!