Uma das ações realizadas com mais frequência nos serviços de saúde guarda grandes riscos de erros. Estima-se que cerca de 4.000 transições de cuidados – a passagem de informações sobre pacientes entre plantões ou unidades de internação – aconteçam por um dia em um hospital (1). É a partir desse momento que sintomas que exigiriam acompanhamento deixam de ser monitorados, que terapias em andamento são esquecidas e descontinuadas, que exames que precisariam ser feitos são ignorados. Ferramentas para evitar lacunas de informação, conhecidas por siglas como SBAR e I-PASS, já são uma exigência de muitas acreditações e podem, inclusive, agilizar as passagens de plantões. A JCI (Joint Commission International Accreditation Standards for Hospitals) recomenda o uso de mnemônicos (abreviações que guardam dicas de ações a serem lembradas), como estratégia para melhorar a transição de cuidados (2). (continua)
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Nos Estados Unidos, as falhas de comunicação na transição dos cuidados estão na raiz de 30% das acusações de erros e más práticas. Em cinco anos, causam mais de 1.700 mortes e correspondem a US$ 1,7 bilhões de custos de processos de negligência profissional (3). Ainda sim, são poucas as instituições que adotam um método para estruturar e aprimorar o momento da transição do cuidado. Um levantamento realizado pelo Conselho de Credenciamento para a Educação Médica de Pós-Graduação (ACGME, na siglas inglês), órgão que avalia e credencia a residência médica e programas de estágio nos Estados Unidos, mostrou que 70% das instituições não têm esse processo padronizado (4).
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A SBAR é uma das ferramentas de comunicação estruturada mais famosos em razão de sua simplicidade, o que não quer dizer que os profissionais não precisem de treino para incorporá-la a sua maneira de se comunicar. SBAR é um mnemônico para Situação, Breve Histórico, Avaliação e Recomendação. Isso significa que toda a comunicação durante a transição de cuidado deve ser estruturada seguindo essas categorias. Primeiro, identificar-se, identificar o locutor e descrever em uma frase simples e clara a situação atual. Depois, um breve contexto/histórico da situação. Em seguida, cabe uma análise sobre a situação e seus desdobramentos futuros, finalizada com a sua recomendação.
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“O processo de comunicação precisa incluir os fatos relevantes, ser compreensível e conciso, para evitar perda de tempo e de atenção”, afirma a enfermeira Sandra Cristine da Silva, gerente de enfermagem da Rede D’OR São Luiz – Unidade Itaim, que adotou o método SBAR. Durante o II Seminário Internacional de Enfermagem para Segurança do Paciente, realizado em outubro do ano passado pelo IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Sandra apresentou um exemplo bastante prático de como deve ser a comunicação com SBAR entre dois profissionais de saúde:
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A SBAR não foi desenvolvida a princípio para uso em saúde, mas sim, para uso militares, na comunicação entre oficiais dentro de submarinos. Em 2002, no Estado do Colorado, ela foi incorporada pelo médico Michael Leonard e seus colegas Doug Bonacum e Suzanne Graham, do Kaiser Permanente, um plano de saúde americano, como ferramenta de comunicação para as equipes de resposta rápida. O propósito da SBAR serviu tão bem às necessidades dos profissionais de saúde que passou a ser um dos mnemônicos mais usados em serviços de saúde.
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Um dos levantamentos mais recentes sobre o impacto da aplicação da SBAR e de metodologias derivadas (ISBAR, SBAR-R, ISBARR e ISOBAR) na saúde encontrou evidências moderadas sobre a melhora dos desfechos após a adoção da ferramenta (5). Pesquisadores suíços e alemães fizeram uma revisão sistemática de oito estudos e três ensaios clínicos sobre a incorporação desse método de comunicação estrutura. Dentre as 26 variáveis relacionadas a desfechos analisadas pelos estudos, oito registraram melhora significativa. Outras onze também foram aprimoradas, mas não havia muitos dados sobre elas, e seis não foram afetadas. “A revisão encontrou evidência moderada de aprimoramento da segurança do paciente por meio da implementação da SBAR, especialmente quando usada para estruturar a comunicação por telefone”, escreveram os autores do levantamento, que ressaltaram que ainda faltam estudos de alta qualidade sobre o tema.
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Uma breve revisão da literatura científica sobre a SBAR sugere que ela melhora a comunicação porque exige uma preparação e, portanto, organização, do emissor da mensagem antes da transmissão das informações. Só esse fato já ajudaria a tornar a mensagem mais clara. Mas, além disso, como o receptor também está no mesmo modelo mental, treinado para se comunicar dessa maneira, ele consegue absorver e entender melhor os dados. Alguns artigos sugerem que a SBAR é uma ferramenta que encoraja os profissionais a darem sua opinião (afinal, avaliação e recomendação são categorias básicas), uma maneira de vencer inibições impostas pela hierarquia.
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No dia a dia das instituições, a SBAR pode ajudar a reduzir o tempo gasto na passagem de plantão, um dos momentos mais delicados da rotina. Um estudo que monitorou o tempo antes e após a adoção de SBAR mostrou que a duração da passagem de plantação passou de 53 minutos para 45 minutos com o uso de SBAR em registros de papel e para 38 minutos com SBAR em sistemas eletrônicos. Nas rondas multidisciplinares, o relato sobre cada paciente passou de 119 segundos para 58 segundos (6).
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O mesmo efeito foi sentido por Sandra, da Rede D’OR São Luiz, após a adoção da SBAR na unidade do Itaim, em São Paulo. “Ao padronizarmos a passagem de plantão, conseguimos diminuir até o banco de horas da equipe”, afirma Sandra. À implantação da ferramenta seguiram outras mudanças. Foram elaborados formulários de transição do cuidado, que substituíram pequenos quadros de informação, usados anteriormente. No meio do plantão, há um round multidisciplinar, em que cuidados específicos são repassados junto com o paciente e sua família no quadro de Planejamento do Cuidado.
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Trinta minutos antes do fim do plantão, o auxiliar/técnico de enfermagem passa o plantão, individualmente, para o enfermeiro da unidade, com foco na revisão do cuidado prestado e alinhamento das pendências. O enfermeiro avalia os procedimentos e faz os registros. A troca de plantão propriamente dita acontece somente entre enfermeiros, com foco na revisão do cuidado, no alinhamento das pendências e nos novos pacientes. Enquanto isso, os auxiliares/técnicos que estão chegando atendem à demanda do setor (telefone, pacientes, família, médicos, admissões e organização para início do plantão). No início do plantão, o enfermeiro discute com o auxiliar/técnico de enfermagem, individualmente, as recomendações especiais para cada paciente, as prioridades e os novos casos. Os pacientes são atendidos, preferencialmente, sempre pelos mesmos enfermeiros, técnicos e auxiliares de cada turno (escala fixa).
SAIBA MAIS
- (1) Vidyarthi AR. Triple handoff. AHRQ Web M&M, September 2006.
- (2) The Joint Commission. Sentinel Event Alert. A complimentary publication of The Joint Commission. Issue 58, September 12, 2017
- (3) CRICO Strategies. Malpractice risk in communication failures; 2015 Annual Benchmarking Report. Boston, Massachusetts: The Risk Management Foundation of the Harvard Medical Institutions, Inc., 2015.
- (4) Wagner R, et al. CLER 2016 National Report of Findings, Issue Brief #5: Care Transitions. Chicago, Illinois: Accreditation Council for Graduate Medical Education, March 2017.
- (5) Müller, M., Jürgens, J., Redaèlli, M., Klingberg, K., Hautz, W. E., & Stock, S. (2018). Impact of the communication and patient hand-off tool SBAR on patient safety: a systematic review. BMJ open, 8(8), e022202. doi:10.1136/bmjopen-2018-022202
- (6) Cornell P , Gervis MT , Yates L , et al . Impact of SBAR on nurse shift reports and staff rounding. Medsurg Nurs. 2014;23:334–42.
A ferramenta SBAR estrutura a comunicação para reduzir chances de erros e omissões durante a passagem de plantão em serviços de saúde
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