Os impactos da pandemia de covid-19 ainda serão sentidos por muito e muito tempo. De acordo com artigo (1) publicado por especialistas norte-americanos no The New England Journal of Medicine, desde que a crise começou – em março de 2020 – indicadores comprovam que a segurança na assistência diminuiu gravemente.
Como exemplo, podemos analisar as métricas de infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central. Nos cinco anos que antecederam a covid-19, os EUA conseguiram reduzir em 31% a incidência desses eventos. Porém, no segundo trimestre de 2020, quando a pandemia estava em uma de suas piores fases, houve aumento de 28% nessa taxa. Isso significa que a covid-19 levou o país a retroceder cinco anos nas conquistas obtidas nesse contexto.
Além desse evento, outras pioras também foram sentidas: com mais quedas, as lesões graves cresceram 17,4%; as taxas de lesão por pressão aumentaram 41,8% e também houve prejuízo nos índices de infecção do trato urinário associada a cateter, eventos relacionados à ventilação mecânica e bacteremia por Staphylococcus aureus resistente à meticilina.
Para podermos tirar lições e atuar pela construção de uma cultura de segurança mais forte e mais resiliente, é preciso observar quais os principais fatores que levaram a esse infeliz cenário. Como destaque, podemos enfatizar a sobrecarga dos sistemas de saúde. Devido a isso, muitos insumos ficaram ausentes e os profissionais tiveram de se desdobrar para conseguir atender todos que chegavam às unidades hospitalares (com covid-19 ou com outras condições, visto que outras doenças não deixaram que acontecer durante a pandemia).
Paralelamente, é preciso lembrar do desconhecimento – já que se tratava de um vírus novo, sem protocolos definidos, sem tratamento com eficiência cientificamente comprovada e sem vacina – e da necessidade de rápida adaptação a protocolos que, por tantas vezes, mudavam semanalmente.
Um documento (2) compartilhado pela Patient Safety Movement Foundation (PSMF) faz uma lista interessante com as principais causas do aumento dos cuidados inseguros durante a pandemia de covid-19:
- Aumento de outras infecções adquiridas nos hospitais
- Alta taxa de infecção pelo novo coronavírus nos hospitais (até 44% dos casos de covid-19 nos EUA foram nosocomiais, ou seja, adquiridos na unidade hospitalar por pacientes internados por outros motivos)
- Atraso no diagnóstico e no início dos tratamentos também de outras doenças além da covid-19
- Impossibilidade de acompanhantes nas internações, fazendo com que os pacientes permanecessem sozinhos a maior parte do tempo
- Aumento de problemas psicológicos e declínio da saúde mental
- Falta de ventiladores
- Aumento da desigualdade social
- Necessidade de “importação” de equipes de enfermagem (nos EUA, 90% dos hospitais contrataram enfermeiros estrangeiros para auxiliar no combate à covid-19. Antes, esse número era de 60%)
- Alta rotatividade dos profissionais de saúde
- Estresse, fadiga e burnout dos profissionais de saúde (quase 2/3 dos médicos norte-americanos afirmaram que a pandemia aumentou a sensação de esgotamento)
Por fim, um dos principais aprendizados é que profissionais de saúde sobrecarregados não têm tempo de se dedicar às rotinas de segurança, às auditorias e às notificações de erros. O que justifica outro dado apontado pelo documento da PSMF. Segundo eles, os erros médicos, que antes da crise eram apenas a terceira causa de morte nos EUA, passaram para o topo do ranking.
Como melhoria, é preciso definir estratégias para evitar que o cenário se repita em uma próxima crise como essa. Entre as ações que devem ser tomadas estão o investimento em boas métricas e na captura de dados para monitoramento dos níveis de segurança de forma contínua, além da construção de um estoque de recursos suficiente para abastecer a unidade em situações de alta demanda.
Referências:
(1) Health Care Safety during the Pandemic and Beyond — Building a System That Ensures Resilience
(2) COVID-19’s Impact on Medical Error – Patient Safety
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