NOTÍCIAS

Segurança do Paciente

Em um ano de epidemia, vírus Zika mudou a forma como se encara a gravidez

Em um ano de epidemia, vírus Zika mudou a forma como se encara a gravidez
0
(0)

O medo das consequências da infecção do vírus Zika e o impacto emocional das primeiras notícias sobre a epidemia mudaram o significado da gravidez para a mulher brasileira desde o fim de 2015.

Nesta sexta-feira, 11/09, completa um ano desde que o Ministério da Saúde decretou a epidemia como Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. A técnica de enfermagem Rosângela Veloso trabalha há mais de 20 anos no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, conhecida como maternidade da Encruzilhada, no Recife (PE). Acostumada à rotina de auxiliar os médicos nos exames de ultrassom, ela conta que a epidemia afetou o comportamento das pacientes. “Antigamente, a preocupação era o sexo da criança, hoje em dia é o tamanho da cabeça. Os médicos dizem que a fase da gravidez mais atuante para diagnosticar a síndrome é de cinco meses em diante, mas no primeiro ultrassom ela já quer saber o tamanho da cabeça”, relata Rosângela.

Mais de dois brasileiros morrem nos hospitais a cada três minutos por falhas evitáveis

Disclosure é dever ético e ato de compromisso com melhoria do sistema

“Pacientes em fim de vida precisam de um olhar mais humano”, diz médico

O obstetra e gestor executivo da maternidade, Olímpio Moraes Filho, tem a mesma impressão de sua colega. “Antigamente as mulheres iam felizes fazer ultrassom, hoje parece que estão entrando numa câmara de gás, parece uma tortura, é um medo tremendo. A gravidez tornou-se um sofrimento muito grande para as mulheres e não estamos oferecendo informações seguras para elas, porque o zika surgiu há pouco tempo”.

A percepção dos profissionais da maternidade comprova-se por estudos feitos com as grávidas. O Instituto Patrícia Galvão e o Data Popular divulgaram pesquisa com gestantes de todas as regiões do país que fizeram o pré-natal pelo SUS, no contexto da epidemia. O estudo mostra que seis em cada dez têm medo de fazer o ultrassom e descobrir que o bebê tem microcefalia. Apesar do temor, mais da metade delas gostariam de fazer mais exames durante o pré-natal. A pesquisa revela ainda que 31% dessas mulheres não programaram a gravidez, 23% temem o período da gestação devido à possibilidade do bebê ter algum problema e 99% delas sabem que se a gestante for infectada pelo zika, o bebê pode ter microcefalia.

A preocupação é ainda maior entre aquelas que não planejaram a gestação, realidade comum entre as pacientes da maternidade da Encruzilhada. “Nós temos uma clientela normalmente de baixa renda, com pouca informação. Só procura informação a respeito do zika e dos males que o mosquito provoca quando engravidam. A maioria do nosso público é jovem, meninas com menos de 20 anos. Elas chegam aqui amedrontadas, com pouca informação sobre como lidar com aquela situação, porque para elas é tudo muito novo. E agora mais essa problemática do vírus com a probabilidade do bebê nascer com sequelas.”, relata a técnica de enfermagem Vilma Martins.

Gravidez adiada
Os riscos da epidemia e o desconhecimento sobre os reais efeitos da Síndrome Congênita do Zika levaram o Ministério da Saúde, e em seguida a Organização Mundial da Saúde, a recomendarem que as mulheres adiassem os planos de engravidar. A recomendação acendeu o debate acerca do planejamento familiar e dos direitos relacionados à reprodução e à sexualidade.

Para a representante do Fundo de População das Nações Unidas, Fernanda Lopes, a crise trouxe uma oportunidade de falar sobre os direitos reprodutivos e planejamento familiar. “A epidemia do vírus Zika revela primeiro que os direitos das mulheres não são considerados como direitos de primeiro plano, em especial o direito em decidir por uma gravidez nesse momento, dentro desse contexto de emergência sanitária, em especial, o direito de planejar de forma voluntária, sem coerção, sem discriminação, sem violência a sua vida reprodutiva” defende Fernanda.

A decisão de engravidar ou não e quantos filhos ter é um direito previsto na Constituição Federal. O artigo 226 diz que o casal tem liberdade de planejar sua vida familiar e reprodutiva e o Estado deve garantir os recursos para exercício desse direito. Em 1990, o Brasil regulamentou essa questão com a edição da Lei do Planejamento Familiar que, entre outros pontos, inclui o direito à esterilização voluntária. Apesar das políticas, a gravidez não planejada é uma realidade no Brasil: segundo o Inquérito Nacional sobre o Parto e o Nascimento, 30% das mães entrevistadas não queriam engravidar.

A recomendação para adiar ou planejar a gravidez esbarra em outro direito: o de acesso aos métodos contraceptivos, principalmente entre a população que está mais vulnerável à epidemia. A Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM 2014) revela que 89,4% das mulheres não grávidas tinham acesso a contraceptivos orais e injetáveis, em serviços públicos ou privados de saúde. Entre as jovens de 13 a 19 anos, 13,2% não tinham acesso. As regiões Centro-Oeste e Nordeste apresentaram as maiores proporções de acesso nulo aos métodos, 15% e 10,4%, respectivamente.

As Unidades Básicas de Saúde deveriam ter todos os métodos contraceptivos disponibilizados para a população. Mas, na prática, há dificuldades para atender toda a demanda. A farmácia popular da maternidade do Cisam, no Recife, por exemplo, mantém o estoque com as doações que recebe de laboratórios farmacêuticos e as remessas não são constantes. Os postos de saúde passam por problemas semelhantes. Em João Pessoa (PB), uma das unidades de saúde da família oferece todos os métodos contraceptivos, mas os que são mais utilizados, pílula combinada e injetável, acabam logo. A remessa que deve ser enviada anualmente pelo Ministério da Saúde para municípios acima de 500 mil habitantes não chega no prazo.

A coordenadora de Saúde da Mulher e da Rede Cegonha de João Pessoa, Tanea Lucena, reforça que a oferta de todos os métodos é essencial para o trabalho de planejamento familiar, principalmente entre jovens e adolescentes.“Sempre digo que tudo começa no planejamento da vida sexual e reprodutiva. Quando fala-se no planejamento da vida sexual e reprodutiva são mulheres e homens, não tem como eles ficarem de fora. Porque a gente entende que tendo acesso na unidade de saúde, com o aconselhamento correto, com atividades educativas, isso vai reduzir bastante a questão não só das DST’s, mas de gravidez indesejada. Sabemos que hoje alguns problemas de saúde que acometem o bebê podem ser evitados por meio das consultas. Ela chega na unidade de saúde e diz que quer engravidar daqui a dois ou três meses. A partir dali ela começa a fazer uso de alguns medicamentos que previnem vários problemas neurológicos. A gente sabe que uma grande parte dos nascidos, em quase todos os municípios, são de gravidez que não foi planejada”, afirma Tanea.

Em nota, o Ministério da Saúde respondeu que “apoia e promove ações de saúde sexual e reprodutiva, por meio da disponibilização de orientações, informações e métodos contraceptivos, sempre com respeito à autonomia e ao direito de exercer a sexualidade e a reprodução, livre de discriminação, imposição e violência.” A nota diz ainda que, de 2011 a 2015, o ministério distribuiu em todo o país 2,4 bilhões de preservativos masculinos e femininos e investiu, no mesmo período, R$ 160,6 milhões na aquisição de diferentes métodos. No caso do estado da Paraíba, o ministério alega que foram enviados em 2015 e no primeiro semestre de 2016, mais de 400 mil contraceptivos, entre ampolas injetáveis, cartelas de pílulas e o dispositivo intrauterino (DIU).

Considerando a possibilidade de transmissão sexual do vírus Zika e outras doenças, o ministério orienta que “deve haver envolvimento e corresponsabilização de homens adultos, adolescentes e jovens na escolha e no uso do método e na dupla proteção” e recomenda, em especial às gestantes e seus parceiros, a utilização de preservativos masculinos ou femininos em todas as relações sexuais (oral, anal e vaginal).

Veja mais

[youtube id=”nx7aGVFj6Nk”]

 

1631658449

Avalie esse conteúdo

Média da classificação 0 / 5. Número de votos: 0

Outros conteúdos do Acervo de Segurança do Paciente

Tudo
materiais-cientificos-icon-mini Materiais Científicos
noticias-icon Notícias
eventos-icon-2 Eventos

AVISO IMPORTANTE!

A partir do dia 1º de julho, todos os cursos do IBSP farão parte do IBSP Conecta, o primeiro streaming do Brasil dedicado à qualidade e segurança do paciente.

NÃO PERCA ESSA OPORTUNIDADE E CONHEÇA AGORA MESMO O IBSP CONECTA!