Em 1985 a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou quanto à taxa aceitável de cesáreas em um país. Este valor é de no máximo 15 cesáreas por 100 nascidos vivos. Porém, muitos países realizam cesáreas em valores muito acima deste. Nos EUA são 32,8 cesáreas para cada 100 nascidos vivos. No Reino Unido 24,4 e no Canadá 26,2. Infelizmente o Brasil é o campeão mundial nesse quesito (um título nada agradável), com 55,6 cesáreas a cada 100 nascidos vivos.
Mas vejamos o cenário atual. Temos este dogma da OMS que já tem 30 anos, temos estudos muito heterogêneos em qualidade a respeito da relação entre cesáreas e mortalidade, e por fim temos as Metas do Milênio das Nações Unidas, onde está incluída a necessidade de diminuir mortes de mães e recém-nascidos. A pergunta então é: quanto de fato pode-se aceitar em termos de quantidade de cesáreas nos países? O que é seguro para os pacientes, no caso, mães e bebês? E um valor vale para todo mundo? Vejamos alguns dados de estudos: na Ásia as cesáreas se associam com maiores riscos de mortalidade materna e neonatal. Já na África, onde a mediana de cesáreas é de apenas 8,8 por 100 nascidos vivos, há menor risco de mortalidade neonatal nos locais com maiores taxas de cesáreas eletivas. Nitidamente, a resposta não é tão simples, e não pode ser baseada em emoções.
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Para tentar responder a estas dúvidas, pesquisadores liderados por médicos da Universidade de Harvard, incluindo o ícone da segurança do paciente, o Dr. Atul Gawande (aquele mesmo do checklist de cirurgia segura), realizaram um estudo intitulado “Relação entre taxa de cesárea na população e mortalidade materna e neonatal”. É provavelmente o melhor estudo já conduzido na área feito até hoje.
Surpreenda-se com os Resultados
Indicadores de desenvolvimento do Banco Mundial dos 194 países associados à OMS foram utilizados para esta análise, que incluiu população total, expectativa de vida ao nascer, população urbana, PIB, gasto per capita em saúde, taxa de natalidade, mortalidade neonatal e mortalidade materna. Foram usados dados consolidados de 2012, ano em que foram realizados 22,9 milhões de cesáreas no mundo.
Os dados encontrados são bastante surpreendentes:
- A taxa mundial de cesáreas é de 19,4 por 100 nascidos vivos. Isso significa que na média, o mundo faz mais cesáreas do que a trave estabelecida pela OMS;
- Taxas mais altas de cesáreas não se correlacionaram com mortalidade maternal ou neonatal nos países. Isso fala contra a ideia de que a cesárea necessariamente oferece mais riscos para mãe e bebê;
- Taxas de cesariana de até 19,1 por 100 nascidos vivos (IC95%: 16,3 a 21,9) e de até 19,4 por 100 nascidos vivos (IC95%: 18,6 a 20,3) foram inversamente correlacionadas com taxa de mortalidade materna (P = 0,003) e com a taxa de mortalidade neonatal (P <0,001), respectivamente (os dados foram ajustados para gastos de saúde per capita, população, porcentagem de população urbana, taxa de fertilidade, e região).
Os pesquisadores ainda fizeram uma análise de um subgrupo de 76 países que tinham os melhores dados epidemiológicos sobre as taxas de cesáreas. E os resultados não foram diferentes. Taxas de cesárea de 6,9 a 20,1 por 100 nascidos vivos foram inversamente correlacionadas com a taxa de mortalidade materna (P <0,001). E taxas de cesárea de 12,6 a 24,0 por 100 nascidos vivos foram inversamente correlacionadas com a mortalidade neonatal (P = 0,004).
Mudando as recomendações
A grande conclusão dos autores do estudo é que a recomendação da OMS quanto ao alvo máximo de cesáreas pode estar abaixo daquilo que oferece segurança do ponto de vista de mortalidade materna e neonatal. Arredondando, seria aceitável sugerir que os países tivessem taxas de até 19 cesáreas por 100 nascidos vivos. O que podemos tirar de prático disso, é que não é possível ser radical extremo quando discutimos o número correto de partos vaginais e de partos cesárea. Além disso, é possível que em diferentes realidades esta trave possa ser um pouco mais baixa, ou mesmo mais alta.
Sem sombra de dúvidas, o Brasil tem uma situação vergonhosa. Mesmo subindo a trave para o que o estudo sugere, estamos falando de 19% de cesáreas. Nossa realidade é de uma taxa de quase 56%. Ou seja, há ainda muito espaço para diminuir o uso das cesáreas e substitui-las por partos vaginais. As políticas nesse sentido têm aumentado em nosso país, e diferentes estratégias precisam ser utilizadas. Isso é uma questão de racionalização de recursos, algo fundamental em uma realidade de saúde pública como a nossa.
Referência
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