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Evento adverso nunca é fatalidade. É sempre falha, diz Dr. Dario Fortes Ferreira

Evento adverso nunca é fatalidade. É sempre falha, diz Dr. Dario Fortes Ferreira
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O Dr. Dario Fortes Ferreira, presidente do IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, fala sobre a importância de hospitais se comprometerem com a segurança do paciente e instrui sobre as melhores práticas a serem adotadas em prol do paciente e da qualidade hospitalar.

IBSP – Por que a alta direção dos hospitais precisa estar comprometida com a segurança do paciente?
Dr. Dario Fortes Ferreira – É essencial que a alta direção dos hospitais esteja profundamente comprometida com a segurança do paciente. Se não houver esse comprometimento, os processos se tornam falhos e a qualidade cai em pouco tempo. Um exemplo clássico é quando a direção está preocupada com os processos de acreditação (só com a acreditação hospitalar, com o selo pendurado na parede), pois desta forma não se consegue ver melhoria de longo prazo. Por quê? Porque o discurso é “esquizofrênico”. Ele aponta em uma direção, mas, na verdade, como a alta direção não está comprometida, ele flui na direção oposta.

IBSP – Eventos adversos são evitáveis na maioria dos casos?
Dr. Dario – A direção precisa ter um olhar implacável com relação aos eventos adversos. É muito comum vermos médicos e até mesmo os diretores de hospitais depois de um evento dizerem: ‘foi uma fatalidade’. Evento adverso nunca é uma fatalidade. É sempre falha em algum sistema que deixou de funcionar ou funcionou de maneira irregular e que levou o paciente a ter aquela complicação. Essa máxima se refere aos eventos adversos evitáveis, claro. Não considerando os inevitáveis, pois esses são aqueles que possuem características próprias do tratamento ou da própria doença. Mas os eventos adversos evitáveis sempre são preveníveis. Talvez o evento adverso mais difícil de prevenir seja a queda de pacientes dentro de instituições de saúde.

IBSP – Por que é difícil evitar determinados tipos de eventos adversos?
Dr. Dario – Porque é multifatorial e depende de muitos fatores que são difíceis de controlar – um deles é o próprio paciente que cisma, insiste em se levantar com o risco de cair, como no caso das quedas intra-hospitalares. Mas existem mecanismos para reduzir e depende de como se faz isso. Evento adverso evitável é sempre prevenível e nunca podemos deixa-lo passar incólume. Sempre temos que encarar como um evento prevenível e tentar achar maneiras de fazê-lo.

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IBSP – Quando ocorre o evento adverso o gestor deve dar apoio psicológico e suporte financeiro?
Dr. Dario – Quinze anos de experiência como diretor hospitalar e essa é uma das mais difíceis coisas que um diretor tem que fazer, mas ele precisa fazer. Eu, particularmente, vivi um evento muito grave em uma instituição hospitalar em que eu trabalhei. Um evento bastante traumático, em que uma criança era a vítima do evento adverso e foi muito difícil falar com os pais. Mas a sensação que você tem depois que você contou a verdade, depois que você contou todas as atitudes que você tomou para corrigir aquele erro, para que aquele erro não afetasse mais nenhuma pessoa, nenhum paciente, nenhuma criança e todos os cuidados que você está tomando para garantir o melhor resultado para aquele paciente que sofreu o evento adverso, você consegue deitar a cabeça no travesseiro à noite com uma tranquilidade imensa.

IBSP – Que tipo de suporte o hospital deve dar?
Dr. Dario – E esse suporte não é só do ponto de vista do apoio moral, apoio psicológico ou mesmo de tratamento médico. Às vezes é apoio financeiro. Dinheiro que tem que sair da conta da instituição para cobrir os custos secundários aos eventos que ocorreram.

IBSP – O apoio da instituição aos profissionais evita recorrência de evento adverso?
Dr. Dario – Esse suporte instituição deve ser dado pela instituição, porque o paciente sofreu o evento adverso, mas o dano, a marca do evento adverso, fica no profissional de saúde envolvido no dano. Então, é obrigação da instituição dar apoio psicológico, apoio trabalhista, e até mesmo suportar o funcionário afastado da atividade laboral no período em que ele está se recuperando, seja médico, enfermeiro, técnico de enfermagem ou fisioterapeuta.

Neste sentido, é essencial para que eles consigam manusear isso, aprender com o erro, corrigir a falha no futuro e estar mais atento e voltar a atuar como profissional, mais comprometido e com resultados melhores.

IBSP – Instituições organizadas driblam a falta de tempo para evitar erros?
Dr. Dario – O tempo é sempre um problema nas organizações hospitalares. Estamos sempre trabalhando com o tempo apertado – o que a gente chama de restrição de tempo. Mas, na maioria das vezes, essa falta de tempo dos profissionais de saúde para exercerem suas atividades como devem exercer é mais por desorganização da instituição, por processos ruins e processos falhos, do que propriamente por falta de vontade do profissional de fazer a coisa direito.

IBSP – A falta de tempo muita vezes é por conta de processos inadequados?
Dr. Dario – E eu posso citar um exemplo interessante: na saúde privada, a saúde suplementar no Brasil hoje em dia, existe uma briga bastante grande entre as operadoras de saúde e os hospitais no sentido de reduzir os custos hospitalares. Então, sempre que eu for operadora de saúde, sempre que eu puder não pagar por alguma coisa, é vantagem. Isso exige que os técnicos de enfermagem tomem nota de cada agulha que usaram, gerando um gasto enorme de tempo e retirando o técnico de enfermagem do cuidado direto do paciente, colocando-o para fazer anotações no prontuário. Isso é uma falha de processo eterna – existem maneiras de se fazer isso.

Posso concluir que para melhorar a qualidade dos processos não falta gente nos hospitais, pois há quantidade de pessoas adequada. O que existe são processos muito inadequados, que gastam muito tempo, não agregam valor algum ao cuidado e fazem com que os profissionais acabem ficando mais estressados ainda, deixando de tomar atitudes seguras.

IBSP – Ou seja, a burocracia é inimiga da segurança do paciente?
Dr. Dario – É lógico que a gente tem que registrar e ter anotações adequadas no prontuário. Isso é essencial. O prontuário é um documento e é um direito do paciente saber o que aconteceu com ele, mas isso não pode suplantar o cuidado do próprio paciente. Então, quanto mais eu simplificar esse registro, tornar esse registro mais fácil e mais objetivo, melhor é para a assistência.

IBSP – Cuidar da segurança garante mais lucro ao hospital?
Dr. Dario – Não existe opção para manter o hospital sustentável se não se trabalhar com segurança do paciente. E ai é só ver quais são os hospitais que mais tem sucesso no Brasil e no mundo. Quais são os hospitais que conseguem rentabilidade e sustentabilidade em longo prazo, no Brasil e no mundo? São os hospitais que investem, seriamente, em segurança do paciente.

IBSP – Por que isso acontece?
Dr. Dario – Por duas coisas: Existe uma transmissão boca a boca de informações pelo pacientes e até mesmo pela mídia que percebem que o hospital se preocupa com a segurança do paciente. Apesar de elas não terem esse conhecimento claro, uma formação clara em relação a isso, as pessoas percebem quais hospitais são, de fato, que oferecem segurança e qualidade e quais hospitais não.

Com isso, os hospitais que não oferecem segurança e qualidade não se sustentam. Vemos frequentemente hospitais fechando, com número de leitos reduzidos, porque não são sustentáveis, porque o usuário não confia.

O paciente se considera um cliente. Nenhuma loja se sustenta sem cliente. Se eu vou a um restaurante e o garçom me atende mal, vem com a mão suja, não higieniza as mãos ou se o prato vem sujo ou se a comida vem crua, eu simplesmente não volto mais. Nos hospitais, é a mesma coisa nos hospitais. Ou eu ofereço qualidade ou eu não tenho cliente. Essa é uma realidade inexorável e isso vai piorar cada vez mais.

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IBSP – O senhor pode dar uma dica preciosa para facilitar a tomada de decisão em hospitais?
Dr. Dario – Foco no paciente. O paciente é o centro das atenções. O paciente é o centro de todos os cuidados. Se todas as decisões hospitalares, desde a alta direção até as decisões na ponta, tiverem como foco o cuidado do paciente, a segurança do paciente, o melhor resultado do tratamento, este hospital será sustentável. Essa é a dica essencial. Tudo no hospital, todas as decisões que a gente for tomar a gente tem que ter como pano de fundo: O paciente vai se beneficiar disso? Se o paciente vai se beneficiar disso eu posso continuar, se o paciente não vai se beneficiar disso, eu tenho que parar, olhar e vir se vale mesmo a pena fazer aquilo lá.

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