Toda instituição de saúde tem seu próprio acervo – para não falar, cemitério – de projetos de melhoria da qualidade que até chegaram a ver a luz do dia, mas não perduraram. Eles deixam para trás posters, souvenirs e, claro, uma certa decepção – até chegar a vez do próximo. É por isso que um projeto de melhoria da qualidade, implantado em larga escala no sistema público de saúde da Inglaterra há 10 anos, desperta de tempos em tempos o interesse de especialistas em gestão. É uma oportunidade singular de avaliar o que deu certo e o que deu errado em um projeto ousado, que prometia reestruturar os hospitais, uma enfermaria por vez, dando mais poder às equipes.
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A última edição do BMJ Quality & Safety traz uma nova análise dos erros e acertos do programa inglês “Productive Ward: Releasing Time to Care” (na tradução para o português, algo como “Enfermarias Produtivas: Liberando Tempo para Cuidar) (1). Implantado em 2008 pelo NHS, o sistema público de saúde da Inglaterra, o programa bebia da fonte da metodologia de qualidade Lean Six Sigma, que tem como princípio cortar desperdícios e reduzir erros.
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O projeto
O objetivo era aumentar o tempo gasto pela enfermagem no cuidado com o paciente, aumentar a segurança e confiabilidade do cuidado, melhorar a experiência do paciente e das equipes e promover transformações físicas no ambiente para aumentar a eficiência.
O programa era composto por onze módulos, a serem implantados e executados pela equipe. Como tijolos de uma edificação, um a um eles forneceriam a estrutura para transformar a qualidade do cuidado. É possível perceber que o programa era bastante completo – e complexo. Os módulos deveriam ser implantados por etapas, a partir de treinamentos e kits de ferramentas disponibilizados pelo governo.
Módulos Estruturais
- (1) Como estamos indo?
implantação de métricas para avaliar resultados (e como dar visibilidade a eles) - (2) Enfermaria bem organizada
Organização e limpeza, usando basicamente o método 5S - (3) Status do paciente em um olhar
Ferramentas e estratégias visuais (quadro branco de controle para a enfermagem), com objetivo de melhor acesso às informações do paciente
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Módulos de Processos
- (4) Medicamentos
Implantação de práticas seguras para medicação. Organização dos procedimentos dentro de cada ala para que os momentos de medicação não coincidam com o de outras intervenções. Diminuição das interrupções - (5) Refeições
Organização da entrega das refeições para que sobrasse mais tempo para ajudar os pacientes a comer e para avaliar as necessidades nutricionais - (6) Transição do Cuidado
Estratégias para diminuir tempo gasto na passagem de plantão e transferências do paciente entre unidades e para aumentar segurança das informações - (7) Admissão e Alta Planejada
Redução do tempo gasto nesses processos, a partir de planejamento - (8) Monitoramento do Paciente
Padronizar os os procedimentos, garantir que os critérios são precisos e planejar condutas para melhorar desfechos - (9) Rondas na unidade
Revisão dos processos associados às rondas para torná-las mais rápidas e efetivas - (10) Procedimentos de enfermagem
Previsão para melhorar a experiência do paciente e garantir confiabilidade dos processos - (11) Higiene do Paciente
Revisão de procedimentos para garantir a dignidade dos pacientes e o melhor cuidado
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Os resultados
Em extensão, o projeto de melhoria da qualidade foi um sucesso. Em 2012, 70% das enfermarias do sistema inglês já estavam no processo de implantação. Em termos de resultados, relatos imediatos à adoção parecem ter sido positivos, mas o legado deixado por um programa tão abrangente é controverso. O novo estudo tentou desvendar o que, de fato, mudou, ao entrevistar 88 funcionários de seis hospitais diferentes e realizar observações no dia a dia.
Os módulos implementados com mais frequência foram os iniciais, de estrutura: “Enfermaria bem-organizada”, “Status do paciente em um olhar” e “Como estamos indo?”. Quatro módulos de processos também fizeram sucesso: “Medicamentos”, “Refeições”, “Monitoramento do Paciente” e “Transição do Cuidado”. Os outros raramente foram implantados.
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O que deu certo
A nova análise conclui que alguns dos sistemas implantados continuam em funcionamento até hoje, como as estratégias visuais para mostrar resultados (módulo “Como estamos indo?”), os sistemas de armazenamento para materiais (módulo “Enfermaria bem-organizada”), e a organização dos horários de refeição (módulo “Refeições”). O razão do sucesso dessas ferramentas não é surpreendente: “Os componentes que foram mantidos foram aqueles utilizados – e considerados úteis – pela maioria da equipe de enfermagem”, escreveram os autores.
Na avaliação, os autores afirmam que, apesar de o programa não ter sido implantado na íntegra na maioria das instituições, trouxe habilidades importantes de gestão da qualidade para as equipes. “O programa também desenvolveu capacidades de melhoria da qualidade entre o pessoal envolvido na sua implementação. Também encontramos evidências de como o programa ajudou a moldar as estratégias de melhoria da qualidade em todo o hospital”, escreveram os autores.
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O que deu errado
Além dos módulos que não chegaram a ser implantados nos hospitais analisados, algumas instituições adotaram a execução de forma superficial das ferramentas – o que os autores chamaram de “execução ritualística”. Os procedimentos eram realizados como pró-forma, sem desenvolver habilidades de qualidade na equipe. Ou seja, sem contribuir para a criação de uma cultura de segurança e qualidade. Eram apenas mais um ritual – sem significado – a cumprir.
Com base na avaliação dos 10 anos da implantação do programa “Enfermarias Produtivas”, os autores criaram uma lista com pontos que merecem atenção na elaboração de um projeto de melhoria da qualidade, para que eles sejam realmente efetivos e, portanto, duradouros.
Referências
- (1) Robert G, Sarre S, Maben J, et al. Exploring the sustainability of quality improvement interventions in healthcare organisations: a multiple methods study of the 10-year impact of the ‘Productive Ward: Releasing Time to Care’ programme in English acute hospitals. BMJ Quality & Safety. Published Online First: 29 July 2019. doi: 10.1136/bmjqs-2019-009457
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