Foi em abril de 2013 que o Brasil instituiu, por meio da Portaria nº 529, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Considerando que estamos há oito anos trabalhando sob os conceitos introduzidos por essa legislação, é interessante observar pesquisas que constroem paralelos entre os sistemas de saúde pré e pós a implementação de diretrizes e campanhas nacionais.
A Irlanda publicou, em janeiro deste ano, o documento The Irish National Adverse Event Study-2 (INAES-2): longitudinal trends in adverse event rates in the Irish healthcare system (1). Disponível no The British Medical Journal, a pesquisa quantifica a prevalência de eventos adversos antes de 2009, quando o país ainda não contava com programas e diretrizes nacionais para prevenção desses eventos, e o cenário de 2015, alguns anos após a implementação dessas diretrizes. Importante já entender que esse período foi justamente um momento de recessão econômica no país.
Entre 2009 e 2015, após identificar que a taxa geral de eventos adversos em hospitais públicos era de 12,2% (sendo 9,1% a taxa de eventos adversos evitáveis), a Irlanda lançou cerca de 33 Programas Nacionais focados na redução desses incidentes. Os programas, que atendiam às múltiplas especialidades, reforçavam a necessidade de melhorias da assistência, traziam orientações para redução da morbimortalidade, educavam sobre resistência antimicrobiana, abordavam eventos adversos com medicamentos e questões relacionadas a infecções hospitalares e complicações cirúrgicas, entre outros temas.
Importante: a pesquisa considerou como evento adversos toda lesão ou complicação não intencional que resultou em incapacidade no momento da alta, internação hospitalar prolongada, ou morte causada pelo gerenciamento de saúde e não pelo processo natural da doença de base daquele paciente. Qualquer evento adverso que tinha pelo menos 50% de chance de ser previsto, foi considerado um evento adverso evitável.
Confira alguns dos resultados desse comparativo:
– Foram revisados 1.574 prontuários em 2009 e 1.603 em 2015;
– Desses prontuários, eventos adversos foram detectados em 211 admissões em 2009 e em 238 admissões em 2015; não houve mudança significativa na prevalência de eventos adversos nos dois anos comparados;
– Foram identificados eventos adversos evitáveis em 159 admissões em 2009 e em 129 admissões em 2015; apesar da variação entre os anos, a prevalência dos eventos adversos evitáveis não teve variação estatisticamente significante;
– Houve uma drástica diminuição do percentual de eventos adversos evitáveis relacionados às infecções hospitalares entre os dois anos comparados: de 33,1% em 2009 para 22,2% em 2015;
– Houve aumento na porcentagem de eventos adversos que resultaram em deficiência (de 14,6% para 28,2%) e na porcentagem daqueles que desencadearam tratamentos ou intervenções adicionais (de 2,6% para 9,2%).
O que o estudo compreende com base nesses dados?
Em primeiro lugar é preciso vislumbrar o cenário do país nos anos em que as pesquisas foram feitas. Segundo relatado, os programas e diretrizes nacionais focados na segurança do paciente foram implementados em um momento de recessão econômica global e a Irlanda foi o primeiro país europeu a anunciar, em 2008, que tinha entrado em recessão. Nesse contexto, o país sofreu com a redução substancial dos orçamentos governamentais direcionados à saúde. Como comparativo, em 2009 o orçamento anual da saúde na Irlanda era de 14,5 bilhões de euros e passou a 13 bilhões de euros em 2015.
Com isso, o documento sugere que as limitações financeiras e de recursos vistas durante a recessão econômica explicariam um possível aumento das taxas de eventos adversos evitáveis. Mesmo assim, essas taxas permaneceram inalteradas e aquelas relativas a infecções diminuíram. Dessa forma, diante de todo o contexto envolvendo recessão econômica e, também, um aumento de cinco anos na média de idade dos pacientes avaliados (que passou de 55 anos em 2009 para 60 anos em 2015), o estudo conclui que os programas e as diretrizes nacionais podem ter influenciado positivamente a segurança do paciente na Irlanda.
Obviamente, não podemos negar algumas limitações que o desenho do estudo traz. A primeira é o fato de serem dados baseados em revisão de prontuários. É importante termos clareza que sempre que temos métodos retrospectivos de geração de dados sobre eventos adversos teremos uma visão parcial da totalidade dos dados.
Outro ponto é a variação temporal. Entre momentos distintos temos impacto da curva de aprendizado das pessoas (ou seja, em 2009 poderia haver mais eventos, mas foram menos identificados ou descritos), e ainda os vieses de disponibilidade (o aumento nos eventos que resultaram em deficiência ou em tratamento adicional pode ser fruto de ações de fomento em registro de prontuário realizadas próximas da época do levantamento de dados em 2015). Ainda assim, os dados trazem importantes insights para quem trabalha com eventos adversos em suas instituições.
Referências:
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