Marcela Buscato
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A NOVIDADE – A saúde bucal de 127 pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva (UTI) passou de deficiente a satisfatória, após o tratamento de rotina feito por dentistas. O estudo da dentista Wanessa Teixeira Bellissimo-Rodrigues, publicado em maio no International Dental Journal, é o desdobramento de uma pesquisa anterior. O estudo sugere que o cuidado odontológico – de escovação a restaurações – preveniu 56% das infecções respiratórias, como pneumonia, em pacientes em ventilação mecânica.
O CONTEXTO – As infecções respiratórias associadas à ventilação mecânica estão entre os principais eventos adversos que afetam pacientes internados em UTIs. Estima-se que o risco de pneumonia seja entre seis e 21 vezes maior. A boca é, naturalmente, um reservatório de bactérias por suas características de temperatura, umidade, pH e nutrientes. Esses microrganismos, se aspirados, podem causar pneumonia ao encontrar secreções nos pulmões.
PRÁTICA – O protocolo padrão de limpeza bucal na UTI costuma incluir apenas o uso de gazes e antissépticos, feito pela enfermagem. Estudos sugerem que ele é menos eficiente. A presença de dentistas nas UTIs ainda não é rotina, apesar do baixo número necessário a tratar (NNT). Para cada 10,5 pacientes tratados, uma infecção é evitada. Estima-se que o custo de as infecções respiratórias associadas à assistência chega a US$ 40.000 por caso.
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Mais informações na reportagem a seguir:
A intervenção de dentistas em um grupo de pacientes de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de Ribeirão Preto elevou a saúde bucal dos pacientes de deficiente para satisfatória – e contribuiu para a redução de infecções respiratórias associadas à ventilação mecânica (1). O estudo, publicado em maio no International Dental Journal, é um desdobramento de uma pesquisa divulgada em 2014. Ela mostrou que o cuidado odontológico completo, feito por um dentista, entre quatro e cinco vezes por semana, em 127 pacientes, preveniu 56% das infecções respiratórias, como pneumonia. A comparação foi feita com um grupo de pacientes que recebeu apenas o cuidado-padrão da enfermagem: limpeza da cavidade bucal com uma espátula envolta em gaze e a aplicação de clorexidina, um anti-bacteriano. Entre eles, a incidência de infecções respiratórias foi de 18,1%. No grupo que recebeu o cuidado intensificado dos dentistas, a ocorrência foi de 8,7% (2).
As infecções respiratórias associadas à ventilação mecânica estão entre os principais eventos adversos que afetam pacientes internados em UTIs. Estima-se que o risco de pneumonia em pacientes em ventilação seja entre seis e 21 vezes maior. Até 25% deles desenvolvem a doença. No Brasil, estima-se a incidência entre 17,8 a 24,6 casos para cada 1.000 dias de ventilação. “A pneumonia começa pela boca”, afirma o infectologista Fernando Bellissimo-Rodrigues, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e orientador dos dois trabalhos: o que mostrou a melhora da saúde bucal e o anterior, sobre a redução das infecções.
A boca é, naturalmente, um reservatório de bactérias por suas características de temperatura, umidade, pH e oferta de nutrientes (3). Esses microrganismos, se aspirados, podem causar pneumonia ao encontrar secreções nos pulmões. O dentista americano Frank Scannapieco, da Universidade Estadual de Nova York, uma das referências internacionais em microbiologia oral, é um dos cientistas que estão investigando essa relação. Em um de seus estudos, sua equipe encontrou até 100% das placas bacterianas, em pacientes da UTI, colonizadas por Staphylococcus aureus e o Pseudomonas aeruginosa, duas das bactérias associadas a infecções hospitalares (4). Medicamentos que reduzem a produção da saliva, que funciona como uma proteção contra bactérias, podem ser uma das explicações. Outra possibilidade é que os antibióticos alterem a composição da microbiota bucal, tornando-a mais suscetível a bactérias nocivas.
Há, claro, o problema das más condições de higiene e de má saúde bucal, que acabam agravando o quadro. Pesa o fato de saúde bucal do brasileiro, em geral, ainda ser ruim. O levantamento SB Brasil, do Ministério da Saúde, mostra que, aos 12 anos, 56,5% dos brasileiros já tiveram pelo menos uma cárie (5). A prevalência de doenças inflamatórias crônicas nas gengivas (periodontite), causada por bactérias, também é alta. Na faixa etária de 35 a 44 anos é de 82,2% e chega a 98,2% entre 65 e 74 anos.
O novo estudo, conduzido pela dentista Wanessa Teixeira Bellissimo-Rodrigues, orientada por Belissimo, mostrou que a presença de um dentista na UTI, foi eficaz para melhorar a saúde bucal. Em 72,5% dos pacientes, foi necessário retirar tártaro, em 35,6% foi preciso cuidar da gengivas, em 9% fazer restauração de cáries e em 1,2% extrair dentes. “Muitos pacientes chegam na UTI já com condições muito ruins, o que aumenta o risco de desenvolver infecções respiratórias”, afirma Fernando Belissimo.
O protocolo padrão de limpeza bucal na UTI costuma incluir apenas o uso de gazes e antissépticos – em alguns lugares há escovação. Ele é feito pela equipe de enfermagem, que não pode se responsabilizar por intervenções complexas, como raspar tártaro, tratar cáries e outros tipos de restaurações. “O dentista faz a diferença porque há procedimentos que a enfermagem não pode fazer. Apesar disso, o cuidado odontológico ainda não é uma prática adotada regularmente pelas UTIs”, afirma Belissimo.
A resolução da diretoria colegiada (RDC) número 7, de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de UTIs e prevê que a assistência odontológica à beira do leito deve ser garantida pela unidade de saúde por meios próprios ou terceirizados. Mas não é isso o que acontece na prática, segundo a cirurgiã dentista Celi Novaes Vieira, presidente do departamento de odontologia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). “Não é de competência da Anvisa fiscalizar a forma como a assistência é feita”, afirma Celi. “Na fiscalização, o hospital mostra que tem profissionais cadastrados, mas isso não quer dizer que o cuidado é rotina e que a assistência é oferecida a todos os pacientes internados na UTI”, diz Celi. A situação é mais complicada na rede privada, explica Celi: “ninguém quer se responsabilizar pela remuneração deste profissional, nem o hospital e nem as operadoras de saúde, criando por vezes constrangimentos éticos ao profissional e sofrimento aos familiares do paciente. O dentista só é chamado quando o médico ou a família do paciente pede, e muitas vezes o profissional realiza o parecer e algum procedimento emergencial, mas não recebe por isso.”
Um projeto de lei que torna obrigatória a presença de dentistas em todas UTIs foi aprovado em 2013, em caráter conclusivo, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. Seguiu para o Senado, onde também precisa ser apreciado, mas aguarda entrar em pauta, sem previsão.
Cuidar da saúde bucal dos pacientes, além de influenciar de maneira importante o desfecho clínico ao evitar eventos adversos, afeta também os custos de saúde. Estima-se que o tratamento de casos de pneumonia associada à ventilação mecânica pode chegar a US$ 40 mil. Considerando que seja necessário tratar dez pacientes para evitar uma infecção (NNT), de acordo com cálculos da equipe de Belíssimo, a presença de dentistas na UTI pode significar redução e não aumento de custos. “O baixo NNT sugere que ter um dentista na equipe pode ser custo-efetivo”, afirma Belissimo.
SAIBA MAIS
(1) Bellissimo‐Rodrigues, W. T., Menegueti, M. G., Gaspar, G. G., Souza, H. C., Auxiliadora‐Martins, M. , Basile‐Filho, A. , Martinez, R. and Bellissimo‐Rodrigues, F. (2018), Is it necessary to have a dentist within an intensive care unit team? Report of a randomised clinical trial. Int Dent J. doi:10.1111/idj.12397
(2) Bellissimo-Rodrigues WT, Menegueti MG, Gaspar GG et al. Effectiveness of a dental care intervention in the prevention of lower respiratory tract nosocomial infections among intensive care patients: a randomized clinical trial. Infect Control Hosp Epidemiol 2014 35: 1342–1348.
(3) Zambrano, Thainah Bruna & Antônio Do Amaral, Marcos & Gavilanes Peralta, Nora & Almeida, Ricardo. (2017). A Inserção da Odontologia em Unidades de Terapia Intensiva. Journal of Health Sciences. 19. 83. 10.17921/2447-8938.2017v19n2p83-88.
(4) 6. Scannapieco FA, Stewart EM, Mylotte JM. Colonization of dental plaque by respiratory pathogens in medical intensive care patients. Crit Care Med 1992;20(6):740-5.
(5) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2012. 116 p. : il.
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