Aprender com os erros é uma das orientações para ampliar a segurança do paciente. Para isso, a notificação deve se tornar uma prática comum e que não reforce uma cultura de punição. Sistemas que estimulam as notificações e permitem um diálogo aberto sobre as falhas cometidas tendem a reduzir erros evitáveis, aumentando a segurança e a qualidade da assistência.
Um estudo (1) realizado na Nigéria comparou as percepções de médicos e enfermeiros quanto aos fatores que influenciam os relatos de erros. Porém é preciso, inicialmente, entender o cenário particular daquela região.
Na África como um todo, há uma baixa taxa de notificação. Isso é perceptível pelo dado a seguir: enquanto no continente africano a taxa de eventos adversos na assistência à saúde é de 181 novos casos a cada 100 mil, no continente americano a taxa é de 1.160 para cada 100 mil. Isso não significa que esses efeitos ocorrem mais entre os americanos, mas sim que os africanos estão deixando de relatá-los.
Essa baixa taxa de notificação está parcialmente explicada na pesquisa que entrevistou 140 enfermeiros e 90 médicos. Na ocasião, 51,4% dos enfermeiros entrevistados e 32,2% dos médicos disseram desconhecer os sistemas de notificação. Além disso, 79,6% dos participantes consideraram as notificações como ineficazes e atrelaram, a elas, uma certa “cultura de culpa”, ou seja, um movimento para culpabilizar os profissionais pelos erros, e não o sistema.
Outras barreiras à notificação também foram apontadas: 60,8% reclamaram da falta de confidencialidade; 58,7% apontaram respostas inadequadas dos supervisores; 56,1% abordaram a perda de confiança por parte dos pacientes; e 50% pontuaram que não há necessidade de discussão adicional caso a equipe tenha aprendido a lição proveniente daquela falha.
Porém, ainda entre as barreiras à notificação, médicos e enfermeiras trazem apontamentos diferentes entre as classes profissionais. Enquanto 22,1% dos enfermeiros disseram que a falta de feedback positivo ao relatar os erros era um entrave, 36,7% dos médicos fizeram esse apontamento. A rotina conturbada também foi apontada de forma diferente entre os profissionais, já que 33,3% dos enfermeiros e 59,6% dos médicos relataram falta de tempo.
Tanto enfermeiros quanto médicos indicaram como facilitadores: ter diretrizes claras sobre os tipos de eventos adversos e erros que devem ser relatados, ter instruções sobre como notificá-los, receber feedback, contar com ações de encorajamento à notificação, ter garantia de proteção contra culpa e contar com um sistema para notificações anônimas e confidenciais.
As notificações
Importante observar que metade dos entrevistados disse nunca ter relatado um erro grave como administração incorreta de medicamentos levando à hospitalização prolongada, falhas em equipamentos, infecções nosocomiais, lesões por pressão, erros de diagnóstico e reações transfusionais.
Segmentando entre as classes profissionais, 39,3% dos enfermeiros e 53,3% dos médicos participantes disseram nunca relatar incidentes com medicação. Considerando que reduzir erros com medicamentos é o terceiro desafio global (2) para segurança do paciente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esse é um ponto que precisa ser destacado.
Sobre outros erros, mais médicos do que enfermeiros também disseram nunca relatar atrasos de tratamento que levaram o paciente à óbito e reações hemolíticas após transfusão de sangue ou derivados sanguíneos incompatíveis.
As diferenças de apontamento entre enfermeiros e médicos podem estar atreladas à cultura e aos sistemas de notificação da Nigéria, visto que o próprio estudo traz relatos de outros países onde há cenários contrários. Além disso, é preciso destacar que a Nigéria ainda não implementou um sistema formal para relatar erros, seja dentro das instituições seja a nível nacional. No Brasil, o cenário é diferente. Após a publicação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), foi lançada a RDC nº 36 que aborda a notificação, ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, dos eventos adversos decorrentes da prestação de serviços de saúde.
Para auxiliar os profissionais e as instituições, há a Nota Técnica nº 05/2019 (3), que traz orientações gerais para a notificação e detalha o sistema, como deve ser feito o cadastro, o que deve ser notificado, quem deve fazer a notificação, quais os prazos, entre outros direcionamentos.
Segundo Lucas Zambon, diretor científico do IBSP, este tipo de estudo observacional que faz um relato sobre o comportamento quanto a notificações de segurança do paciente dentro de uma determinada realidade, serve para estimular a análise se há semelhanças potenciais dentro das organizações de saúde locais. “Quais insights conseguimos levar para dentro de nossos locais de trabalho? E o que podemos tentar fazer de diferente? Estes são os aprendizados que precisamos ter”, finaliza.
Referências:
(2) The third WHO Global Patient Safety Challenge: Medication Without Harm
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