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O que os hospitais estão fazendo para prevenção de infecção associada a cateter e dispositivos?

O que os hospitais estão fazendo para prevenção de infecção associada a cateter e dispositivos?
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Cuidador e paciente na UTI: infecção associada a cateter e dispositivos já penaliza instituições no reembolso de custos hospitalares (Bigstock)
Cuidador e paciente na UTI: infecção associada a cateter e dispositivos já penaliza instituições no reembolso de custos hospitalares (Bigstock)

A Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (Iras) é um dos eventos adversos que mais preocupam dentro dos hospitais. Estima-se que, diariamente, entre 1 e 31 pacientes desenvolvam algum tipo de Iras, de acordo com levantamentos epidemiológicos americanos (1). A prevenção de infecção associada a cateter, em pacientes em uso de dispositivos urinários ou cateter central, e de pneumonia associada à ventilação mecânica concentram boa parte dos esforços das equipes pelo grande risco de danos aos pacientes.  Apesar da atenção que recebem nas instituições, há poucos dados sobre quais são as estratégias mais comuns adotadas pelas instituições – inclusive as que ainda não contam com bom embasamento científico. A publicação de um novo estudo, realizado em hospitais americanos, joga luz sobre esse tópico.

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O contexto

Com o aumento da resistência aos antimicrobianos, o potencial de danos causados pelas infecções torna-se cada vez maior, com a possibilidade de desfechos negativos e com o aumento dos dias de internação e dos custos hospitalares. Por isso, há sistemas de saúde que já punem as instituições pela ocorrência de infecções adquiridas nos hospitais. Nos Estados Unidos, o órgão do governo que reembolsa os hospitais por procedimentos realizados pelos “planos” de saúde mantidos pelo governo já prevê descontos com base em taxas de infecção. Esse novo cenário reforçou as políticas das instituições para a prevenção de infecções adquiridas.

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O novo levantamento

Pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e de um sistema de saúde que atende militares veteranos perguntaram a 900 hospitais dos Estados Unidos – 10% dos serviços do país – quais são as medidas de prevenção de infecção associada a cateter e dispositivos que eles usam. Quase 60% aceitaram o convite e responderam à pesquisa. Em média, eram hospitais com 193 leitos, dos quais 76% eram privados. Pelo menos 25% estavam ligados a faculdades de medicina (3).

Os resultados

Os pesquisadores responsáveis pelo novo levantamento perguntaram aos hospitais se eles usavam com frequência ou não medidas elencadas em um questionário enviado. Portanto, a citação da estratégia não foi espontânea, mas sugerida. Entre as medidas, os autores escolheram práticas geralmente recomendadas por diferentes diretrizes, práticas consideradas para casos especiais (quando as taxas de infecção não estão controladas) e práticas que não são recomendadas como rotina. Eles analisaram medidas para prevenção de infecção do trato urinário associada a cateter, infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central e pneumonia associada à ventilação mecânica.

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Para prevenção infecção do trato urinário associada a cateter, 93,2% das instituições que participaram da pesquisa afirmaram ter implantado um sistema de vigilância. Para infecção de corrente sanguínea, esse número foi de 92,8% e para prevenção de pneumonia 93,6%.

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A seguir, a frequência de uso das medidas incluídas no questionário americano e a validade de cada uma delas, segundo diretrizes internacionais e nacionais:

 

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO ASSOCIADA A CATETER
(em % dos hospitais que relataram usar regularmente)

  • Técnica asséptica na inserção e manutenção do cateter (90%)
    Recomendada pelas diretrizes da Sociedade Americana de Epidemiologia de Saúde (SHEA), pelo CDC, a agência americana de epidemiologia, e pela a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil. Consiste em realizar a higienização das mãos, segundo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), imediatamente antes da inserção, antes e depois de qualquer manipulação no local do cateter ou no dispositivo. A inserção deve ser feita usando luvas e materiais estéreis. A SHEA sugere uso de solução estéril ou antiséptica para limpeza do meato uretral e uso de lubrificante estéril para inserção (4). O CDC afirma que o uso de rotina de lubrificantes anti sépticos não é preciso e que mais pesquisas são necessárias sobre o uso de solução antisséptica versus água estéril ou solução salina para limpeza periuretral antes da inserção (5).
  • Sistema de lembretes ou ordens para identificar e remover cateteres desnecessários (75,3%)
    Estudos sugerem redução de 53% nas taxas de infecção com a adoção de um sistema de alertas (4). A estratégia de lembretes-padrão distribuídos no prontuário escrito ou eletrônico é recomendada pela Anvisa, especialmente com instituições altas taxas de infecção (6).
  • Ultrassom portátil de bexiga (73,2%)
    Na avaliação de retenção urinária após cirurgia, pode ser usado para evitar cateterização desnecessária, segundo a SHEA. No Brasil, a Anvisa também recomenda desenvolver protocolo de de retenção urinária no pós-operatório, incluindo cateterização intermitente e ultrassonografia de bexiga, com medida do resíduo pós-miccional. Fundamental levar em conta as indicações do fabricante para desinfecção do equipamento entre pacientes.
  • Cateterização intermitente (49,8%)
    Introdução de um cateter limpo para esvaziamento da bexiga. Recomendada pela Anvisa como alternativa à cateterização e pela Shea para pacientes com problema de esvaziamento da bexiga.
  • Cateter externo para homens (26,8%)
    No Brasil, a Anvisa sugere lembrar do uso do modelo em condom como uma das alternativas à cateterização, ao lado de cateter vesical intermitente.
  • Cateter revestido com prata (26,8%)
    Ainda não há consenso sobre a relação custo benefício da medida. Segundo a publicação Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde, da Anvisa (6), “não há evidências que o uso de sondas impregnadas com prata ou antibiótico diminui o risco de infecção (grau de recomendação B)”. A Anvisa recomenda “não utilizar rotineiramente cateter impregnado com prata ou outro antimicrobiano (A-I)”.

 

INFECÇÃO DE CORRENTE SANGUÍNEA ASSOCIADA A CATETER VENOSO CENTRAL
(em % dos hospitais que relataram usar regularmente)

  • Barreira máxima estéril no momento da inserção dos cateteres centrais (quase 100%)
    É considerada uma boa prática. Consiste no uso, por todos os profissionais envolvidos na inserção, de gorro, máscara, avental estéril de manga longa, luvas estéreis e óculos de proteção. O campo estéril deve ser ampliado, cobrindo o paciente da cabeça aos pés.
  • Preparo da pele com solução alcóolica de gliconato de clorexidina (quase 100%)
    É uma prática recomendada a aplicação de clorexidina > 0,5% na pele antes da inserção. Deve-se aguardar a secagem espontânea.
  • Curativos com clorexidina (89,1%)
    A Anvisa recomenda o uso de esponjas impregnadas com gliconato de clorexidina ou cobertura semipermeável de poliuretano com gel hidrofílico contendo gliconato de clorexidina a 2% em pacientes adultos internados UTI.
  • Cateteres com antimicrobianos (40,7%)
    No Brasil, a Anvisa recomenda cateteres centrais impregnados/recobertos de minociclina/rifampicina ou clorexidina/ sulfadiazina de prata de segunda geração (CSII) em pacientes adultos internados em unidades de terapia intensiva. A diretriz da SHEA (7) recomenda o uso desse tipo de cateter em unidades/populações com taxas de infecção acima da meta, em pacientes com acesso venoso limitado e histórico de infecção de corrente sanguínea e em pacientes com maior risco de sofrer sequelas graves em caso de infecção, como pacientes com implantes cardíacos.

 

PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA
(em % dos hospitais que relataram usar regularmente)

  • Posição de decúbito elevado (98,2%)
    É considerada uma boa prática, apesar de faltarem evidências científicas. Neste caso, a Anvisa (6) cita a diretriz da SHEA: “Não há dados suficientes para afirmar que a recomendação de manter pacientes com a cabeceira elevada em 30 a 45˚ tenha impacto significativo na redução da PAV ou mortalidade (qualidade de evidência II, segundo a publicação da Society for Healthcare Epidemiology of America and Cambridge University – SHEA de 2014). Porém, em função de ser uma medida simples, de fácil aplicabilidade, com baixo risco de complicação, nenhum custo e um benefício potencial, no último compêndio de estratégias de prevenção de PAV, publicado pelo SHEA em 2014, esta medida, classificada como uma medida básica foi recomendada”.
  • Interrupção diária da sedação (85%)
    A diretriz da Shea recomenda interromper a sedação uma vez por dia, para pacientes sem contra-indicação. O objetivo é permitir que o paciente estável ganhe consciência para avaliação clínica. É preciso ter um plano para caso o paciente não responda bem.
  • Lavagem da cavidade oral com antimicrobiano (83,6%)
    Estudos mostram que a higiene bucal adequada evita até 56% das infecções respiratórias (8). Entre vários procedimentos, a Anvisa recomenda “Controle químico, lavando as estruturas e nichos peribucal e intrabucal com gaze embebida em 15 mL de clorexidina aquosa, a 0,12 %, durante 1 minuto, inclusive na superfície externa do tubo orotraqueal”.
  • Drenagem de secreções subglóticas (57,6%)
    Medida recomendada pela diretriz da Shea e pela Anvisa no Brasil para pacientes que ficaram em ventilação mecânica por período superior a 48 horas ou 72 horas.
  • Descontaminação seletiva do trato digestivo (24,4%)
    Segundo a Anvisa, não há recomendação para a descontaminação digestiva seletiva, seja com antibióticos tópicos ou intravenosos. Segundo diretriz da SHEA, ainda faltam estudos de longo prazo mostrando que a prática não leva ao aumento da resistência antibiótica. Por isso, a instituição sugere a hospitais com taxas altas de pneumonia por ventilação mecânica aguardarem mais certezas científicas para adotar a estratégia (9).

Como usar os resultados do novo levantamento sobre prevenção de infecção?

O estudo (3) tem algumas limitações. Primeiro porque a amostra pode ter algum viés involuntário ao agregar as instituições que aceitaram participar, sem controle de perfil. Em segundo lugar, a coleta de dados foi feita com base no relato de profissionais encarregados pelo controle de infecção hospitalar, não em uma auditoria dos dados. Os respondedores podem ter superestimado ou subestimado a adesão a alguns procedimentos. Em terceiro lugar, alguns dos autores declararam conflitos de interesse, como dar palestras remuneradas sobre o tema e estar no conselho consultivo de empresas de tecnologia em saúde.

Tendo esses esclarecimentos em mente, o levantamento é uma fonte interessante de informação. Ele dá uma ideia do que os hospitais estão fazendo para diminuir seus índices de infecção em um cenário em que esses dados já são usados como balizadores do reembolso de custos hospitalares.

Além disso, os autores também perguntaram aos responsáveis pelo controle de infecção hospitalar, como eles avaliavam a postura da diretoria e liderança da instituição frente à prevenção. O resultado sugere que, apesar da importância do tema, inclusive para os resultados financeiros, apenas 53% afirmaram contar com muito apoio da liderança do hospital para o desenvolvimento das políticas de prevenção e a aplicação das medidas.

Qual é o cenário no Brasil da infecção relacionada à assistência à saúde?

O último levantamento disponível, referente a dados de 2017, sugere que, no Brasil, pneumonia associada à ventilação mecânica tem as taxas mais altas nas UTIs de adultos e que infecção de corrente sanguínea é o tipo que mais preocupa nas UTIs neonatais (2). 

O Brasil parece ainda estar preso a um desafio anterior à redução das taxas: aumentar a adesão das instituições à notificação desse tipo de dado. Desde 2010, hospitais devem notificar obrigatoriamente à Anvisa a ocorrência de infecção primária de corrente sanguínea em pacientes em uso de cateter venoso ventral. Em 2016, foram incluídas a notificações de pneumonia associada à ventilação mecânica e de infecção do trato urinário associada a cateter vesical de demora.

O boletim epidemiológico mais recente sugere que apenas 72% dos serviços com obrigatoriedade de notificação o fizeram para infecção primária de corrente sanguínea (com confirmação laboratorial), 69% para pneumonia e 72% para infecção de trato urinário. Recado do último boletim: “Quando o hospital não notifica seus dados, perde a oportunidade de contribuir com o conhecimento da realidade local e do desenvolvimento de ações, por parte das coordenações de controle de infecção municipais/estaduais e nacional para melhorar a qualidade dos serviços de saúde.”

Referências

  1. (1) USA. Centers for Disease Control and Prevention. Healthcare-associated Infections. Data Portal. Data Highlights From the National and State Healthcare-Associated Infections Progress Report.
  2. (2) Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Boletim Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde nº 17: Avaliação dos indicadores nacionais das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) e Resistência Microbiana do ano de 2017.
  3. (3) Saint S ; Greene MT ; Fowler KE; et al. What US hospitals are currently doing to prevent common device-associated infections: results from a national survey.  BMJ Qual Saf. 2019 Apr 23; [Epub ahead of print]
  4. (4) Lo E, Nicolle LE, Coffin SE, et al. Strategies to prevent catheter-associated urinary tract infections in acute care hospitals: 2014 update. Infect Control Hosp Epidemiol 2014;35:464–79
  5. (5) USA. Centers for Disease Control and Prevention. Guideline for Prevention of Catheter-Associated Urinary Tract Infections (2009).
  6. (6) Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Brasília: Anvisa, 2017
  7. (7) Marschall J, Mermel LA, Fakih M, et al. Strategies to prevent central line-associated bloodstream infections in acute care hospitals: 2014 update. Infect Control Hosp Epidemiol 2014;35:753–71
  8. (8) Bellissimo-Rodrigues WT, Menegueti MG, Gaspar GG et al. Effectiveness of a dental care intervention in the prevention of lower respiratory tract nosocomial infections among intensive care patients: a randomized clinical trial. Infect Control Hosp Epidemiol 2014 35: 1342–1348.
  9. (9) Klompas, M., Branson, R., Eichenwald, E. C., Greene, L. R., Howell, M. D., Lee, G., … Berenholtz, S. M. (2014). Strategies to Prevent Ventilator-Associated Pneumonia in Acute Care Hospitals: 2014 Update. Infection Control & Hospital Epidemiology, 35(08), 915–936. doi:10.1086/677144

 

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