Em abril de 2020 a saúde nacional comemora sete anos da publicação da Portaria nº 529 (1) responsável pela instituição do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), um marco do setor. Criado para que todos os estabelecimentos de saúde do país ampliassem suas qualificações, o PNSP veio ao encontro de abordagens internacionais amparadas, inclusive, em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em 1999, o Instituto de Medicina norte-americano estimou que os Estados Unidos acumulavam de 44 mil a 98 mil mortes anuais em decorrência de erros na assistência ao paciente (2). O dado alarmou a comunidade de saúde que passou a analisar os desfechos clínicos relacionando-os à qualidade do cuidado e à segurança do paciente.
No Brasil o cenário também não era dos melhores. Estudo de 2009 (3) avaliou os eventos adversos em três hospitais brasileiros e concluiu que a incidência foi de 7,6%, sendo que a proporção geral de eventos adversos evitáveis foi de 66,7%. Era realmente necessário implementar políticas que movimentassem esse setor a fim de que as unidades de saúde se tornassem locais mais seguros para a população.
Antes da publicação da Portaria nº 529 – seguida pela RDC nº 36, que estabeleceu a obrigatoriedade da implantação dos núcleos de segurança do paciente em serviços de saúde no Brasil –, o governo investiu em ações já direcionadas a esse cenário como, por exemplo, o QualiSUS-Rede (4), projeto de formação e melhoria da qualidade de rede de atenção à saúde. Mas somente em 2013 que, de fato, as perspectivas começaram a mudar.
Uma das metas estabelecidas pelo PNSP é a criação de um Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) que tem, como finalidade, reunir uma equipe multidisciplinar para elaborar um plano de segurança que auxilie a identificação de falhas e a mitigação dos eventos adversos.
Incidentes relacionados à assistência à saúde
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publica anualmente os dados obtidos pelo seu sistema de notificação para que possamos acompanhar os incidentes relacionados à assistência ocorridos em território nacional. Os números de 2019 traduzem um cenário que ainda carece de melhorias (5).
Segundo a publicação, a região sudeste é a responsável pelo maior número de notificações, somando 38,2% dos incidentes notificados em 2019. Na sequência estão o nordeste (21,8%) seguido por sul (19,9%), centro-oeste (14,4%) e norte (5,7%). O número de notificações segue a densidade populacional das regiões, visto que o sudeste brasileiro tem mais de 80 milhões de habitantes, o nordeste conta com mais de 56 milhões de pessoas e o norte, que está em último no gráfico da Anvisa, tem pouco mais de 18 milhões de habitantes.
Ao elencar os tipos de incidentes notificados com maior frequência temos:
1º Falhas durante a assistência à saúde
2º Úlcera por pressão
3º Falhas envolvendo cateter venoso
4º Queda do paciente
5º Falha na identificação do paciente
6º Falhas envolvendo sondas
7º Falha na documentação
8º Evasão do paciente
9º Falhas na administração de dietas
10º Falhas nas atividades administrativas
11º Acidentes do paciente
12º Extubação endotraqueal acidental
13º Falhas durante procedimento cirúrgico
14º Falhas ocorridas em laboratórios clínicos ou de patologia
15º Broncoaspiração
Porém é interessante analisar que dependendo do tipo de estabelecimento de saúde, os incidentes notificados são diferentes. Em hospitais, por exemplo, falhas durante a assistência foram os incidentes mais notificados. Já em serviços exclusivos de urgência e emergência (como as UPAs) evasão do paciente foi o incidente mais apontado e em serviços e instituições de saúde mental e psicológica, o principal evento adverso está relacionado à queda dos pacientes.
>> O que é um Núcleo de Segurança do Paciente?
Desafios
Estudo realizado na Universidade Federal de Pernambuco (6) avaliou o impacto da estratégia de segurança do paciente em um hospital universitário. Na ocasião, os pesquisadores optaram por fundamentar a pesquisa na unidade de clínica médica da instituição, que conta com 13 enfermarias e 26 leitos.
A publicação aponta alguns desafios que persistem para criação do núcleo de segurança do paciente, porém reforça que esses entraves não impedem a continuação do projeto. Entre as dificuldades estavam os recursos humanos e financeiros decorrentes da troca de gestão da unidade e a ausência do mapeamento de riscos, representação gráfica das chances de acidentes físicos, químicos, biológicos e ergonômicos.
Neste hospital, dois anos após a criação do núcleo de segurança do paciente, foi implementada a Unidade de Gerenciamento de Riscos Assistenciais (UGRA), responsável pela definição dos principais indicadores que avaliariam e contribuiriam com o alcance de metas internacionais de segurança do paciente conforme padrões da Joint Commission International (JCI) vigentes durante a realização do estudo. Como resultado da avaliação e considerando todos os parâmetros, o índice de conformidade obtido pela unidade foi de 56,25%, o que está abaixo dos 80% recomendados pela JCI (tal índice também refere-se à época do estudo e ressaltamos que esta recomendação pode variar ao longo do tempo e conforme a versão do manual de acreditação da entidade).
Abaixo os indicadores que foram definidos para cada uma das metas da JCI (versão da época do estudo).
Meta | Indicadores |
Identificação correta do paciente | Número de eventos adversos devido a falhas na identificação do paciente e proporção de pacientes com pulseiras padronizadas entre os pacientes internados. |
Melhorar a comunicação entre profissionais de saúde | Número de eventos adversos devido a falhas na comunicação verbal; taxa de ordens verbais registradas entre o total das informações verbais; e, assegurar comunicação inequívoca em 100% das prescrições e resultados de exames verbais. |
Melhorar a segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos | Taxa de erros na prescrição de medicamentos; taxa de erros na dispensação de medicamentos; taxa de inadequação dos carros de medicações de urgência. |
Assegurar a cirurgia em local de intervenção, procedimento e paciente corretos | Percentual de pacientes que recebeu antibiótico profilaxia no momento adequado; número de cirurgias em local errado; e número de cirurgias em paciente errado. |
Higienização das mãos para prevenção de infecções relacionadas a assistência a saúde | Assegurar 100% higiene das mãos em todas as oportunidades; percentual de infraestrutura adequada: número de pontos para higiene. |
Reduzir o risco de quedas e úlceras por pressão | Identificar 100% dos pacientes com risco para queda e úlcera cutânea e aplicar medidas de prevenção; número de quedas com dano; número de quedas sem dano. |
Melhorar a segurança na prescrição das solicitações de transfusões de sangue (STS), no uso e na administração de hemocomponentes | Identificar corretamente 100% das amostras; e preencher corretamente 100% das Solicitações de Transfusões de Sangue (STS). |
Referências:
(1) Portaria nº 529 – Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP)
(2) Necessidade de implantar programa nacional de segurança do paciente no Brasil
(3) The assessment of adverse events in hospitals in Brazil
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