Conquistar a equidade na saúde tem sido objetivo de muitos sistemas globais. Para isso, é preciso avaliar como populações mais vulneráveis são assistidas quando buscam atendimento. Será que essas pessoas estão mais suscetíveis a eventos de segurança? E será que as notificações refletem exatamente esse cenário?
Um estudo de coorte retrospectivo conduzido nos Estados Unidos examinou as notificações ao longo de quatro anos classificando os pacientes por raça, etnia, condição socioeconômica e proficiência na língua inglesa (já que em território norte-americano há muitos imigrantes e o entrave linguístico se faz presente).
Em um centro médico acadêmico, foram avaliadas 141.877 internações de pessoas com pelo menos 18 anos ocorridas entre outubro de 2014 e dezembro de 2018. Desse montante, 19.280 (13,6%) envolveram algum incidente para a segurança dos pacientes.
Importante destacar que os eventos são notificados ou em relatórios voluntários, ou pelos sistemas automatizados vinculados ao prontuário eletrônico do paciente. Dessa forma, os incidentes apontados são diferentes em cada caso.
Enquanto no sistema voluntário são apontados eventos como erros de medicamentos; de diagnóstico e tratamento; de radiologia; em cirurgias e procedimentos; laboratoriais; de comunicação, coordenação ou de transferência; de identificação do paciente ou de documentação; além de lesões de pele e tecidos; quedas; infecções e problemas no acesso intravenoso; no automatizado, os relatos incluem infecção por Clostridium difficile após antibióticos, infecção da corrente sanguínea, sangramentos não reconhecidos, tempo de tromboplastina parcial, lesão renal aguda, entre outros.
Para segmentar os pacientes, filtrando aquelas populações mais vulneráveis, o estudo traçou três classificações:
- Raça e etnia – Branca, negra, latina/hispânica, asiática outra/desconhecida.
- Status socioeconômico – Classificação de acordo com o tipo de seguro de saúde do paciente
- Proficiência limitada em inglês – Todo paciente que, na admissão, apontou um idioma diferente do inglês como preferência.
Entre os casos avaliados, a média do tempo de internação foi de três dias. Os pesquisadores também segmentaram essa amostra e chegaram a esse perfil:
- 58 anos foi a média de idade
- 58,3% eram mulheres
- 10,1% tinham proficiência limitada em inglês
- 12,7% eram negros
- 4,4% eram latinos
- 5,2% eram asiáticos
- 16,4% tinham seguro Medicaid (programa de saúde dos EUA para população de baixa renda)
Resultados
As análises ajustadas do estudo – ou seja, quando cada indicador (raça, etnia, condição socioeconômica e proficiência limitada em inglês) é inserido individualmente – sugerem que os pacientes asiáticos tiveram risco significativamente menor de experimentar um evento de segurança do que aqueles de outras raças e etnias. Além disso, pacientes com dificuldades relativas ao idioma (como os que têm mandarim e espanhol como idioma prioritário) se mostraram menos propensos a vivenciar qualquer incidente.
Importante observar que há diferença de resultados em cada tipo de notificação. Naqueles eventos relatados voluntariamente, pacientes latinos e asiáticos se mostraram menos propensos a experimentar um evento de segurança. Já nos relatos automatizados, pacientes negros foram os únicos com maior probabilidade apontada de enfrentar um incidente.
O que esses resultados sugerem? Que há discrepâncias significativas na forma como os eventos são relatados. Tanto que algumas minorias raciais (em particular os negros) experimentavam mais eventos apenas quando esses eram rastreados de forma automática. Dessa forma, o estudo indica uma subnotificação de incidentes em populações vulneráveis quando o relato é voluntário.
Outro ponto que remete a essa mesma observação é de que pacientes com dificuldades com o idioma inglês naturalmente estariam mais suscetíveis a erros de comunicação devido a entraves de compreensão. Porém, esse tipo de erro somente seria reportado no sistema voluntário, não seria capturado de forma automática.
Por fim, o estudo sugere que a subnotificação se faz presente quando os relatos são voluntários e pode ser ainda maior em populações mais vulneráveis. Considera, ainda, que essa baixa notificação pode ser desencadeada por diversos fatores que vão desde uma possível maior facilidade em identificar os eventos em pacientes brancos e com fluência em inglês até ao nível socioeconômico e cultural que pode levar um paciente financeiramente privilegiado a conhecer mais sobre seu estado de saúde e seus direitos.
Assim, aponta que há o desafio de melhorar esses relatos de eventos de segurança para evitar que a desigualdade em saúde se torne ainda maior. Se automatizar pode ajudar a eliminar alguns vieses e fatores humanos, mas não soluciona absolutamente todas as dificuldades (visto que o sistema automatizado é uma maneira menos aprofundada de relato de incidentes), o importante é melhorar o formato como um todo, inclusive estimulando e padronizando a notificação voluntária.
Referências:
(1) Inpatient patient safety events in vulnerable populations: a retrospective cohort study
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