Profissionais de um sistema de saúde americano investigaram o efeito das pequenas distrações cotidianas na ocorrência de eventos adversos. Ao analisar as notificações de incidentes que aconteceram em hospitais da rede ao longo de três anos, entre 2013 e 2016 (1), descobriram que 220 delas tinham como causa-raiz as interrupções: o profissional encarregado de uma tarefa havia interrompido sua execução para fazer uma nova ação, que não fora planejada anteriormente, e mantinha a intenção de voltar à tarefa inicial (2).
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Algumas teorias sugerem que esse tipo de interferência causa uma sobrecarga cognitiva que interfere no desempenho. Seja porque se exige do cérebro realizar tarefas que competem por recursos e prejudicam o resultado final ou porque um novo nível de dificuldade é inserido: fazer com que os circuitos cerebrais se lembrem da tarefa interrompida para retomá-la (3). Na prática, a dificuldade é familiar a todos e os resultados, com frequência, frustrantes.
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O levantamento revelou conclusões preocupantes sobre onde e como ocorrem essas interrupções e, principalmente, quem são as vítimas e quem são os causadores das distrações. Os achados podem ajudar a traçar medidas que protejam os profissionais e, claro, os pacientes. Vamos às conclusões.
Quem é mais interrompido?
A enfermagem ocupa o primeiro lugar no posto de principais vítimas das interrupções. Em 50% dos casos que resultaram em eventos adversos, um profissional de enfermagem teve sua atividade interrompida por alguém ou alguma circunstância, prejudicando sua concentração. Técnicos, como os que trabalham em laboratórios de análise, ficaram com a segunda posição (17%), seguidos de perto pelos farmacêuticos (16%). Os médicos aparecem com os menos sujeitos a interrupções: apenas em 9% dos casos foram o alvo.
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Qual atividade mais sujeita a interrupções?
Os dados são preocupantes. Em 51% das vezes, atividades relacionadas à medicação foram interrompidas, o que resultou em incidentes. Em 24%, a distração aconteceu durante a administração do medicamento. As consequências variaram: de dose errada (10%) a dose esquecida (7%), de medicamento errado (4,5%) a paciente errado (4,5%). Em 17% a interrupção aconteceu no pedido, resultando em dose errada (7%), medicamento errado (5,5%) ou esquecido (4%). Em 10% dos casos, a interrupção aconteceu no preparo.
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Em função da gravidade das consequências geradas pela distração durante o processo de medicação, os autores sugerem medidas específicas à beira do leito, onde ocorre a administração, e a criação de zonas de silêncio, onde são feitos os pedidos.
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Outra parcela importante das interrupções aconteceu em laboratórios de análises (23%) e no cuidado com os pacientes (22%). Dentro da categoria de cuidados assistenciais, as ações mais sujeitas à interrupção foram as de monitoramento do paciente (4,5%).
Por que as interrupções acontecem?
Os motivos que geraram as interrupções foram divididos pelos autores em três grandes categorias: fatores ambientais, humanos e tecnológicos.
As distrações causadas por fatores ambientais foram as mais frequentes (64%). Dentro dessa categoria, as distrações comuns aconteceram em 43% dos casos. A sobrecarga de trabalho foi apontada como culpada em 19%. A condição do paciente – como no caso de deterioração – respondeu a meros 2% das situações.
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Uma pessoa esteve por trás da interrupção em 26% dos incidentes. Surpreendentemente (ou não), o próprio paciente e seus familiares causaram 14% das distrações. O achado expõe um dilema dos profissionais de saúde, segundo os autores. Até que ponto concentrar-se nas necessidades do paciente, mas sem perder o foco na realização de uma tarefa específica?
“Possíveis intervenções para reduzir essas interrupções incluem rondas regulares da enfermagem e visita dos médicos ao leito”, escreveram os autores. Essas rondas mais frequentes, para verificar as necessidades dos pacientes, concentraria as solicitações e dúvidas durante essas visitas, deixando as entradas no quarto para realização de procedimentos menos sujeitas a interrupções.
As interrupções causadas por fatores tecnológicos foram as menos frequentes: aconteceram em 9,5% dos casos. Na maior parte deles (6,8%), o telefone foi o culpado. Em apenas 1,8%, algum dispositivo usado no cuidado causou a distração.
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Como prevenir as interrupções no cuidado?
Os autores chamam a atenção para o fato de que muitas das soluções sugeridas nos relatórios das investigações se baseia em treinamento dos profissionais de saúde, quando deveriam concentrar-se em mudanças do sistema e nos fluxos de trabalho. Mudanças na arquitetura do sistema e na cadeia de procedimentos têm maior potencial de serem efetivas e permanentes. O objetivo deve ser torná-los a prova de erros.
Referências
(1) Kellogg, K. M., Puthumana, J. S., Fong, A., Adams, K. T., & Ratwani, R. M. (2018). Understanding the Types and Effects of Clinical Interruptions and Distractions Recorded in a Multihospital Patient Safety Reporting System. Journal of Patient Safety, 1.doi:10.1097/pts.0000000000000513
(2) Brixey JJ, Robinson DJ, Johnson CW, et al. Towards a hybrid method to categorize interruptions and activities in healthcare. Int J Med Inform. 2007;76(11-12):812–820. doi:10.1016/j.ijmedinf.2006.09.018
(3) Li SY, Magrabi F, Coiera E. A systematic review of the psychological literature on interruption and its patient safety implications. J Am Med Inform Assoc. 2012;19(1):6–12. doi:10.1136/amiajnl-2010-000024
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