Estudo com 3.239 médicos aponta que o aumento de mensagens entre equipes está associado a maior chance de envio de solicitações para o paciente errado
A comunicação eficaz entre equipes multiprofissionais é reconhecida como um dos pilares da segurança do paciente. Nos últimos anos, o avanço da tecnologia digital e a adoção de ferramentas de mensagens instantâneas revolucionaram a forma como médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros profissionais da saúde interagem. Contudo, essa agilidade precisa vir acompanhada de critérios técnicos e operacionais, sob risco de comprometer a qualidade da informação e a segurança do cuidado.
No Brasil, o WhatsApp é amplamente utilizado também no ambiente da saúde, o que motivou posicionamentos formais de entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). O Parecer CFM nº 14/2017 (1), por exemplo, reconhece que o aplicativo quebra barreiras geográficas e facilita a comunicação entre profissionais, pacientes e familiares, especialmente em situações emergenciais. Desde que respeitadas as normas éticas definidas, seu uso é permitido.
O que diz a literatura
Com a popularização das mensagens instantâneas entre equipes médicas, cresce a necessidade de avaliar os impactos desse novo cenário sobre a segurança do paciente. Um estudo de coorte recente envolvendo 3.239 médicos trouxe um sinal de alerta importante: quanto maior o volume de mensagens trocadas, maior o risco de erros de solicitação para o paciente errado.
A pesquisa analisou dados de médicos assistentes, residentes e profissionais de prática avançada que atuavam em 14 hospitais universitários e comunitários, entre 1º de fevereiro e 30 de abril de 2023. No total, foram acompanhados 75.546 dias clínicos e mensurados os volumes de mensagens seguras enviadas e recebidas.
A média foi de 16 mensagens por dia, e, em 295 dias clínicos, foram identificados eventos de retratação ou reordenação, ou seja, orientações e pedidos feitos para o paciente errado. Os profissionais que estavam entre os 25% que mais enviavam mensagens tiveram 10% mais chance de cometer esse tipo de erro em comparação àqueles com menor volume de mensagens. Entre os grupos profissionais, os médicos assistentes foram os mais impactados, com 20% mais risco de erro.
Reflexões e implicações
Esses achados sugerem que o alto volume de mensagens pode:
- Aumentar a carga cognitiva dos profissionais;
- Elevar o risco de confusão na identificação dos pacientes;
- Ser indicativo de casos mais complexos, que demandam maior coordenação entre as equipes.
É importante considerar que, em muitos casos, pacientes críticos ou com múltiplas comorbidades exigem maior volume de comunicação, o que pode naturalmente elevar o tráfego de mensagens entre os times.
Diante desse cenário, os autores do estudo recomendam que gestores hospitalares:
- Monitorem o volume de mensagens trocadas como um possível indicador indireto de sobrecarga de trabalho;
- Adotem protocolos padronizados de identificação, como nome completo e número do prontuário em todas as interações;
- Capacitem as equipes quanto ao uso seguro e estruturado de ferramentas de comunicação, inclusive nos aplicativos mais populares.
Embora a comunicação via mensagens instantâneas esteja integrada à prática clínica contemporânea, o estudo destaca a urgência de um uso mais consciente, protocolado e orientado por boas práticas, protegendo a equipe e, sobretudo, o paciente.
Na opinião de Lucas Zambon, diretor Científico do IBSP, vivemos uma realidade insegura em termos de comunicação no meio digital para os cuidados em saúde. “Apesar de aplicativos como Whatsapp serem usados largamente, eles não são projetados para viabilizar uma comunicação segura entre profissionais de saúde, principalmente levando em conta que há potenciais riscos em termos de identificação do paciente, erros de medicação (dose errada, posologia errada, etc), erros na indicação de exames, erros de priorização, só para citar alguns exemplos”, diz.
O executivo reforça que o setor deveria buscar soluções controladas e que inclusive fossem integradas ao prontuário eletrônico. “Assim preservaríamos a mobilidade e a facilidade que a tecnologia pode trazer, mas garantindo que erros dessa natureza sejam potencialmente erradicados”, finaliza.
Referências:
1. Parecer CFM nº 14/2017
2. Secure Messaging Use and Wrong-Patient Ordering Errors Among Inpatient Clinicians
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