Uma revisão publicada no BMJ Quality & Safety mostra que contornar padrões não é um fenômeno simples; compreender suas causas e impactos é fundamental para aprimorar a segurança assistencial
No campo da segurança do paciente, a padronização tem sido, há décadas, vista como uma das principais estratégias para reduzir riscos. A lógica é clara: quando processos são padronizados e não há desvio, a variabilidade diminui e a previsibilidade aumenta.
Entretanto, pesquisas mais recentes vêm questionando se seguir padrões de forma rigorosa e inflexível, especialmente em contextos de pressão assistencial, realmente garante maior segurança. Abordagens contemporâneas apontam que, em determinados cenários, sair do padrão pode ser tanto prejudicial quanto benéfico, dependendo das circunstâncias e do tipo de decisão tomada pela equipe.
Uma revisão (1) publicada no BMJ Quality & Safety, que analisou aproximadamente 30 estudos, buscou justamente mapear como e por que profissionais de saúde contornam normas de segurança, além de identificar as implicações dessas decisões na prática clínica.
A análise identificou 21 formas diferentes de desviar de padrões especialmente relacionados à segurança medicamentosa. Enfermeiros, médicos e farmacêuticos foram os grupos que mais apareceram nas pesquisas, não por negligência, mas por atuarem em ambientes complexos, com múltiplas demandas e pressões.
Os desvios ocorreram por um conjunto de causas interligadas, indicando que esse não é um fenômeno simples. Cerca de 90% estavam relacionados a fatores organizacionais, como carga de trabalho elevada, falta de treinamento, escassez de recursos ou regras conflitantes. Também surgiram soluções alternativas motivadas por exigências da tarefa, como agir rapidamente em emergências ou buscar maior eficiência.
Outros fatores incluíram elementos individuais, como fadiga, preferências pessoais, excesso de familiaridade com o processo, resistência à inovação ou desconhecimento das normas, e fatores profissionais, como ajustes conscientes para aumentar a segurança ou auxiliar colegas. Em complementaridade, fatores ambientais e técnicos, como falhas de equipamentos ou limitações físicas, também impulsionaram alguns desvios.
Como o desvio impacta a assistência
Ao analisar os impactos dessas soluções alternativas na qualidade do atendimento, a revisão mostrou um padrão importante: um mesmo desvio pode melhorar um aspecto da qualidade e comprometer outro. Por exemplo, agilizar o processo pode reduzir atrasos, mas aumentar riscos.
Entre os efeitos positivos relatados estavam:
- facilitar a gestão de cargas de trabalho elevadas,
- permitir melhor assistência em cenários adversos,
- apoiar decisões clínicas em situações excepcionais.
Entre os impactos negativos, destacaram-se:
- aumento da carga de trabalho,
- maior vulnerabilidade profissional,
- riscos legais e éticos,
- e a possibilidade de mascarar fragilidades sistêmicas.
Assim, desviar de um padrão deve sempre acender um alerta. Embora possa representar uma adaptação necessária diante de barreiras práticas, também pode indicar falhas estruturais que exigem atenção. A boa notícia é que, quando identificadas e analisadas, essas soluções alternativas se tornam oportunidades valiosas para revelar vulnerabilidades, aprimorar processos e fortalecer a cultura de segurança, algo observado em quase metade dos artigos incluídos na revisão.
Diante da complexidade e da relevância do tema, o IBSP incluiu, no IBSP Conecta Premium, o novo curso Normalização do Desvio, que aprofunda essa discussão e mostra, na prática, como reconhecer e agir diante desses comportamentos na rotina assistencial. O curso é ministrado por Gustavo Rocha, capitão com mais de 10 mil horas de voo, especialista em segurança operacional e consultor da série da Netflix “Congonhas: Tragédia Anunciada”. Acesse conecta.ibsp.net.br.
Referências:
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