Estudo realizado no país revela falta de clareza sobre responsabilidades acerca da resistência antimicrobiana
A resistência antimicrobiana (RAM) segue como uma das maiores ameaças à segurança cirúrgica e um novo estudo francês traz luz sobre como cirurgiões percebem e manejam essa questão no cotidiano.
Em um questionário nacional anônimo, realizado entre maio e outubro de 2024 com 234 cirurgiões de diferentes especialidades, pesquisadores avaliaram percepções, papéis e responsabilidades desses profissionais na profilaxia antibiótica cirúrgica e no tratamento de infecções pós-operatórias.
Os resultados apontam uma contradição relevante: embora quase metade reconheça que a resistência bacteriana pode comprometer seriamente a capacidade de oferecer cirurgia segura nos próximos anos, muitos ainda adotam práticas que contrariam recomendações internacionais.
Quase 49% dos cirurgiões afirmaram acreditar que a resistência aos antibióticos representa uma ameaça iminente à qualidade da assistência cirúrgica. Em apenas 30 dias antes da pesquisa, 40% dos respondentes já haviam enfrentado pelo menos um problema relacionado à RAM que dificultou o manejo clínico de seus pacientes. Mesmo entre aqueles que ainda não vivenciaram complicações, 96% consideram provável que isso ocorra na próxima década.
Falta de clareza sobre as responsabilidades
Apenas um terço dos cirurgiões afirmou que os papéis das diferentes equipes no manejo de infecções estão claramente definidos em seus serviços. A falta de alinhamento varia entre especialidades: enquanto 54% dos ortopedistas disseram ter funções claramente estabelecidas, esse percentual cai para cerca de 25% entre cirurgiões gastrointestinais e ginecológicos.
Na prática clínica, o envolvimento direto dos cirurgiões na escolha da profilaxia no início da cirurgia ocorre sempre em apenas 33% dos casos, e frequentemente em 27%. Quando surge uma suspeita de infecção pós-operatória, porém, o papel cirúrgico é mais evidente: 67% afirmaram estar sistematicamente envolvidos no diagnóstico e quase metade na prescrição dos antibióticos terapêuticos.
Cirurgiões mais experientes assumem majoritariamente o tratamento inicial, enquanto equipes de doenças infecciosas, profissionais menos experientes e anestesistas completam o fluxo de decisão.
O achado mais marcante do estudo é que 47% dos cirurgiões admitiram estender a profilaxia antibiótica para o período pós-operatório, uma conduta sabidamente inadequada e que contribui diretamente para o aumento da resistência antimicrobiana. A prática foi mais comum entre homens mais jovens e varia conforme o contexto institucional.
Implicações para a qualidade
Os autores do estudo francês destacam a preocupação central: mesmo diante de amplo reconhecimento do risco, muitos cirurgiões continuam a adotar estratégias que ampliam a exposição desnecessária aos antibióticos. Para eles, os dados apontam a urgência de intervenções educativas, de maior clareza sobre responsabilidades e de fortalecimento de políticas internas que alinhem equipes cirúrgicas, infecciosas e anestésicas.
O estudo, apesar de limitado à realidade francesa e baseado em autorrelato, amplia o debate sobre a necessidade de protocolos mais claros e de uma abordagem mais integrada para prevenir infecções e conter a resistência antimicrobiana.
Referências:
(1) Surgeons’ Contributions to Antibiotic Stewardship and Resistance Prevention
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