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Linguagem estigmatizante compromete a segurança do paciente e a cultura de cuidado

Linguagem estigmatizante compromete a segurança do paciente e a cultura de cuidado
Segurança do paciente
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Estudo revela que linguagem com viés pode comprometer a empatia, a comunicação entre equipes e a segurança

Um estudo (1) publicado recentemente no JAMA Network questiona qual o impacto da linguagem tendenciosa na transferência de plantão. Será que a forma como as informações são transmitidas pode mudar a atitude das equipes clínicas quanto aos pacientes? O resultado é que sim, falas estigmatizantes entre profissionais de saúde pode comprometer tanto a qualidade da assistência quanto a segurança do paciente. Com tudo isso, a cultura de segurança das instituições também acaba comprometida.

Os pesquisadores realizaram o estudo dividindo estudantes e residentes de medicina em dois grupos. O primeiro recebeu informações neutras sobre um paciente e o segundo escutou relatos carregados de viés, com termos que expressavam dúvida, culpa ou julgamento. O resultado é preocupante: quem ouviu os relatos enviesados teve menor capacidade de lembrar informações clínicas importantes e passou a ter atitudes mais negativas em relação ao paciente, fazendo interpretações enviesadas dos dados clínicos apresentados.

Interpretação de especialistas sobre a segurança

Também no JAMA Network, Somnath Saha, professor do Johns Hopkins Center for Health Equity, e Mary Catherine Beach, professora da Escola de Medicina da mesma universidade, publicaram um artigo (2) com análises bastante interessantes sobre esse estudo. 

O tema desperta interesse e atenção dos especialistas, visto que mais do que um problema de comunicação, trata-se de um risco direto à segurança do paciente. A pesquisa mostra que a linguagem estigmatizante compromete a empatia do profissional, e essa queda de empatia impacta a retenção de informações cruciais para a tomada de decisão clínica. Isso demonstra que o uso de termos depreciativos ou desumanizadores durante a passagem de casos não só perpetua preconceitos, como também enfraquece a capacidade da equipe de atuar com precisão e abre espaço para falhas assistenciais.

Essa constatação é especialmente relevante quando pensamos na cultura de segurança do paciente. Os autores do artigo destacam que a linguagem usada em alguns prontuários e passagens de plantão pode funcionar como vetor de disseminação de vieses (conscientes ou inconscientes) entre profissionais, prejudicando a percepção do paciente e influenciando negativamente condutas clínicas subsequentes.

No Brasil, onde as instituições de saúde ainda enfrentam desafios significativos em relação à equidade e à humanização do cuidado, os achados do estudo ressoam de forma direta. A naturalização de termos pejorativos para se referir a determinados perfis de pacientes como, por exemplo, pessoas em situação de rua, com transtornos por uso de substâncias ou com doenças estigmatizadas, é um traço que precisa ser revisto com urgência. A perpetuação desse comportamento, muitas vezes presente no chamado “currículo oculto” da formação médica, contribui para a desumanização do cuidado e mina os esforços por uma assistência mais segura e centrada no paciente.

Como reforça o texto, combater esse problema exige mais do que treinamento técnico. É necessário revisar o ambiente institucional, os modelos de ensino e a cultura organizacional que normalizam o uso de linguagem desrespeitosa. A construção de uma cultura de segurança robusta só será possível se estiver acompanhada de uma cultura de respeito em que todos os pacientes sejam vistos com dignidade, e todos os profissionais compreendam que empatia e precisão clínica andam juntas.

Os especialistas do Johns Hopkins levam a uma reflexão de que, no contexto da segurança do paciente, não basta reduzir eventos adversos. É preciso garantir que o cuidado seja oferecido com qualidade, isenção de julgamentos e profundo respeito à história e à condição de cada indivíduo. 

Referências:

(1) Biased Language in Simulated Handoffs and Clinician Recall and Attitudes
(2) Building a Culture of Quality and Safety in Health Care—The Importance of Respect for Patients

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