Marcela Buscato
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A NOVIDADE – Uma revisão da Universidade de Basel, na Suíça, analisou 25 levantamentos internacionais sobre causas e frequências de eventos adversos. A análise mostra que 10% dos pacientes sofrem algum tipo de evento adverso durante o tratamento. A metade – 51,2% – poderia ter sido prevenida. Chama a atenção o tempo de recuperação imposto pelos eventos adversos. Apesar de mais da metade (53,5%) terem provocado danos mínimos e temporários, que levaram até 1 mês para serem revertidos, uma parcela expressiva ( 21,2%) causaram prejuízos moderados, com período de recuperação de até um ano. Dano permanente foi causado por 7.3% dos eventos adversos e outros 7,3% resultaram em morte.
O CONTEXTO – Quantificar os eventos adversos e estimar seu impacto é um assunto que costuma causa controvérsia em razão da metodologia usada para colher, analisar e tratar os dados. Nem estudos famosos, como o Errar é humano, da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos, escapam das polêmicas. Uma das críticas mais frequentes é sobre como separar adequadamente danos que ocorreriam de qualquer maneira daqueles causados, de fato, por complicações relacionadas à assistência – o que pode inflar os resultados. Estudos brasileiros também despertam críticas.
A PRÁTICA – Apesar de discordâncias metodológicas entre autores, levantamentos sobre eventos adversos têm o mérito de chamar a atenção para o problema e, principalmente, mapear onde eles são críticos. Para os serviços de saúde, é imprescindível ter informações de onde estão as principais vulnerabilidades. É a única maneira de traçar estratégias para saná-las. Em 2011, a consultoria americana Milliman, ofereceu um guia interessante das principais causas de eventos adversos, nos Estados Unidos, que concentram 70% dos custos.
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Leia a reportagem completa a seguir:
As ciências médicas passaram por transformações substanciais nos últimos séculos. De avanços em tratamentos – do antibiótico à imunoterapia e à edição precisa do DNA – à maneira como entender a própria medicina: “uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade”, segundo definição do clínico canadense William Osler. Isso significa reconhecer que a assistência à saúde nem sempre resulta apenas em benefícios – eles caminham, necessariamente, ao lado do risco de produzir danos na tentativa de salvar vidas. Determinar o tamanho desse risco e entender o impacto dos danos é um desafio que os profissionais enfrentam no dia a dia dos hospitais. E que gestores e pesquisadores buscam medir na prática.
Uma nova revisão de estudos, publicada em julho, volta ao tópico que invariavelmente traz polêmica: com que frequência eventos adversos resultam do cuidado? O trabalho dos cincos pesquisadores suíços, da Universidade de Basel, analisou 25 levantamentos, realizados em 27 países de diferentes regiões: América do Norte, do Sul, Europa, Ásia, Oriente Médio, África e Oceania. E chegou a uma estatística semelhante a de outros trabalhos: 10% dos pacientes sofrem algum tipo de evento adverso durante o tratamento (1). A metade – 51,2% – poderia ter sido prevenida. Para definir danos causados pela assistência, os autores usaram a definição de evento adverso do Harvard Medical Practice Study: dano que prolongou a hospitalização, produziu uma lesão incapacitante presente na alta hospitalar ou ambos.
Uma revisão sistemática publicada em 2008 já reportara proporção semelhante (2) a encontrada agora no estudo suíço. O levantamento anterior, conduzido por pesquisadores holandeses, analisou oito estudos – com 74.485 pacientes – e apontou uma incidência de 9,2%. Um pouco mais de 40% dos eventos adversos seriam preveníveis.
O novo estudo traz detalhes das principais áreas em que ocorrem os danos e suas consequências. Eventos relacionados a cirurgias, como complicações durante o procedimento ou sangramentos pós-operatórios, eram a maioria dos casos: 40%. A segunda maior causa de eventos adversos estava associada à medicação, inclusive, erros e trocas. O terceiro maior grupo de ocorrências era constituído por infecções e reações alérgicas.
Chama a atenção o tempo de recuperação imposto pelos eventos adversos aos pacientes. Apesar de mais da metade (53,5%) terem provocado danos mínimos e temporários, que levaram até 1 mês para serem revertidos, uma parcela expressiva ( 21,2%) causaram prejuízos moderados, com período de recuperação de até um ano. Danos permanentes foram causados por 7.3% dos eventos adversos e outros 7,3% resultaram em morte.
Quantificar os eventos adversos e estimar seu impacto é um assunto que causa controvérsia em razão da metodologia usada para colher, analisar e tratar os dados. Em 1999, houve críticas após a publicação do hoje célebre relatório do então Institute of Medicine, agora Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos (3). O levantamento, que estimava o número de mortes por eventos decorrentes da assistência, em até 98.000 pessoas por ano nos Estados Unidos, chamou a atenção de maneira decisiva para para a qualidade do atendimento, mas não escapou de ser acusado de alarmista. Em um artigo de julho de 2000 da principal publicação científica da Associação Médica Americana, o Jama, pesquisadores da Universidade de Indiana afirmaram que as estatísticas do Errar é humano eram exageradas. O argumento do grupo é que os estudos que deram base à estimativa não haviam separado adequadamente as mortes que ocorreriam de qualquer maneira das causadas, de fato, por complicações relacionadas à assistência – o que inflava os resultados.
No Brasil, levantamentos sobre eventos adversos também dão margem a discussões metodológicas. O diretor científico do IBSP – Instituto Brasileiro para a Segurança do Paciente, Lucas Zambon, já descreveu em detalhes fragilidades encontradas ao analisar o Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, divulgado pelo Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) (5). No ano passado, a estimativa chamou a atenção por chegar à conclusão de que “a cada cinco minutos, três brasileiros morrem em hospitais por falhas”. Para Zambon, o velho problema de separar o que é dano da condição daquele causado pela assistência também está presente nesse levantamento brasileiro.
No novo estudo internacional, publicado pelo suíços, uma pesquisa brasileira estava incluído na análise: a do médico Walter Mendes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, publicada em 2009 (6). Realizada em três hospitais universitários do Rio de Janeiro, com mais de 27.000 pacientes em 2003, ela chegou a uma incidência de eventos adversos de 7,6%. Entre eles, 66% poderiam ter sido prevenidos.
Apesar de discordâncias metodológicas entre autores, levantamentos sobre eventos adversos têm o mérito de chamar a atenção para o problema e – principalmente – mapear onde são mais agudos. Para os serviços de saúde, é imprescindível ter informações de onde estão as principais vulnerabilidades. É a única maneira de traçar estratégias para saná-las.
Em 2011, um estudo divulgado na Health Affairs, uma publicação peer-reviewed, ofereceu um guia interessante das principais causas de eventos adversos, um problema de US$ 17 bilhões por ano só nos Estados Unidos (em 2008). A consultoria internacional Milliman estimou que 70% dos custos com eventos adversos vem de apenas dez erros (6): 1º infecção pós-operatória; 2º) lesão por pressão; 3º) complicação mecânica de dispositivo não cardíaco, implante ou enxerto; 4º) Síndrome pós-laminectomia; 5º) hemorragia durante procedimento; 6º) infecção sanguínea associada a cateter central; 7º) pulmão colapsado; 8º) infecção após infusão, injeção, transfusão ou vacinação; 9º) outras complicações de dispositivo protético interno, implante e enxerto; 10º) hérnia abdominal. Três dessas condições – infecção pós-operatória, lesão por pressão e síndrome pós-laminectomia – estão nos top 4 de danos mais frequentes.
SAIBA MAIS
(1) Schwendimann et al. BMC Health Services Research (2018) 18:521
(2) de Vries EN, Ramrattan MA, Smorenburg SM, Gouma DJ, Boermeester MA. The incidence and nature of in-hospital adverse events: a systematic review. Qual Saf Health Care. 2008;17(3):216–23.
(3) Institute of Medicine (US) Committee on Quality of Health Care in America; Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS, editors. To Err is Human: Building a Safer Health System. Washington (DC): National Academies Press (US); 2000.
(4) McDonald CJ, Weiner M, Hui SL. Deaths Due to Medical Errors Are Exaggerated in Institute of Medicine Report. JAMA. 2000;284(1):93–95. doi:10.1001/jama.284.1.93
(5) Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil
(6) Van Den Bos J, Rustagi K, Gray T, Halford M, Ziemkiewicz E, Shreve J. The $17.1 billion problem: the annual cost of measurable medical errors. Health Aff (Millwood). 2011;30(4):596–603.
Metade dos eventos adversos pode ser evitado, sugere novo estudo
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