Eventos adversos podem causar danos não só para os pacientes e para os profissionais de saúde diretamente envolvidos, conhecidos como segundas vítimas. Agora, um artigo recém-publicado no Journal of Patient Safety and Risk Management reforça a necessidade de discutir como outros profissionais, não envolvidos diretamente no erro, também podem ser sofrer. É um conceito que tem sido abordado com timidez nos últimos anos: o de “terceira vítima” (1).
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Quem são?
São profissionais que trabalham com segurança do paciente, equipes de qualidade e gerenciamento de risco, profissionais de comunicação encarregados de lidar com as consequências públicas de erros, especialistas que dão apoio a pacientes.
“Terceiras vítimas são aquelas que sofrem danos psicossociais como resultado da exposição indireta a um incidente, por seu papel na investigação de incidentes ou em função de atividades de melhoria após um evento adverso”, escrevem os autores do novo artigo, um especialista em gerenciamento de riscos da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, e de um sistema de saúde americano.
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As consequências
As consequências enfrentadas pelas terceiras vítimas são parecidas com as das segundas vítimas, os profissionais que cometerem um erro ou estavam envolvidos em um evento adverso. As terceiras vítimas podem sofrer com transtorno de estresse agudo, estresse pós-traumático e outros tipos de desgastes emocionais e psicológicos que levam o profissional a duvidar de sua própria competência e até a desistir de sua profissão.
O conceito
A ideia de que pessoas não envolvidas diretamente em erros e eventos adversos também podem sofrer danos não é nova. Em 2007, o gestor americano Charles R. Denham publicou um artigo (2) em que propôs um conceito para explicar como os hospitais, enquanto organismos sociais, também sofrem com os danos que causam. Outros pesquisadores continuaram a trabalhar o conceito aplicado à organização, uma ideia que encontrou certa resistência e é questionada pelo novo estudo. “Concentramos-nos no impacto humano, reconhecendo plenamente que as organizações de saúde são compostas por esses seres humanos”, escrevem. “Os hospitais não experimentam a síndrome do estresse agudo, embora seus funcionários possam. Os sistemas de saúde não se esgotam e abandonam a profissão, embora seus funcionários possam”.
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Por quê?
De acordo com os autores, há dois grandes motivos por trás do estresse a que esses profissionais estão expostos. O primeiro está relacionado a aspectos humanos: eles acabam vivendo também as dores do pacientes e de suas famílias e das equipes envolvidas nos erros. Colocam-se no lugar deles e acabam sujeitos a um estresse semelhante, mas diariamente. Além disso, costumam ser o “rosto” da instituição em um momento delicado e estão sujeitos às emoções e frustrações dos pacientes e seus familiares. Podem sofrer com a sensação de que estão continuamente sendo culpados por alguém.
O segundo motivo de desgaste tem a ver com fatores institucionais: se para os pacientes esses profissionais representam a organização que errou, para os profissionais do hospital, em geral, personificam a busca por “culpados”. Uma visão equivocada, claro, mas que pode ser comum em instituições em que não há uma cultura de segurança madura.
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Além de enfrentar a animosidade de colegas, não é raro que as sugestões de melhorias e projetos encabeçados pelo pessoal de qualidade, segurança do paciente e gestão de riscos enfrente resistência na hora de ser adotado por outras equipes da instituição. Elas envolvem mudanças que tiram as pessoas de suas zonas de conforto e que parecem criticar o antigo trabalho, o que, naturalmente, gera resistência.
Essa frustração pode ser agravada quando há pressão do outro lado – da direção – para melhorar os resultados. A situação fica ainda pior quando a liderança não encabeça a preocupação com qualidade e segurança, e pressiona para que casos e dados não sejam revelados.
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É possível evitar o surgimento da terceira vítima?
Identificado o problema, os autores do artigo sugerem medidas para diminuir a carga emocional nas equipes de qualidade e segurança e, pelo menos, minimizar o sofrimento ocupacional – já que vivenciar momentos difíceis, para pacientes, familiares e colegas, é algo inerente à função. Todas exigem que a organização se comprometa, oferecendo alternativas aos seus profissionais:
- Treinamento de resiliência: intervenções baseadas em mindfulness, para reduzir o estresse , capacitação para melhorar as habilidades de comunicação, encontros para discutir trabalho em equipe (3). “Embora não seja a panacéia que alguns esperavam, o treinamento em resiliência pode ajudar a mitigar os danos causados pelo sofrimento ocupacional inevitável”, afirmam os autores.
- Redefinir o papel dos profissionais de segurança do paciente: os autores sugerem aproximar essas equipes de diretores para que, estruturalmente, eles estejam dentro do escopo de responsabilidade de cargos maiores e ganhem, portanto, mais autoridade. Para isso, também é necessário investir na profissionalização de quem trabalha com segurança do paciente
- Priorizar prevenção em vez de investigação: os autores afirmam que inverter o enfoque geralmente dado às equipes de qualidade e segurança do paciente poderia melhorar os resultados, enfatizando o desenvolvimento de projetos e melhorias, e ainda diminuir o desgaste emocional dos profissionais.
- Participação da liderança: a preocupação com qualidade e segurança do paciente deve partir de cima e ser genuína, para que as equipes recebam apoio verdadeiro, o que ajuda a diminuir parte do desgaste
Referências
- (1) Holden, J., & Card, A. J. (2019). Patient safety professionals as the third victims of adverse events. Journal of Patient Safety and Risk Management, 251604351985091. doi:10.1177/2516043519850914
- (2) Denham, C. R. (2007). The Five Rights of the Second Victim. Journal of Patient Safety, 3(2), 107–119. doi:10.1097/01.jps.0000236917.02321.fd
- (3) Panagioti M, Panagopoulou E, Bower P, et al. Controlled Interventions to Reduce Burnout in Physicians: A Systematic Review and Meta-analysis . JAMA Intern Med. 2017;177(2):195–205. doi:10.1001/jamainternmed.2016.7674
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