Camila Cecílio
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a falta de informações sobre procedimentos cirúrgicos, inclusive sobre seus riscos e consequências, privou um paciente do direito de escolher ser ou não operado. O médico e o hospital recorreram da decisão, proferida em agosto, mas ela já é considerada importante por sinalizar o entendimento crescente da Justiça em favor da autonomia do paciente. “O dano indenizável é, na verdade, a violação da autodeterminação do paciente que não pôde escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível”, afirmou o relator do voto-vencedor. A decisão do STJ fixou a indenização em R$ 200.000 por danos morais.
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O paciente e sua família procuraram o médico porque ele apresentava tremores no braço direito que seriam sequelas de um traumatismo crânio-encefálico sofrido em 1994, após um acidente de carro. Segundo informações que constam da decisão judicial, o paciente e sua família afirmaram que, na consulta com o especialista, em 1999, ele teria sugerido a realização de uma cirurgia de “talamotomia” e “subtalamotomia”. São procedimentos para remover por ablação uma pequena área do cérebro responsável por movimentos involuntários. Ainda de acordo com o relato do paciente e de sua família, o médico, durante a primeira e única consulta antes da intervenção, teria explicado que o procedimento cirúrgico teria duração máxima de duas horas e que seria usada anestesia local. Já no decorrer da operação, a família se surpreendeu com os desdobramentos. Foram seis horas de cirurgia. A anestesia foi geral e não local. Quando acordou da cirurgia, o paciente, na época com 18 anos, não voltou mais a andar.
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Não foram encontradas evidências de erro médico – negligência, imprudência ou imperícia. Mas o paciente e a família afirmam que não foram informados de todos os procedimentos que seriam feitos e nem de seus riscos. E que, caso tivessem acesso a todas as informações, poderiam não ter optado pela cirurgia. “Quais pais submeteriam seu filho a uma cirurgia, se tivesse o mínimo de chance de o estado de saúde regredir?”, afirma o advogado responsável pela defesa dos interesses do paciente e sua família. “Eles só decidiram pela cirurgia porque entenderam que seria simples. O médico não prometeu resultado, mas também não alertou sobre as consequências.”
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Um dos médicos responsáveis pela perícia encontrou anotações, feitas pelo médico na ficha do paciente no consultório, sobre os procedimentos a serem realizados: “Halamotomia E + DBSD”. A sigla DBSB significaria “deep brain stimulation à direita”, procedimento do qual o paciente e sua família não estariam cientes. “O que se tem é que não houve informação detalhada sequer sobre quais procedimentos seriam feitos, ou seja, não foi falta de informação apenas sobre riscos, mas a própria especificação de que seriam feitos dois procedimentos”, afirmou uma das desembargadoras em seu voto.
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O processo de decisão compartilhada entre médico e paciente pode ajudar a desfazer mal-entendidos como esse e resultar em uma relação transparente de confiança, onde tanto os valores e desejos do paciente são respeitados, assim como o conhecimento e a técnica do médico. Trata-se nada mais de uma série de conversas para o médico entender o que é importante para o paciente e transmitir com clareza e tranquilidade, de acordo com seu conhecimento, quais seriam suas recomendações para o paciente. Isso inclui detalhar todas intervenções, seus possíveis riscos, consequências e benefícios. “A decisão final sempre é do paciente”, afirma o clínico-geral Arnaldo Lichtenstein, clínico-geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Há estudos nos Estados Unidos que comprovam que médicos com mal relacionamento com a família do paciente são mais processados do que os que preservam uma relação pautada pelo diálogo e pela franqueza”.
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Termos de consentimento bem elaborados também são ferramentas importantes de comunicação entre pacientes, médicos e hospitais. Eles detalham, de maneira textual, o processo de decisão do paciente, apoiado pelo médico: descrevem a natureza dos procedimentos, os riscos e informam que o paciente está ciente. O problema é que ainda há instituições e profissionais que não dão a devida atenção à elaboração do termo: usam documentos genéricos que não ajudam a elucidar as dúvidas dos pacientes e não se mostram abertos a conversar sobre o documento. Saiba como elaborar um termo de consentimento adequado.
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