Como a assistência à saúde evoluiu muito e o cuidado se tornou mais especializado, é provável que os pacientes hoje passem por mais transições de cuidado do que no passado. Passagens ineficientes podem contribuir com lacunas de informação e falhas na segurança do paciente, incluindo erros de medicação, de marcação de sítio cirúrgico e até mortes (1). Estima-se que 80% dos erros graves acontecem por falhas de comunicação entre os profissionais durante alguma transição do cuidado (2).
O UCI Health, o Centro de Saúde da Universidade da Califórnia na cidade de Irvine, nos Estados Unidos, sentiu que estava na hora de aprimorar a maneira como era feita a transição de cuidado dentro de seu serviço. “Mantivemos o foco nesse trabalho por três anos”, afirma o médico William C. Wilson, diretor-médico da UCI Health.
Através da colaboração entre médicos e enfermagem, o hospital procurou uma ferramenta de transição do cuidado para incorporar ao sistema de registro médico eletrônico já usado pela instituição. A adoção foi feita em novembro do ano passado. O recurso escolhido se baseia na coleta e transferência de informações em cinco grandes categorias: 1) detalhes da doença; 2) resumo do paciente; 3) lista de ações; 4) conhecimento da situação atual e plano de contingência; 5) resumo feito por quem recebe a transição.
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A ferramenta ajudou a padronizar a transição. “Antes de implementá-la, cada pessoa de cada departamento fazia a transição de uma maneira diferente”, diz Wilson. “Alguém talvez escrevesse as instruções em um papel de rascunho, outro fizesse uma orientação verbal. Quando há padrões, os resultados são melhores.”
A UCI ainda não documentou quantitativamente as melhorias. Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine a respeito da ferramenta escolhida sugere uma redução de 23% nos erros em relação ao período anterior à adoção e uma queda de 30% na taxa de eventos adversos. Análises feitas em nove centros que adotaram a ferramenta mostraram redução de eventos adversos em seis serviços.
O Centro Médico Parrish, em Titusville, na Flórida (EUA), tomou outro caminho para resolver uma preocupação semelhante à da UCI Health com a transição do cuidado. A equipe do Parrish assumiu um dos compromissos propostos pela fundação internacional Patient Safety Movement (PSM), uma organização sem fins lucrativos que quer zerar as mortes evitáveis em hospitais até o ano 2020. As instituições de saúde que aderem ao movimento ganham o selo da parceria e desenvolvem projetos para melhorar indicadores assistenciais e clínicos.
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O PSM oferece gratuitamente um repertório de processos aplicáveis a 16 áreas e que podem ser adotados pelas organizações (são chamados de APSS, uma sigla em inglês para Soluções Acionáveis de Segurança do Paciente). Há soluções detalhadas para criar cultura de segurança, evitar erros de medicação, reduzir infecções associadas à assistência, aprimorar a profilaxia de eventos embólicos, entre outros procedimentos para problemas que ocorrem nos hospitais diariamente. O IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente disponibiliza procedimentos para 13 dessas áreas. No Brasil, o IBSP é um parceiro do PSM e pode ajudar a cadastrar serviços de saúde no programa (saiba como).
O Centro Médico Parrish assumiu o compromisso para melhorar sua transição do cuidado e usou a solução do PSM dedicada a esse tema. O download da solução pode ser feito ao final deste texto. O Parrish ainda criou um processo próprio para resolver preocupações específicas da instituição. O hospital enfatiza a abordagem baseada em dados e trabalhou com suas lideranças e equipes para elaborar um procedimento de mensuração dos resultados. “Quando uma organização realmente se compromete implacavelmente com a cultura de segurança e medidas, saberá quais mudanças precisa fazer e como. Não será baseado em adivinhação ou evidências anedóticas”, afirma Edwin Loftin, enfermeiro-chefe do Parrish Medical Center.
De maneira simplificada, estas são as categorias de informação que o PSM recomenda que sejam abordadas em qualquer tipo de transição do cuidado. Elas serão mais amplas ou restritas de acordo com a necessidade do tipo de unidade de internação: emergência, cirúrgica etc… Para ter acesso aos modelos completos, consulte o documento ao final do texto.
- Queixa principal – por que o paciente está no hospital
- Problemas médicos – todos, mesmo não relevantes na internação atual
- Anamnese e exame físico – incluir partes relevantes da revisão dos aparelhos
- Resultados de exames – laboratoriais e outros complementares
- Medicações e tratamentos – atuais e planejados
- Balanço hídrico – urina e cateteres
- Evolução hospitalar – complicações e progresso
- Plano de alta – o que é preciso para levar este paciente para casa
- Recomendações – opinião e sugestões de quem passa o paciente
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Assim, como a UCI Health, a equipe do Centro Médico Parrish criou processos de transição estruturados. O hospital elaborou checklists a partir de modelos oferecidos pela solução do PSM. O objetivo era duplo:
- zerar os danos causados por transições da unidade de emergência para a cirúrgica e de cuidados críticos;
- implementar a transferência pessoa a pessoa, incluindo o paciente no processo
“Ao desenhar esse novo processo, criamos um checklist no registro médico eletrônico e decidimos que queríamos que todas transição de cuidado fosse feita pessoa a pessoa”, afirma afirma Loftin. “Sentimos que seria importante incluir a pessoa que é o centro do cuidado – o paciente – tanto quanto a enfermagem.”
O processo foi implementado no dia 6 de maio deste ano e, em quatro semanas, apresentou resultados notáveis. Antes da mudança, o Centro Médico Parrish havia registrado 48 eventos que resultaram em danos para pacientes durante um ano e meio. Eram erros de medicação, atraso em procedimentos, entre outros eventos. Desde a adoção do novo processo de transição, o hospital não registrou nenhum incidente em 600 passagens de cuidado. “Quase todo hospital faz transferências personalizadas, e elas tendem a ser diferentes de acordo com o local onde a transição está ocorrendo. No nosso caso, planejamos implementar esse mesmo processo em toda a organização, em todos os departamentos”, afirma Loftin.
O novo processo trouxe benefícios adicionais, incluindo uma redução de 35% no tempo de transição tanto na transferência para os quartos quanto na realização de procedimentos, e também aumentou a satisfação dos pacientes.
* Patient Safety Movement (PSM) é uma organização sem fins lucrativos que quer zerar as mortes evitáveis em hospitais até o ano 2020. Saiba como erfaz parte desse movimento.
SAIBA MAIS
(1) Friesen MA, White SV, Byers JF. Handoffs: Implications for Nurses. In: Hughes RG, editor. Patient Safety and Quality: An Evidence-Based Handbook for Nurses. Rockville (MD): Agency for Healthcare Research and Quality (US); 2008 Apr. Chapter 34.
(2) Clutter—Part, C. (2012). Joint Commission Center for Transforming Healthcare Releases Targeted Solutions Tool for Hand-Off Communications. Joint Commission Perspectives.
(3) Starmer AJ et al. Changes in medical errors after implementation of a handoff program. N Engl J Med. 2014 Nov 6;371(19):1803-12. doi: 10.1056/NEJMsa1405556.
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