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Ativistas pedem fim do termo “segunda vítima” para profissionais que erraram

Ativistas pedem fim do termo “segunda vítima” para profissionais que erraram
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Profissionais de saúde também precisam de cuidados após erros. Expressão segunda vítima ajudou a mostrar o sofrimento de quem erra (Bigstock)
Profissionais de saúde também precisam de cuidados após erros. Expressão segunda vítima ajudou a mostrar o sofrimento de quem erra (Bigstock)

Em março de 2000, poucos meses após a publicação do icônico relatório Err is Human, que mostrou o impacto de erros na assistência à saúde, o pesquisador Albert W. Wun deu nome à dor sentida por quem está do outro lado do erro: os profissionais de saúde (1). Em um agora histórico artigo no British Medical Journal (BMJ), Wun, professor da Escola de Saúde Pública da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, cunhou a expressão “segunda vítima” e trouxe à luz a necessidade de cuidar não só do paciente afetado e de sua família, mas também de quem comete o erro.

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Nesses quase 20 anos, novos estudos se somaram ao corpo de pesquisas para entender a melhor maneira de oferecer apoio a esses profissionais e muitas instituições criaram programas de suporte para membros da equipe que experimentaram esse desgaste. Mas quem vive o dia a dia dos serviços de saúde sabe que esse esforço está apenas no começo. Ainda falta percorrer uma longa trajetória, inaugurada pelo termo pioneiro de Wu, até que profissionais se sintam acolhidos para compartilhar a dor do erro e transformá-la em aprendizado. Mas, para autores de um novo e contundente artigo no BMJ, este deve ser o fim do caminho (2). “É hora de abandonar o termo segunda vítima”, afirmam as autoras, uma pesquisadora da Universidade do Kentucky e três ativistas que advogam pelos direitos dos pacientes. “Nós sabemos quem são as verdadeiras vítimas dos erros médicos porque organizamos seus funerais e as enterramos.”

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Os argumentos contra a expressão “segunda vítima”, elencados no novo artigo, são os mesmos que ressurgem de tempos em tempos. O termo ofenderia os pacientes, que seriam as verdadeiras e únicas vítimas dos erros. Por mais que eles entendam que os profissionais de saúde também sofrem, esse sofrimento seria ínfimo quando comparado à dor de conviver com sequelas graves ou de ter perdido um familiar em consequência de uma falha. Para ativistas dos direitos do paciente, o termo significaria uma isenção de culpa. “Profissionais de saúde e instituições sutilmente promovem a ideia de que danos ao paciente são aleatórios, causados por má sorte e, simplesmente, não preveníveis”, escrevem as autoras da publicação.  Existem também as críticas que vêm do lado dos profissionais de saúde. Há quem acredite que a expressão “segunda vítima” empresta a eles negativamente a ideia de fragilidade.

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O próprio Wu já fez uma reflexão sobre a expressão ser adequada ou não, frente a esse tipo de crítica (3). Sua opinião pode não ser a mais isenta, já que, como autor do termo, é natural que o defenda. Mas Wu chegou à conclusão de que mudar a expressão pode trazer mais prejuízo à segurança do paciente do que benefícios. Primeiro, porque não há consenso na escolha de um termo substituto, o que compromete sua utilidade como pilar centralizador de uma causa. “Trauma secundário”, “cuidador ferido” e “curador ferido” foram algumas das sugestões que não pegaram (compreensivelmente). Em segundo lugar, a palavra vítima dá a verdadeira dimensão da gravidade do problema. As consequências vão de traumas a suicídios. Na esfera profissional, há profissionais que precisam mudar de emprego e outros que decidem abandonar a profissão. “Mudar a terminologia agora poderia criar confusão entre profissionais que precisem de apoio e organizações que estejam considerando desenvolver ou financiar esses serviços”, escreve Wu.  

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O impacto de ser vítima de um erro ou de ver um familiar afetado por uma falha na assistência à saúde é compreensivelmente devastador. Pode ser agravado por instituições que ainda pecam em fornecer todas as informações aos pacientes/familiares que precisam de transparência para assimilar os fatos e seus desdobramentos. Mas é preciso cuidado para não advogar a favor de argumentos que podem se voltar contra a própria causa.

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Minimizar os danos sofridos pelos próprios profissionais de saúde na ocasião de erros vai na contramão de criar uma cultura mais segura para todos – pacientes e equipe. Atribuir, ainda que indiretamente, culpa aos profissionais dificulta a construção de um ambiente acolhedor para que eles revelem possíveis falhas e contribuam para o desenvolvimento de procedimentos mais seguros. Querer distanciar pacientes e profissionais de saúde, mesmo que no campo semântico, é negar que essa interação é a base de todo o cuidado e que os erros são fruto de falhas de um sistema – raramente são causados por culpa exclusiva de um só indivíduo, por imperícia, negligência ou imprudência. Revogar o uso da expressão “segunda vítima” é minar a essência da Cultura Justa, que reconhece quando erros são do sistema, encoraja a transparência e, consequentemente, a melhoria contínua.

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Com o nome que for, o importante é que cada vez mais os profissionais de saúde encontrem espaços de acolhida em seus locais de trabalho. A AHRQ, a agência americana de qualidade em saúde, aconselha as instituições de saúde a adotar um modelo de apoio a “segunda vítimas” estruturado em três camadas, no formato de pirâmide (4).

Modelo de sistema de apoio para profissionais de saúde após erro médico (segunda vítima)

>> Ouça a Rádio IBSP, com o médico Lucas Zambon

As três camadas não devem ser acionadas exatamente nesta sequência. Elas se comunicam e são fluidas. A pirâmide é uma maneira de sinalizar que é preciso contar amplamente com apoio da chefia e colegas. Ou seja, deve existir uma cultura de transparência e acolhedora na instituição. É preciso treinar alguns integrantes com habilidades específicas para prestar apoio e não esquecer que figuras-chave são importantes para prestar suporte qualificado, como psicólogos e assistentes sociais, que devem estar prontos para intervir com rapidez.

Quando o assunto é erro em saúde, profissionais e pacientes estão do mesmo lado. Ninguém quer que aconteçam.

SAIBA MAIS

(1) Wu AW. Medical error: the second victim. The doctor who makes the mistake needs help too. BMJ 2000;320:726-7.

(2) Clarkson Melissa D, Haskell Helen, Hemmelgarn Carole, Skolnik Patty J. Abandon the term “second victim” BMJ 2019; 364 :l1233

(3) Wu, A. W., Shapiro, J., Harrison, R., Scott, S. D., Connors, C., Kenney, L., & Vanhaecht, K. (2017). The Impact of Adverse Events on Clinicians. Journal of Patient Safety, 1. 

(4) U.S. Departament of Health & Human Services. AHRQ. Care for the Caregiver Program Implementation Guide.

 

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